domingo, 12 de novembro de 2023

A CORAGEM DE TENTAR SALVAR A ESCOLA PÚBLICA

Tomo a liberdade de transcrever excertos de um artigo de opinião publicado no passado dia 10 no semanário Expresso, assinado por um jurista

Presumo que não tenha diplomas em Educação porém, como pessoa comum, revela capacidade de olhar para a Escola Pública e perceber o que é notório: ela não está a cumprir a sua função. Contudo (e aqui está a importância deste texto), é preciso que cumpra.

Muitos "curiosos" e "especialistas" em Educação insistem em declarar a falência da Escola Pública, mas - aqui está a diferença - esta falência é considerada a partir dos interesses que representam. Divergem, no entanto, na solução; adaptar a escola a esses interesses, dizem uns disfarçadamente; acabar com a Escola e criar alternativa, dizem outros claramente.

Quem andou na Escola Pública e a reconhece como um espaço formativo para todos, não pode, mesmo reconhecendo os problemas que a devoram, colocar-se do lado de uns nem de outros, tem de fazer o que estiver ao seu alcance para debelar esses problemas. E falar deles é um passo, diria, corajoso.

"Sou socialista, por ideologia e militância. Sou também filho de professores e um produto da Escola Pública. É por causa desta origem, mas também por um básico desejo de justiça e igualdade, que sinto a obrigação de me pronunciar sobre a dramática situação da Educação no nosso país. 

Governar implica fazer opções e ter a coragem de assumir as suas consequências práticas e políticas. A escolha de muitos governos das últimas três décadas, vários deles socialistas, foi tratar a educação como uma questão terciária, um problema a ser procrastinado e nunca resolvido. E quais as consequências da atual linha política, que trata o professor como uma despesa e a escola como um depósito de adolescentes? 

O papel da Escola é cada vez mais residual, incapaz de assumir a dimensão formativa (...). Ao desvalorizar os professores e a sua autoridade social e académica, a cobardia das elites políticas desprotege a Escola do reacionarismo social. Os professores, exaustos e continuamente maltratados, [veem] a sua capacidade de moldar os seus alunos diminuir (...). 

A democratização da Educação é a principal responsável pela criação da classe média, pela elevação de milhões da pobreza, pelo progresso científico e social, pela criação da própria ideologia meritocrática que muitas vezes a ameaça. 

 A Educação Pública é a muralha contra o dogmatismo, os preconceitos e todas as formas de radicalismo, razão pela qual foi, e continua a ser, perseguida por fundamentalistas e autocratas. 

O atual sistema que enquadra e define a Escola está cansado e doente, ferido pela ignorância e pela apatia daqueles que dela usufruíram (...). Não nos equivoquemos: num mundo crescentemente desigual, onde abunda a falsidade institucionalizada, onde o intelectual e o profundo rareiam, e onde os pais são muitas vezes obstáculos à educação dos seus filhos devido aos seus próprios dogmas e contextos, é a Escola Pública a principal bala de prata da igualdade e da democracia. Acontece que a realidade política e social atual não permite que a Escola Pública cumpra estas missões por falta de pessoal, recursos e visão (...). 

Num mundo ideal, uma criança de uma família pobre, atacada por desespero ou fundamentalismo, sairia da escola mais tolerante e esperançosa no futuro, assim como uma criança de uma família rica, contaminada por excesso de privilégio ou arrogância, de lá sairia mais empática e consciente do seu papel na comunidade (...).

Não vivemos num mundo ideal, mas há muito que podemos fazer para caminhar na direção correta, começando por assumir a Educação como um desígnio nacional prioritário (...). Não se admirem que a depressão, a ignorância, a apatia e o egocentrismo se apresentem como flagelos que consomem as nossas crianças: afinal, é o que temos demonstrado com as nossas escolhas e ações. 

Essa é a realidade que elas encontram hoje, uma Escola de Sísifos, empurrando os seus rochedos colina acima, condenados a fazê-lo até as suas forças faltarem ou até a democracia falir, moral e civicamente. Está, pois, na altura de ter coragem, e esperar que não seja já tarde demais para salvar a Educação."

 Maria Helena Damião

4 comentários:

Anónimo disse...

Urge, portanto, enfrentar o problema da educação como quem encara um touro de frente. Há alguns anos, no tempo do "engenheiro" José Sócrates e da Professora Doutora Maria de Lurdes Rodrigues, os especialistas da troika analisaram as nossas contas públicas, concluindo que gastávamos uma quantia considerável com os salários dos numerosos professores e educadores de infância que faziam parte do nosso sistema de ensino/aprendizagem.

A partir desta simples conclusão, os nossos problemas com a educação, já de si enormes, têm-se agravado com o passar dos anos. Ou voltamos a um ensino de exigência e rigor, com disciplina dentro e fora da sala de aula, e exames finais autênticos, ou então, para alimentar esta farsa do ensino baseado em domínios e diplomas falsos, temos de reduzir drasticamente o número de professores, que, na realidade, não servem para nada, diminuindo simultaneamente o número de disciplinas sem conteúdos lecionáveis e de frequência obrigatória.

