sábado, 6 de julho de 2013

A Ciência na Primeira Globalização


Minha crónica convidada na última newsletter da FCT:


“O que hoje não sabemos, amanhã saberemos” (Garcia de Orta)
A frase de Orta encontrava-se na exposição “360º Ciência Descoberta”, na Fundação Gulbenkian, que mostrou o papel desempenhado pelos portugueses na aquisição de saber nos séculos XV e XVI. A historiografia internacional está finalmente a  reconhecer o papel de Portugal no processo que é denominado de primeira globalização, um papel durante muito tempo menorizado nos compêndios de história da ciência mundial. Sem a tecnologia e a ciência (na época a primeira de certo modo precedia a segunda, ao contrário de hoje) dos portugueses, dificilmente a Revolução Científica teria tido lugar no século XVII.
Nomes quinhentistas como Pedro Nunes, o matemático que criou a navegação astronómica, Garcia de Orta, o médico que descreveu plantas orientais de uso terapêutico, D. João de Castro, o navegador pioneiro do magnetismo planetário, e Amato Lusitano, o médico cujas observações anatómicas contribuíram para a descoberta da circulação sanguínea, merecem figurar não apenas na história nacional mas também na história mundial da ciência. O astrónomo Kepler representou o nónio de Nunes. O médico e botânico l’Écluse verteu os Colóquios de Orta (que agora fazem 450 anos) para latim, a língua franca científica da altura, e publicou-os em Antuérpia. O físico e médico Gilbert, considerado o fundador do magnetismo, referiu Nunes e Orta. O grande anatomista Vesálio citou Amato.
O mundo estava a mudar. Em 1582 entrava em vigor no mundo cristão o Calendário Gregoriano, preparado de acordo com os mais avançados conhecimentos astronómicos da época por um jesuíta alemão que tinha estudado em Coimbra, Christophorus Clavius. Nesse mesmo ano, outro jesuíta, o italiano Matteo Ricci, que também estudou em Coimbra, chegava à China, onde haveria de difundir a ciência que então emergia na Europa. No início do século XVII, em plena Revolução Científica, embora entre nós a ciência já não brilhasse como antes, ensinava-se astronomia em Lisboa no Colégio de S. Antão, por onde passaram os jesuítas que, tendo aprendido com Galileu a usar o telescópio, haveriam de levar este instrumento à China, onde tínhamos chegado em 1513, e ao Japão, onde tínhamos chegado em 1543. Nos tempos actuais de nova globalização, quando o eixo da economia mundial se vira a Oriente, convém lembrar que a Revolução Científica chegou aí por mão portuguesa. E convém também lembrar que, em Portugal, uma comunidade crescente e dinâmica investiga hoje a história da ciência.

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