quarta-feira, 2 de abril de 2014

Química na literatura infantil e juvenil


Para assinalar o dia internacional do livro infantil, partilho algumas ideias respigadas de um texto que estou a ultimar sobre a química na literatura infantil e juvenil

Máximo Gorki disse que se deve escrever para os jovens como se escreve para os adultos, só que melhor. Nesse ponto, o nosso Aquilino Ribeiro foi um mestre e estava, provavelmente, de acordo com Gorki. Quem leu o Romance da Raposa, incluindo o que Aquilino diz no final sobre a literatura infantil, percebe, com certeza, qual é a importância de haver bons livros para crianças e jovens que estimulem a inteligência e a imaginação criativa e não apenas divagações tontas. Livros que é preciso ler no original, com as palavras difíceis mas necessárias, com toda a violência e questões morais duras que possam existir (as quais, de resto, serão sempre menos más que as que nos trazem as imagens da televisão e dos jogos de video). Sobre isso não me vou alongar, basta lembrar Carmo Bravo-Villasante que chama a atenção para o facto de Collodi, no Pinóquio, ter feito mais pela pedagogia moral do que séculos de moralistas. E este último é mesmo um livro que é necessário ler no original. O meu filho mais novo deu boas gargalhadas com ele ao mesmo tempo que acompanhava os dramas, fracassos e aprendizagem do boneco de madeira, futuro menino de verdade. Todas as crianças deveriam poder fazer o mesmo. Também, para saberem que Pinóquio não foi comido por uma baleia mas sim por um tubarão!

Não vou escrever hoje sobre a química nos livros referidos acima, nem nos de Verne, Salgari, ou outros (para isso terão de esperar pela publicação do texto completo). Hoje ficarei apenas por um pequeno doce: Charlie e a fábrica de chocolate.

Roald Dahl escreveu Charlie e a fábrica de chocolate em 1964. Numa primeira impressão, o filme, que foi feito recentemente, segue, com a excepção de alguns pormenores pouco significativos, o texto do livro. Mas que prazer ler o livro mesmo assim (e estou a citar de novo o meu filho mais novo)!

Tratando o livro de uma fábrica de chocolate, poderíamos (mas não vamos fazê-lo) ficar pela química do chocolate (o que já não seria pouco). De facto, o chocolate, ou as preparações culinárias envolvendo o cacau, já foram considerados a bebida ou o alimento dos deuses. Os Umpa-lumpa, pequenos trabalhadores da fábrica de Willy Wonka, assim o consideram também.

O chocolate é um material sólido, ou melhor, uma dispersão sólida com aspecto de sólido mais ou menos homogéneo, que é, digamos sem rodeios, simplesmente delicioso! E o prazer começa com o facto de o seu ponto de fusão ser muito baixo e, por isso, se derreter já um pouco nos dedos, que é necessário lamber completa e sem medo (melhor se estiverem bem lavados), ou, o que é mesmo adequado, logo que o colocamos na boca, a cerca de 37ºC. As diferentes proporções de cacau e açúcar e outros constituintes, assim como a forma como são aglutinados, dão ao chocolate intervalos de fusão quase perfeitos para a nossa gulodice. Além disso, o chocolate tem teobromina, fenilalanina e muitos outros compostos que nos dão prazer (e a uns poucos infelizes causam alergias). Para além disso, é preciso dizer que o chocolate tem um cheiro inconfundível proveniente de um grande de número de compostos, que lhe dão esse odor característico que muitas crianças, numa altura em que os chocolates eram raros, procuravam manter vivo guardando em livros os papéis em que estes eram embrulhados.

Quase todos conhecem a história de Charlie. A sua família era tão pobre que só comiam sopa de couves uma vez por dia e, depois do pai ser despedido, só comiam meia batata por dia. E isso foi mesmo na altura que começava o inverno. Altura em que, como está escrito no livro, temos mais apetite e queremos comer coisas quentes. Aqui está um aspecto químico importante e com interesse pedagógico: a conservação de energia. Comemos para fornecer energia ao nosso corpo e nos aquecermos (se a temperatura exterior é mais baixa do que a do corpo). Se está muito frio precisamos de mais alimentos, de preferência já quentes. Os inuit precisam em média de seis mil calorias (quilocalorias, como bem sabemos) por dia enquanto, nas regiões temperadas, a média necessária é de duas mil calorias por dia. Charlie deslocava-se muito lentamente para a escola para não gastar energia e estava cada vez mais magro. Infelizmente a fome não atinge só Charlie. A fome existe e chega a cada vez a mais pessoas, enquanto outras, como as restantes crianças do livro, comem demasiado.

Outro aspecto interessante do livro são as pastilhas elásticas (de cuja química também não vou falar agora) de Violet. Esta mascava-as sem parar e, note-se bem, guardava a que estava a mascar colada na cama durante a noite. Esta pastilha ficava um pouco dura (como a que os alunos colam debaixo das mesas), mas depois, com uma voltas, fica outra vez bem. Aqui está um efeito interessante: a pastilha elástica como um material que amolece, ou seja cuja viscosidade varia, com a manipulação. Temos muitos exemplos desse comportamento de fluído não-Newtonino à nossa volta. Depois, a pastilha que Wonka está a desenvolver, a qual tem todos os sabores de uma refeição, recorda-nos um livro dos anos 1940 de Monteiro Lobato, A reforma da natureza, na qual Emília, uma boneca atrevida, propõe encontrar um químico que desenvolvesse um livro comestível com as mesmas propriedades dietéticas da pastilha de Wonka.

E já que se fala de investigação, é interessante recordar que a química, e os químicos, têm um papel muito importante no desenvolvimento de uma alimentação segura, adequada e agradável.

Termino com um exemplo do livro que combina investigação e desenvolvimento (I&D) com a conservação de energia. Willy Wonka teria inventado um gelado de chocolate que não fundia nem quando exposto uma manhã toda ao sol. Ora Charlie e o avô sabem que isso é impossível, sendo até completamente absurdo, mas o Sr. Wonka conseguiu! É muito pedagógica esta forma de introduzir os limites da ciência. Sabemos que é quase impossível, mas, quem sabe, o talento e os conhecimentos científicos de Wonka, ou de um químico, poderiam desenvolver um gelado que tivesse na sua composição um material (que não fosse tóxico, como o gelo seco), que ao fundir, ou melhor ainda, ao sublimar e abandonar o gelado, usasse tanta energia que ia mantendo o gelado de chocolate sólido toda a manhã...

2 comentários:

Anónimo disse...

Nesta primavera invernosa é bom pensar em chocolate quente. Pouco sei sobre a literatura infanto-juvenil, mas julgo que, sem perder o maravilhoso das histórias se pode contar a vida às crianças. Há muitos exemplos na literatura clássica.

Phil Mount / Filipe Monteiro disse...

Cada vez sinto mais orgulho no meu livro “Mestre Carbono, o Cientista”, porque se encaixa na perfeição neste conceito de literatura infantojuvenil com Química...
Filipe LS Monteiro

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