Para pôr fim a esta palhaçada atual, poderíamos começar por abolir a carreira única dos professores do ensino básico e secundário e dos educadores de infância, criando novas carreiras profissionais baseadas nas funções específicas de cada classe profissional. Todos a ganhar o mesmo, e muito pouco – não é tão democrático como possa parecer à primeira vista. Depois, se tivéssemos uma escolaridade obrigatória até aos 16 anos, beneficiaríamos todos, tanto os que apreciam como os que não gostam de estudar.

Resumindo, e contradizendo, em parte, a ideia de André Francisco Teixeira de que "A democratização da Educação é a principal responsável pela criação da classe média...", diria que apenas o desenvolvimento económico do país, baseado na atração do investimento estrangeiro, poderá levar à criação de uma classe média com capacidade reivindicativa reforçada. Esta, através dos impostos que pague, exigirá junto das instâncias governamentais uma escola de qualidade, livre de ideias e práticas abstrusas dos cientistas da educação, com professores prestigiados socialmente. Contudo, lá está, para tudo isto avançar é preciso dinheiro. Enquanto não houver dinheiro, nada feito!

Anónimo disse...

Como "cientista da Educação", entendo, caro Anónimo, que a Educação estaria menos mal se os seus problemas - os problemas da Educação - derivassem apenas e só do que se investiga e faz, com saber e consciência, nas Ciências da Educação. Se é certo que desta área se aproximam muitos que não têm qualquer ideia que faça sentido na Educação, nem isso lhes interessa, também é certo que muitos têm um trabalho que merece atenção. As generalizações são sempre ou quase sempre abusivas.
Concordo que é preciso enfrentar (mais uma vez) os problemas da educação, que pouco têm a ver com o país pois, lamentavelmente, são transnacionais. É evidente que cada país tem a sua responsabilidade, a qual se estende a cada escola e a cada professor, mas se queremos, de facto, perceber esses problemas, não podemos ficar pela dimensão nacional, nem local.
Cumprimentos, MHDamião

Anónimo disse...

As ordens, que se espera que os professores cumpram, chegam quase sempre às escolas escritas em eduquês. Os primeiros contactos que tive com tal forma de linguagem científica verificaram-se nos bancos dos anfiteatros da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e da Faculdade de Ciências, mas, mesmo assim, não me considero cientista da educação nem cientista dos outros. Sou apenas um professor licenciado por uma Universidade, em tempos de decadência económica, política, moral e educacional de Portugal, entre outros países do mundo livre. O mal-estar que se vive na classe docente tem tudo a ver com a desconfiança com que são vistos os professores do 3. ciclo e ensino secundário, que ousam classificar negativamente os alunos cábulas, mal comportados e violentos, que não querem, nem deixam os colegas, aprender. Os tais cientistas de meia tigela inventam critérios de avaliação que passam por registar em grelhas as percentagens obtidas pelos alunos em cada uma das alíneas dos testes de avaliação, por exemplo, discriminadas pelos domínios dos conhecimentos, das competências e das capacidades, sob pena de, na falta deste esmiçuamento avaliativo, o professor que se atreva a atribuir uma nota baixa, mesmo que seja positiva, vai ficar sujeito a um coro de julgamentos reprovadores por parte de alunos, encarregados de educação e Conselho Pedagógico, o que não pode deixar de ter reflexos na progressão da sua carreira profissional. Quer dizer, o professor já não tem autonomia científica nem pedagógica. Uma das primeiras medidas para melhorar o nosso sistema de ensino seria pôr fim à palhaçada em que o transformaram nos últimos anos.
Basta lê-la, para concluir que a professora Helena Damião é uma cientista da educação como os que contribuíram para a desfiguração do nosso sistema de ensino não são. A linguagem da professora Helena Damião não é o eduquês.
Cordialmente.

Maria Helena Damião disse...

A questão da linguagem, que o Professor Anónimo coloca, é de primordial importância nos sistemas educativos. O conteúdo e a forma da "narrativa" (como se designa) não é inocente, pelo menos da parte de quem está na primeira linha da sua elaboração. Há quem, nas Ciências da Educação estude o fenómeno: as figuras usadas, o alinhamento e sequenciação dos elementos discursivos, as falácias, etc. Tenho-lhe prestado atenção e preparado trabalhos que aguardam publicação.
Acontece, e já tenho falado disso neste blogue, que o fenómeno não tem apenas sentido descendente (dos campos político e académico para o campo escolar), tem acolhimento entre os "agentes escolares", basta ler os documentos oficiais que muitos produzem. Portanto, eu diria que há uma nova linguagem (não) educativa instituída e que convêm pensarmos onde é que ela nos conduz.
Cumprimentos, MHD
Cordialmente.

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