domingo, 6 de abril de 2014

DAS MONTANHAS ERGUIDAS A PARTIR DOS FUNDOS MARINHOS POR EFEITO DO “FOGO CENTRAL”, NA IDEIA DOS GEÓGRAFOS GREGOS DA ANTIGUIDADE, À APROXIMAÇÃO E COLISÃO DE PLACAS LITOSFÉRICAS, NA MODERNA CONCEPÇÃO TECTÓNICA GLOBAL

4.ª Parte (as três partes anteriores podem ser encontradas aqui)


Alpes suiços
Nos anos de 50 do século passado o geólogo norte-americano Bruce Charles Heezen (1924-1977) ficou conhecido por ter chefiado a equipa da Universidade de Columbia (Nova Iorque) que cartografou o alinhamento de relevos submarinos constituinte da dorsal meso-atlântica (caracterizada por elevado fluxo térmico e actividade sísmica considerável) e por ter, com isso, apoiado a Teoria da Expansão da Terra proposta pelo geólogo australiano Samuel Warren Carey (1911-2002). 
Dorsal meso-atlântica
Uma década depois, os geólogos e geofísicos, Robert Sinclair Dietz (1914-1995) e Harry Hammond Hess (1906-1969),, participaram em observações comprovativas do alastramento dos fundos oceânicos. Em 1953, enquanto membro do Scripps Institution of Oceanography, Dietz estudou a natureza do conjunto de relevos submarinos na vizinhança das ilhas havaianas, concluindo que estes montes vulcânicos se tinham deslocado, como que transportados num tapete rolante.
Como um tapete rolante, a placa pacífica deslocou-se para NW, sabe-se hoje, sobre um ponto quente
Como um tapete rolante, a placa pacífica deslocou-se para NW, sabe-se hoje, sobre um ponto quente. Baseando-se nos seus estudos sobre arcos insulares, anomalias gravíticas no substrato marinho e nos trabalhos de Holmes, Carey, Griggs, Heezen e outros, Hess formulou, em 1960, a sua hipótese de expansão dos fundos oceânicos. Esta sua formulação fez renascer a velha teoria das translações continentais expendidas, em 1915, por Alfred Wegener. Abandonadas, por falta de um “motor” que desse suporte a estes movimentos tangenciais, as ideias defendidas pelo meteorologista alemão tinham agora a dinâmica que lhes faltara. A teoria de Wegener renascia e voltava à ribalta. Hess confirmou que as cristas ou dorsais meso-oceânicas, percorridas longitudinalmente por um rifte com vulcanismo activo, correspondem à expressão superficial de correntes de convecção térmica do manto nos seus troços ascendentes. Postulou, ainda, que a crosta oceânica nasce aí por ascensão de material ígneo diferenciado do manto, que arrefece, solidifica e, a partir daí, cresce e alastra lateralmente, afastando, entre si, os continentes de um e de outro lado do oceano assim formado. Por fim, sugeriu que a velocidade de expansão dos fundos oceânicos, para um e outro lado do rifte, é da ordem de 1 cm por ano.

Entretanto, o canadiano Lawrence Whitaker Morley (1920-2013) propusera, de modo independente, uma explicação similar, em Janeiro de 1960, mas o seu trabalho foi rejeitado pelos periódicos científicos Nature e Journal of Geophysical Research, permanecendo por publicar até 1967, quando apareceu na revista literária Saturday Review.

Os conhecimentos, então já adquiridos, sobre as variações do campo magnético terrestre registadas em certos minerais das rochas, incluindo as dos fundos oceânicos, dominantemente basálticas, e o uso de magnetómetros de precisão rebocados por navios oceanográficos, susceptíveis de realizar leituras muito precisas, foram decisivos para a confirmação da hipótese de expansão dos fundos oceânicos formulada por Hess, em 1960. Em 1963, o geólogo marinho e geofísico britânico Frederick John Vine (1939 -) e o seu colega e conterrâneo Drummond Hoyle Matthews (1931-1997) propuseram que as anomalias magnéticas referidas como positivas e negativas coincidem com as inversões de polaridade geomagnética que, periodicamente, tiveram lugar ao longo das últimas duas centenas de milhões de anos.
Imagem representativa da hipótese de Vine e Mathews
Aceitando que o crescimento da crosta oceânica se faz a partir do material magmático oriundo do manto e através dos riftes das cristas meso-oceânicas, deduziram que este material, ao solidificar, se magnetiza de acordo com o campo geomagnético existente na altura. Aceitando, ainda, que a uma injecção de magma e correspondente acreção de crosta se sucedem outras, através dos mesmos acidentes, afastando, para um e outro lado do rifte, duas faixas simétricas da porção de crosta anteriormente formada, e que o processo se repete por sucessivas fases de injecção e alastramento lateral, concluíram que sempre que se verifiquem inversões de polaridade no campo magnético terrestre, elas ficam impressas nas faixas contemporâneas, explicando, deste modo, o paralelismo e simetria destas faixas relativamente ao rifte a que estão associadas. 

