segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Sobre uma crónica anti-ciência de Miguel Sousa Tavares

Texto recebido de F. Pacheco Torgal (Universidade do Minho):

O Semanário Expresso serviu este fim de semana de repositório ao lixo de uma crónica canalha do Dr. Miguel Sousa Tavares. Diz o famoso articulista que os bolseiros de investigação são, principalmente na área da sociologia, um grupo de indolentes que mais não fazem do que produzir “estudos ou investigações” absolutamente redundantes. E que terminada a sua bolsa deveriam seguir à sua vida “agradecidos pelo apoio recebido”. Escreve ainda que os mesmos bolseiros conseguiram obter do Ministro Tiago Brandão Rodrigues (esquecendo-se do pequeno pormaior que o Ministro que os tutela dá pelo nome de Manuel Heitor) a transformação de bolsas em contratos de trabalho “de três anos renovável por mais três”. Escreve também que não contentes com uma tal benesse que o sonho dos ingratos bolseiros de investigação é apenas o de serem funcionários públicos. E que para isso, pasme-se, contam com o bizarro apoio do BE e do PCP. O segredo do arranjinho é por ele revelado de forma muito sui generis "Entra-se como bolseiro por um ou dois anos com a contrapartida de ir investigar qualquer coisa e sai-se como funcionários públicos para vida, com a vaga função de ir investigando-sem prazo, sem programa, sem obrigação de resultados". 

Como se a sua crónica não contivesse alarvidades suficientes o Dr. Sousa Tavares ainda achou necessário escrever que não percebe porque é que não houve largas dezenas ou mesmo centenas de investigadores alocados ao estudo da febre hemorrágica dos coelhos bravos, gravíssimo problema segundo ele e para o qual já tinham alertado as associações de caçadores, as quais representam nada mais nada menos que cerca de 300.000 caçadores e onde o Dr. Sousa Tavares se inclui. A tal insigne classe a que o nosso país tanto deve, que retira um bizarro prazer no abate de indefesas criaturas, a mesma que têm o criminoso hábito fertilizar os espaços agrícolas e cursos de água com um metal pesado de toxicidade bem conhecida assim envenenando todos os anos milhões de espécies e cujo real custo ambiental e económico ainda está por apurar http://www.humanesociety.org/issues/campaigns/wildlife_abuse/toxic-lead-ammunition-poisoning-wildlife.html? Não foi certamente por acaso que uma das últimas medidas tomadas pelo Presidente Obama no último dia como Presidente dos EUA foi precisamente a de proibir a caça com cartuchos de chumbo http://freebeacon.com/issues/obama-official-issues-ammunition-ban-federal-lands-last-day-office/ Infelizmente esse não é porém um tema que incomode a consciência do Dr. Sousa Tavares obcecado que anda em revelar os tenebrosos planos do BE e do PCP que segundo ele não têm pejo em delapidar o erário público com a impensável e inadmissivel nomeação por tempo indeterminado de algumas poucas centenas de bolseiros de investigação.

É deplorável que o Dr. Miguel Sousa Tavares tenha uma tão insuficiente, redutora e até inverdadeira opinião sobre o trabalho dos bolseiros de investigação (não vale sequer a pena comentar o que ele acha que conhece sobre o que se passa em termos de investigação noutros países) mas a culpa da sua atrevida ignorância não será só dele pois quem na nossa excelsa classe política permitiu que uma tal ignóbel narrativa fosse construída e que em resultado da mesma uma tal ignara opinião se formasse também tem muitas culpas no cartório. Num tempo em que a nível mundial viceja uma oligarquia que manipula a seu bel-prazer a classe politica e brinca com a democracia reservando para si apenas privilégios e nunca deveres, num tempo em que parece que quase ninguém se pode designar de incorruptível, num tempo em que o papel da academia enquanto garante de um conjunto de valores éticos fundamentais é mais necessário do que nunca é incompreensível que aqueles cujo trabalho é apenas e tão somente o da procura da verdade e ainda por cima quando se sabe que muitos deles até se sujeitam à extrema humilhação de trabalhar sem nada receber (situação que em nada parece incomodar a boa consciência do Dr. Sousa Tavares) apenas na ilusória expectativa de um dia poderem aceder a um eventual contrato de trabalho, assim sejam sujeitos a este enxovalho gratuito que a todos não pode deixar de ofender profundamente.


F.Pacheco Torgal

14 comentários:

António Pedro Pereira disse...

Caro F. Pacheco Torgal:
Estou completamente de acordo com o que diz e manifesto, igualmente, a minha indignação para com as alarvidades do senhor MST.
Quase todas as semanas escreve coisas semelhantes, dirigidas aos mais variados grupos que constituem outros tantos ódios de estimação daquela criatura: por exemplo, os professores do básico e do secundário; os ecologistas; os autarcas, etc.
Só estranho a sua admiração perante tais dislates, não conhecia o que o sujeito escreve regularmente?

Ildefonso Dias disse...

Miguel Sousa Tavares não suporta a ideia de que aos especialistas e intelectuais deste país, deve-lhes ser dada a possibilidade de trabalharem em melhores condições do que com os capitalistas; porque isso significa afastamento politico da burguesia, e é uma fuga à submissão dessa classe que lhe causa tal incomodo! Essa ideia de que deve ser o povo que "a todo o momento deve dar a tonalidade geral da orientação às elites parciais" [Bento Caraça] assusta ainda muito 'democratas' da nossa praça.

