quarta-feira, 16 de abril de 2014

A nossa mão

Imagem retirada daqui.
O fenómeno é muito geral: às universidades é "pedido" que sejam empreendedoras, que se auto-financiem, que não gastem os dinheiros públicos necessários em sectores "mesmo importantes", que se deixem de dissertações abstractas que não interessam a ninguém e em nada beneficiam a economia, que façam pela vida... e isto se querem sobreviver.

A sociedade, que tanto criticou as "torres de marfim", aplaude de pé: vá, se são tão inteligentes, mostrem do que são capazes: inventem soluções, mecanismos, o que puderem, mas que seja rentável.

E (um certo) pessoal das universidades - alunos incluídos -, produto desse tipo de sociedade, diz, como muitíssimo entusiasmo, "sim senhor", arregaça as mangas e avança... É um pessoal que apenas tem como limites a sua imaginação, porque não conhece outros, nem ninguém lhes diz que os há.

Daí resultam "coisas" que dão acesso à dupla irresistível: fama e dinheiro.

Referi aqui uma dessas "coisas", "made in Portugal", que me impressionou particularmente, tanto quanto outra de que agora tomei conhecimento e que vem da Suécia: o pagamento através da "scanização" da mão, da mão de carne e osso, da nossa mão (ler, por exemplo, aqui e aqui). É como o controlo no trabalho através da impressão digital, mas acho que pior... Ou será da mesma natureza?

Tão distante que Portugal é da Suécia, não apenas em termos de quilómetros, mas também em termos sociais e, no entanto, o mesmo tipo de estudantes universitários: auto-confiantes, pró-activos, sorridentes e, sim, empreendedores, desembaraçados na palavra, como se espera que sejam... Jovens inebriados com o seu próprio sucesso a quem entregamos o futuro e que não parecem vislumbrar nada além da técnica... analfabetos nessa zona esquisita que é a condição humana. Não, não sei se isso se deve à marginalização das humanidades no currículo...

E não são apenas eles, as estrelas, que têm este perfil, os que são ouvidos sobre os "inventos" parecem iguais, não vêem qualquer problema em nada, nem na leitura da expressões faciais de clientes para potenciar a venda de produtos, nem no uso da mão que pertence ao nosso corpo para fazer pagamentos numa caixa registadora... Tudo parece normal, trivial...

Não, estes jovens não surgem do nada, é a nós que devem ser pedidas contas, nós, professores, directores de departamentos e reitores que, nas universidades, somos responsáveis pela formação de pessoas e que aceitamos "projectos" à peça sem perguntarmos o que está em causa.

Mais elucidativas que as minhas palavras é o vídeo que se pode ver aqui.
Maria Helena Damião

1 comentário:

Curiosamente disse...

Enquanto académicos de Letras, podemos e devemos analisar as questões humanas a fundo, mas sem acusações genéricas de que "esta gente" é analfabeta no que toca à condição humana. O que podemos fazer é discutir, sem medos, as implicações e tentar argumentar o que podem fazer ou não fazer e porquê. Afinal, em quê será isto diferente do uso de fotografias para identificação, do uso das impressões digitais ou dos dados biométricos nos passaportes? Em quê poderá ser perigoso dar informações sobre os padrões existentes nas nossas mãos? É melhor evitar todo e qualquer uso destes dados? Porquê? Que perigos? A discussão assim será mais profícua do que uma vaga acusação de "analfabetismo" no que toca à condição humana.

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