sábado, 13 de agosto de 2016
O MACACO INFINITO
O "Teorema do Macaco Infinito" é um enunciado matemático que afirma que um macaco, se dactilografar durante um tempo infinito, acabará por produzir qualquer texto predeterminado, como, por exemplo, o Hamlet de Shakespeare. Foi o escritor argentino Jorge Luís Borges primeiro num ensaio sobre "A Biblioteca Total" e depois o conto "A Biblioteca de Babel" aproveitou a potencialidade deste teorema. Atribuiu a sua origem a Aristóteles e fez a história da ideia que passa por Blaise Pascal e Jonathan Smith. Vários escritores têm glosado literariamente o teorema, incluindo o português Mário de Carvalho, que no conto "O nó estatístico" de "A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho" colocou um macaco a escrever o "Menina e Moça" de Bernardim Ribeiro. Agora foi a vez do escritor português Manuel Jorge Marmelo que, no seu mais recente livro, intitulado precisamente "Macaco Infinito" (Quetzal), um romance sobre a questão do mal e da opressão na sociedade contemporânea (há várias referências a acontecimentos recentes, como a crise dos refugiados). O enredo passa-se num bordel (ou bar de alterne, se se quiser) que é dirigido por um deficiente físico que escraviza, para além das várias mulheres da casa, um negro chamado Abdul Majeed Wakaso, cujo pesado castigo consiste em bater sem cessar, quando não está a tratar do seu "dono", nas teclas de uma máquina de escrever. A história acaba - não podia ter outro desenlace - com a libertação do escravo, que, após matar o "dono" e a sua favorita, enfrenta vitorioso a máquina de escrever:
"Abdul Majeed Wakaso é uma máquina de escrever inventando o seu próprio país, percorrendo-o letra a letra e criando cada grão de pó, as sombras e as fulgurações de luz, o assombro dos montes, a correnteza dos rios, os bichos que há no mato e o sorriso das pessoas que não tem motivos para não rir. Cria a noite e o dia, o calor e o frio, as mulheres e as estrelas, a voz e o som que os pássaros fazem quando o dia nasce. Qual Aquiles perseguindo a tartaruga indiferente ao paradoxo e ao interdito, Wakaso dactilografa como se lhe fosse possível atravessar todas as vedações e escrever a sua própria história ou uma versão dela em que não seja apenas o criado obediente, servil, mas todos os indivíduos possíveis, as inúmeras pessoas que tem dentro e que qualquer bola de espelhos é capaz de revelar.
Diante da Corona 3, dactilografando o que viu e o que imagina, Abdul Majeed Wakaso é agora apenas um homem: o mais infinito dos macacos.
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