Para assinalar o dia internacional
do livro infantil, partilho algumas ideias respigadas de um texto que
estou a ultimar sobre a química na literatura infantil e juvenil
Máximo Gorki disse
que se deve escrever para os jovens como se escreve para os
adultos, só que melhor. Nesse ponto, o nosso Aquilino Ribeiro
foi um mestre e estava, provavelmente, de acordo com Gorki. Quem leu o Romance da
Raposa, incluindo o que Aquilino diz no final sobre a literatura
infantil, percebe, com certeza, qual é a importância de haver bons
livros para crianças e jovens que estimulem a inteligência e
a imaginação criativa e não apenas divagações tontas. Livros que é
preciso ler no original, com as palavras difíceis mas necessárias,
com toda a violência e questões morais duras que possam existir (as
quais, de resto, serão sempre menos más que as que nos trazem as imagens da
televisão e dos jogos de video). Sobre isso não me vou
alongar, basta lembrar Carmo Bravo-Villasante que chama a atenção
para o facto de Collodi, no Pinóquio, ter feito mais pela
pedagogia moral do que séculos de moralistas. E este último é mesmo um livro
que é necessário ler no original. O meu filho mais novo deu boas
gargalhadas com ele ao mesmo tempo que acompanhava os dramas,
fracassos e aprendizagem do boneco de madeira, futuro menino de verdade.
Todas as crianças deveriam poder fazer o mesmo. Também, para
saberem que Pinóquio não foi comido por uma baleia mas sim por um
tubarão!
Não vou escrever
hoje sobre a química nos livros referidos acima, nem nos de Verne, Salgari, ou outros (para isso terão de esperar
pela publicação do texto completo). Hoje ficarei apenas por um
pequeno doce: Charlie e a fábrica de chocolate.
Tratando o livro de
uma fábrica de chocolate, poderíamos (mas não vamos fazê-lo)
ficar pela química do chocolate (o que já não seria pouco). De
facto, o chocolate, ou as preparações culinárias envolvendo o
cacau, já foram considerados a bebida ou o alimento dos deuses. Os
Umpa-lumpa, pequenos trabalhadores da fábrica de Willy Wonka, assim
o consideram também.
O chocolate é um
material sólido, ou melhor, uma dispersão sólida com aspecto de
sólido mais ou menos homogéneo, que é, digamos sem rodeios,
simplesmente delicioso! E o prazer começa com o facto de o seu ponto
de fusão ser muito baixo e, por isso, se derreter já um
pouco nos dedos, que é necessário lamber completa e sem medo (melhor se
estiverem bem lavados), ou, o que é mesmo adequado, logo que o
colocamos na boca, a cerca de 37ºC. As diferentes proporções de
cacau e açúcar e outros constituintes, assim como a forma como são
aglutinados, dão ao chocolate intervalos de fusão quase perfeitos
para a nossa gulodice. Além disso, o chocolate tem teobromina,
fenilalanina e muitos outros compostos que nos dão prazer (e a uns
poucos infelizes causam alergias). Para além disso, é preciso dizer
que o chocolate tem um cheiro inconfundível proveniente de um grande
de número de compostos, que lhe dão esse odor característico que muitas crianças, numa altura em que os chocolates eram raros,
procuravam manter vivo guardando em livros os papéis em que
estes eram embrulhados.
Quase todos
conhecem a história de Charlie. A sua família era tão pobre que só
comiam sopa de couves uma vez por dia e, depois do pai ser despedido,
só comiam meia batata por dia. E isso foi mesmo na altura que começava o
inverno. Altura em que, como está escrito no livro, temos mais
apetite e queremos comer coisas quentes. Aqui está um aspecto
químico importante e com interesse pedagógico: a conservação de
energia. Comemos para fornecer energia ao nosso corpo e nos
aquecermos (se a temperatura exterior é mais baixa do que a do corpo).
Se está muito frio precisamos de mais alimentos, de preferência já
quentes. Os inuit precisam em média de seis mil calorias
(quilocalorias, como bem sabemos) por dia enquanto, nas
regiões temperadas, a média necessária é de duas mil calorias por
dia. Charlie deslocava-se muito lentamente para a escola para não
gastar energia e estava cada vez mais magro. Infelizmente a fome não
atinge só Charlie. A fome existe e chega a cada vez a mais pessoas,
enquanto outras, como as restantes crianças do livro, comem demasiado.
Outro aspecto
interessante do livro são as pastilhas elásticas (de cuja química
também não vou falar agora) de Violet. Esta mascava-as sem parar e, note-se
bem, guardava a que estava a mascar colada na cama durante a noite.
Esta pastilha ficava um pouco dura (como a que os alunos colam debaixo
das mesas), mas depois, com uma voltas, fica outra vez bem.
Aqui está um efeito interessante: a pastilha elástica como um
material que amolece, ou seja cuja viscosidade varia, com a
manipulação. Temos muitos exemplos desse comportamento de fluído não-Newtonino à nossa volta. Depois, a pastilha que
Wonka está a desenvolver, a qual tem todos os sabores de uma
refeição, recorda-nos um livro dos anos 1940 de Monteiro Lobato, A
reforma da natureza, na qual Emília, uma boneca atrevida, propõe encontrar
um químico que desenvolvesse um livro comestível com as mesmas
propriedades dietéticas da pastilha de Wonka.
E já que se fala
de investigação, é interessante recordar que a química, e os
químicos, têm um papel muito importante no desenvolvimento de uma
alimentação segura, adequada e agradável.
Termino com um
exemplo do livro que combina investigação e desenvolvimento (I&D)
com a conservação de energia. Willy Wonka teria inventado um gelado
de chocolate que não fundia nem quando exposto uma manhã toda ao
sol. Ora Charlie e o avô sabem que isso é impossível, sendo
até completamente absurdo, mas o Sr. Wonka conseguiu! É
muito pedagógica esta forma de introduzir os limites da ciência.
Sabemos que é quase impossível, mas, quem sabe, o talento e os
conhecimentos científicos de Wonka, ou de um químico, poderiam
desenvolver um gelado que tivesse na sua composição um material
(que não fosse tóxico, como o gelo seco), que ao fundir, ou melhor
ainda, ao sublimar e abandonar o gelado, usasse tanta energia que ia
mantendo o gelado de chocolate sólido toda a manhã...
2 comentários:
Nesta primavera invernosa é bom pensar em chocolate quente. Pouco sei sobre a literatura infanto-juvenil, mas julgo que, sem perder o maravilhoso das histórias se pode contar a vida às crianças. Há muitos exemplos na literatura clássica.
Cada vez sinto mais orgulho no meu livro “Mestre Carbono, o Cientista”, porque se encaixa na perfeição neste conceito de literatura infantojuvenil com Química...
Filipe LS Monteiro
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