Reconstituição de Bullard
Assim, para Vine e Matthews, as faixas com anomalias alternadamente positivas e negativas correspondem a porções de crosta oceânica formadas em sucessivos episódios de polaridade geomagnética, respectivamente, normal e reversa. Esta conclusão dos dois geofísicos britânicos constitui um dos suportes mais sólidos do alastramento dos fundos oceânicos, sendo uma das bases fundamentais da teoria da Tectónica de Placas. A outra foi a determinação da idade das rochas que constituem as ditas faixas, que se verificou serem tanto mais antigas quanto mais afastadas se encontram do rifte Durante a década de 1960, o geofísico inglês, Edward Crisp Bullard (1907-1980), professor da Universidade de Cambridge, chefiou uma equipa que, usando técnicas de computação em estudos batimétricos, tentou encaixar, como num puzzle, os contornos dos continentes.

Em vez de usar as linhas de costa, como outros tinham feito, Bullard usou a isóbata dos 2000 metros, profundidade de uma linha da vertente continental que corresponde a cerca de meio caminho entre o litoral e as bacias oceânicas. Ao proceder deste modo, verificou uma quase perfeita justaposição entre os ditos contornos o que fez renascer a ideia do supercontinente Pangea, de Wegener, e confirmava, de vez, as conclusões de Hess, Vine e Matthews.

Falha transformante
Em apoio das ideias destes cientistas, a revolucionarem a geologia que ainda se fazia a meados do século XX, o geólogo e geofísico canadiano, professor de geofísica da Universidade de Toronto, John Tuzo Wilson (1908-1993), envolveu-se profundamente na respectiva temática, comunicando, em 1965, o conceito de falha transformante.

Comprovou que as ilhas havaianas resultam do deslize da placa pacífica sobre um hotspot (ponto quente) responsável pelo vulcanismo que se desenvolveu ao longo de uma linha correspondente à trajectória da referida placa. 

Em sua homenagem foi dado o nome de “Ciclo de Wilson” ao ciclo geotectónico completo, ou seja, formação, desenvolvimento e fecho de um oceano, terminando na colisão continente-continente, no âmbito da teoria da tectónica de placas, de que também foi um dos autores.

Em França, Xavier Le Pichon (1937- ) professor titular de geodinâmica no Collège de France, de 1986 a 2008, foi o pioneiro francês na recém-nascida tectónica de placas, sobre a qual concebeu um primeiro modelo, tornado público em 1968. Para a concepção deste modelo, que considera a existência de seis placas litosféricas e mostra os seus movimentos relativos nos últimos 120 milhões de anos, Le Pichon baseou-se nos trabalhos, igualmente pioneiros, do inglês Dan Peter McKenzie, geólogo e professor de geofísica na Universidade de Cambridge, e do norte-americano Robert L. Parker, geofísico e matemático, professor de geofísica no Scripps Institute of Oceanography da Universidade da Califórnia. Em 1973, Parker publicou Plate Tectonics, em colaboração com Jean Bonnin et Jean Francheteau, livro que, ainda hoje, constitui obra de referência.

Placas litosféricas
Desde há meio século, a tectónica de placas, entendida como uma visão da dinâmica interna da Terra, à escala global, é base de praticamente toda a investigação geológica que se pratica nos dias de hoje. Da estratigrafia e da paleontologia à vulcanologia e à mineralogia, da petrografia e geoquímica à geomorfologia e à prospecção do petróleo, os seus cultores não prescindem dos novos conhecimentos que proporcionou. Foi longa a caminhada, iniciada na Grécia antiga, que conduziu aos admiráveis conhecimentos dos dias de hoje, contidos em milhares de contribuições que, em papel ou por via electrónica, circulam por todo o mundo.

Idade dos fundos oceânicos
Num artigo agora (Junho de 2013) publicado online pela revista Geology, dá-se conta da recente descoberta, ao largo da costa de Portugal, de uma possível zona de subducção nas suas primeiríssimas fases de formação, Tal significa que daqui a uns 200 milhões de anos, o Oceano Atlântico poderá vir a desaparecer e que as massas continentais da Eurásia e da Laurência se voltarão a juntar num novo supercontinente. Neste trabalho, assinado por João Duarte, geólogo português a trabalhar na Universidade de Monash, na Austrália, e a sua equipa, juntamente com António Ribeiro, Pedro Terrinha da Universidade de Lisboa, Filipe Rosas, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, e, ainda, Marc-André Gutcher, da Universidade de Brest (França), são revelados os primeiros indícios de transformação da margem sudoeste ibérica (uma margem passiva, do tipo atlântico) numa margem activa, do tipo pacífico.

Em 1979, no 1.º Encontro de Geociências, reunido em Lisboa, António Ribeiro, surpreendeu os presentes, ao apresentar, com grande sentido de humor, a comunicação a que deu o nome de ”Geopoema”. Numa antevisão notável, este geólogo que, já então, se distinguia entre os seus pares pela excelência do trabalho que produzia, anunciava que o Atlântico iria começar a fechar e que, daqui a uns milhões de anos, engoliríamos os Açores e, que, passados mais um ror deles, a Eurásia cavalgaria a América do Norte, imaginando, em jeito de brincadeira, “a estátua do Marquês do Pombal sobre a estátua da Liberdade”.
                            Prof. António Ribeiro, um nome que vai ficar na história ao lado dos grandes obreiros da geologia portuguesa.
A. Galopim de Carvalho

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