Paulo Guinote (P.G.), no seu ambíguo artigo intitulado “O cerco à sala de aula” (PÚBLICO, 5 de Abril), veio criticar, subliminarmente, o mais recente livro de Maria Filomena Mónica (aliás não é um, mas dois livros, um deles prefaciado por M.F.M. e com depoimentos de duas professoras, quatro alunas e uma mãe), bem como, de caminho, veio censurar as considerações que Carlos Fiolhais tem expressado em recentes artigos publicados neste mesmo jornal sobre o iminente colapso das escolas, colapso este tanto mais presumível quanto será certo que a degradação educativa e ética (continua); a indisciplina (é permanente); o relaxamento (é acentuado) e a insana burocracia (submerge). Estas variáveis – a que se poderão juntar outras – invadiram o ambiente escolar, contribuindo para a sua pestilência. Na verdade, os retratos que delineiam Maria Filomena Mónica e Carlos Fiolhais sobre o estado da educação no nosso país têm sido lapidares e, no entanto, P.G. julga que “são perigosos, porque traçados em tons excessivos com aparente suporte académico, divulgados de forma sensacionalista, hiperbolizando um cenário de desordem generalizada e ignorando o que de bom e muito bom ainda acontece pelas escolas e salas de aula”. Bem se poderá dizer que P.G. tem uma visão algo panglossiana do preocupante problema…
Ora acontece que a dr.ª Maria Filomena Mónica, não gostando do que escreveu o dr. Paulo Guinote, no pretérito dia 7 de Abril – e um poucochinho assanhada –, elucidou-o posteriormente num artigo intitulado “A Escola pública” dado à estampa no PÚBLICO (e fez muito bem). No entanto, o dr. Paulo Guinote, algo melindrado e relapso, voltou à carga num artigo publicado neste jornal no dia 9 de Abril, artigo intitulado “Num debate, prefiro as ideias aos adjectivos”. Não trouxe nada de novo à polémica e considero que o retrato que traça M.F.M. é realista e proficiente, expondo a triste realidade das salas de aulas deste país (porventura até pecará por defeito). Será também certo que no livro de M.F.M. Sala de Aula e mais propriamente na abordagem que a autora faz da autonomia das escolas será necessário cautela e previdência pelos novos problemas que essa hipotética autonomia poderá trazer, como seja o compadrio, a partidarite, o nepotismo, o caciquismo, o arbítrio, o abuso de poder… Estas serão facetas que poderão desabrochar, enroupadas em cortinas nebulosas de cumplicidades várias (en)cobrindo inescrupulosas personagens de variável jaez nesta prefulgente democracia austeritária.
Voltando à polémica. Naturalmente que existem coisas boas nas escolas e nas salas de aulas, dr. Paulo Guinote (seria um total descalabro se não existissem), mas, contudo, vêm-se avolumando exponencialmente sinais de contínua indisciplina, sinais de verdadeiro sufoco que configuram situações sindromáticas de burn-out, situações de extremo desgaste psíquico e físico que atingem particularmente os professores mais velhos que se aproximam da idade de reforma (mas está tão longe neste verdadeiro ambiente de batalha em que se transformaram as salas de aula!), não tendo a certeza se irão usufruir dessa reforma, tal é a imprevisibilidade do putativo crescimento económico do país.
Quanto aos professores mais novos, na casa dos 30, 40 e 50 anos, estes ainda vão aguentando – como podem e com os cabelos em pé, é certo – a turbulência das salas de aula (aconselho a ler o irónico e divertido livro da autoria de José Alberto Quaresma intitulado Direito ao Erro – A Batalha da Educação em Portugal) porque ainda lhes sobeja alguma resiliência para os desmandos, para a indisciplina (não será de mais repetir que este é o verdadeiro problema da escola pública a que ninguém quer pôr termo), para a selvajaria e má-criação de um considerável número de alunos que frequentam as salas de aula e que deambulam pelos recreios desta triste e agónica escola pública.
Esta é a realidade, meu caro Paulo Guinote. Não pretenda desvalorizar globalmente o livro de M.F.M. – nalguns aspectos não subscreverei totalmente a visão da investigadora – e queira acreditar que as árvores educativas das “coisas boas que ainda se fazem (e existem, de facto) nas salas de aula” não impedem de vermos e sentirmos a medonha e lúgubre floresta educativa que nos vai cerceando, oprimindo e acabrunhando… Até quando? Sabe a resposta? Eu não.
António Cândido Miguéis, Vila Real
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