Anónimo disse...

Centenas, se não milhares, de bolseiros ao longo das décadas devem ter contribuído mais para a melhoria da vida dos portugueses do que Miguel Sousa Tavares. Será que devemos fazer um artigo de opinião acerca do facto de Miguel Sousa Tavares não fazer mais do que artigos absolutamente redundantes?

regina disse...

Não sou nem nunca fui bolseira da FCT. Acredito que, como em qualquer outra atividade, haja quem não produza mas não é, com certeza, o que sucede com a esmagadora maioria dos bolseiros, a quem o país devia tratar com a dignidade que tal elite intelectual merece. Quanto terá ganho MST, quando ao serviço da comunicação social no serviço público? Teria ele aceite um tratamento idêntico ao de um atual bolseiro?
Regina Gouveia

via tratar com a dignidade que tal elite intelectual merece. Quanto teria

Malhadinhas disse...

Dizia Feynman, que foi também no início um desses bolseiros malandros, que a ciência é como o sexo: produz algo útil raramente, mas não é por isso que nós a fazemos! Ou seja, se não for divertida, não vale a pena ser feita. Esta obsessão pela produtividade vai levar a um beco sem saída.

Anónimo disse...

"de Miguel Sousa Tavares não fazer mais do que artigos absolutamente redundantes?"
E com isso ganha dinheiro. E parece que não é pouco.

Anónimo disse...

Pessoalmente, penso que MST tem alguma razão no que diz e, enquanto cientistas, não devemos ter medo de colocar o dedo na ferida. Há muita má ciência, produzida por bolseiros e professores. O "publish ou perish" gera inúmeros artigos em conferências e revistas de estudos realizados em poucos dias e sobretudo na área das ciências sociais. Na prática, verifico que 90% dos artigos que leio em actas de congressos nacionais resume-se a "perguntei a mim mesmo se isto acontece, passei um questionário a uma amostra de 40 pessoas e concluí que sim". Grosso modo, são estudos de estatística descritiva, que usam métodos de análise estatística que se aprendem no secundário: médias, modas, desvios padrão e gráficos de frequências absolutas e relativas.
Penso que a subjetividade das ciências sociais, por "terem um objeto complexo de estudo, o homem" são refúgio para muitos falsos profetas. E parece-me que quanto mais "subjetiva" a área (ex: artes), mais fácil será "passar pelos pingos da chuva". Creio que nas ciências "duras" o crivo acabará por estar mais apertado e, em consequência, os estudos que são fracos metodologicamente são mais fáceis de detetar.
Por outras palavras, há maus profissionais em todas as áreas, e a ciência não será exceção. Deste modo, será de esperar que os comentadores da comunicação social "denunciem" por vezes, também, a classe cientista. Assim, rejeitarmos a crítica é, a meu ver, bastante negativo. Cada um de nós que passa horas na b-on a minar centenas de pseudo-artigos para encontrar um artigo de qualidade reconhecerá que a ciência, de facto, padece de um problema.

Anónimo disse...

Seria útil fornecer também o link para o artigo em causa, ou então uma fotografia ou digitalização do mesmo, já que não foi possível encontrar o referido artigo na secção de opinião do site do jornal.

Anónimo disse...

E acha que é por haver alguns maus profissionais que se deve lixar os bons? Aquela frase do "Entra-se como bolseiro por um ou dois anos com a contrapartida de ir investigar qualquer coisa e sai-se como funcionários públicos para vida, com a vaga função de ir investigando-sem prazo, sem programa, sem obrigação de resultados" é insultuosa a todos os níveis. Está mesmo à espera que não se reaja a isso?

Caso seja o mesmo anónimo do comentário abaixo (caso contrário, chamo esse anónimo para este comentário, o artigo pode ser encontrado no próprio expresso, mas começa por ser acerca do Brexit. Penso que o nome é "a arte de tirar coelhos da cartola".

Anónimo disse...

Presumo que quereria escrever "publish or perish". Contudo, desde há muito, a expressão "publish and perish" parece ser mais relevante: publica e roubar-te-ão o que criaste.
Se é científico, deveria ser objetivamente verificável por outrem da mesma área. Infelizmente até o "ocultismo", ou "Ciências Ocultas", parecem ter "cidadania" (científica).

marina disse...

sem ter acesso aos trabalhos feitos pelos bolseiros não sei como vou poder avaliar o que foi dito pelo MST . há algum sítio onde ir para poder ler?

Anónimo disse...

Que tal comprarem e lerem o EXPRESSO... ou outros jornais, não acham que também é importante ler outras coisas...

António Pedro Pereira disse...

Marina:
Se não consegue analisar uma afirmação generalista, abusiva e vexatória dos cientistas, como quer ir avaliar os artigos científicos para verificar se o MST tem razão no que diz?
A senhora só faz comentários tótós.

Unknown disse...

Com todo o respeito Manuel, mas a questão da Mariana é de todo razoável.
Todo o trabalho financiado com dinheiros publicos, deveria ser facilmente acessivel pelo publico. Isto inclui todos os artigos, relatorios de avaliação, relatorios dos bolseiros e de contas.

Como podemos nós saber se as opniões do MST são ou não correctas, se não temos acesso às evidências.
Talvez tu foste ou sejas investigador e saibas se as afirmações do MST são verdadeiras ou não. Mas devemos nós, o resto da população trabalhadora portuguesa, que financia as bolsas, aceitar a "tua" palavra como verdadeira, sem evidências que a suportem?

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