segunda-feira, 20 de novembro de 2023

NEM INOVADORES NEM DIVERSOS. UMA ANÁLISE DOS MÉTODOS PEDAGÓGICOS EMERGENTES

Manuel Montanero Fernández, professor de Ciências da Educação, estará, pela sua formação (licenciatura em Psicologia e em Ciências da Educação e doutoramento em Pedagogia), especialmente habilitado para analisar os efeitos, na aprendizagem, dos múltiplos métodos pedagógicos que, em tempos mais recentes, têm sido apresentados como "emergentes". Num estudo de 2019, que só agora li, detêm-se num conjunto apreciável de métodos que cabem nessa designação, organiza-os em categorias, descreve-os e interpreta-os. A sua conclusão é a que apresento de seguida, tendo nela incluído alguns elementos interpretativos.

Os princípios de ensino que sustentam a inovação didática tal como afirmada neste século são basicamente os mesmos que inspiraram os métodos clássicos, propostos, há mais de um século, como alternativas à educação designada por tradicional.
 
Portanto, os métodos emergentes têm menos elementos inovadores do que se faz crer na sua apresentação, sobretudo a que acontece nos meios de comunicação social. Pode dizer-se que retomam ideias pedagógicas do século passado, mas adornadas com as atraentes roupagens das neurociências e das tecnologias da informação e da comunicação.
 
Recorrendo, em diversos momentos, à "teoria da carga cognitiva", formulada por Kirschner e colaboradores em 2006, Montanero explica, com base numa extensa e relevante bibliografia, que essas metodologias pelo facto de recusarem a "instrução directa", alegando que ela é tradicional e centrada no professor, tendem a sobrecarregar a memória de trabalho dos alunos, dificultando-lhes o acesso a recursos cognitivos capazes de lhes permitir chegar a processos de raciocínio complexo, sobretudo à crítica e à criatividade, que tanto invocam. 
 
Ora, para os alunos chegarem a estes processos, é preciso que o professor lhes preste a "ajuda" necessária e suficiente, proporcionando-lhes tarefas sequenciadas por ordem de aprendizagem, que orienta de perto; tarefas que os alunos não conseguiriam realizar por si mesmos. 
 
É, na verdade, arriscado pensar que, para a maioria dos alunos, as tecnologias da informação e da comunicação aliadas aos diversos modos de aprendizagem por pares, por descoberta, cooperativa, imersiva, gamificada, por projectos, de resolução de problemas, investigativa, etc., podem, mesmo com a ajuda pontual dos professores, resolver as normais dificuldades de aprender o que a escola deve ensinar.
 
Parece, pois, razoável não descuidar a instrução direta, guiada pelo professor, pelo facto de ela proporcionar conhecimento de tipo declarativo e procedimental, ambos essenciais para que os alunos reorganizem o seu pensamento, chegando, desejavelmente, ao conhecimento meta-cognitivo, ou seja, ao conhecimento que permite pensar sobre o conhecimento adquirido e, eventualmente, ir além dele.
 
Situando-nos no domínio cognitivo do desenvolvimento humano (deixando aqui de lado os domínios afectivo e motor, que a educação escolar contemplará em pé de igualdade), a instrução directa, adequada sobretudo nos primeiros estágios de um determinado processo pedagógico, deverá estimular não só a capacidade de aquisição de conhecimento mas outras capacidades, como a compreensão, a aplicação, a análise e a síntese... E também capacidades de topo como a avaliação, a crítica, a criatividade. 
 
Assim, a instrução direta, como modo de ensino-aprendizagem, não é incompatível com muitos dos modos ditos "inovadores". Assentando estes em conhecimento relevante e inscrevendo-se no propósito de desenvolvimento da inteligência, dão-lhe continuidade, conduzem os alunos à concretização de capacidades superiores, actuando com orientações pontual do professor ou por sim mesmos.
 
Isto significa que a instrução directa, orientada pelo professor, prepara os alunos para se tornarem autónomos no quadro de cada processo pedagógico. Como Vigostsky disse: o aluno faz agora com a ajuda do professor, o que no futuro fará sozinho.
 
Ainda que este raciocínio faça sentido à luz do saber disponível, Montanero adverte-nos para o seguinte: a pressão imposta aos professores para levarem os seus alunos a alcançarem bons resultados em provas de avaliação externa (que tendem a contemplar áreas restritas de aprendizagem e apenas algumas capacidades) revela-se de difícil compatibilização com o tempo que é preciso à exploração, cooperação, à formação da consciência.
 
Assim, se por um lado, se lhes transmite a necessidade e a urgência de deixar de lado a instrução directa e adoptar modos de ensino "inovadores", por outro lado, retira-se-lhes o tempo e o contexto que eles implicam. Resulta daqui a insistência numa falsa dicotomia e a criação de uma impossibilidade.
 
O autor do artigo nota ainda a insuficiência da investigação objectiva e desapaixonada acerca de muitos dos "métodos. emergentes". Os estudos sérios que os comparam com a instrução direta tendem a focar-se nos efeitos imediatos em termos da aquisição do conteúdo de aprendizagem, o que poderá explicar algumas das desvantagens que lhe são atribuídas. Se, como acima disse, tais métodos apelam a esse conteúdo para os alunos pensarem sobre ele se exprimirem a partir dele, as capacidades que requerem não são propriamente fáceis de avaliar e muito menos o são a curto prazo.
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Referência do artigo: Montanero Fernández, M. (2019). Métodos pedagógicos emergentes para un nuevo siglo ¿Qué hay realmente de innovación?. Teoría de la Educación. Revista Interuniversitaria, 31(1), 5–34. https://doi.org/10.14201/teri.19758

3 comentários:

Anónimo disse...

No modelo atual do passa-tudo, e com notas elevadas, os professores são praticamente proibidos de estimularem nos seus alunos capacidades cognitivas elevadas, como a "clássica" compreensão de conteúdos e problemas, ao alcance de poucos, sem a ajuda do professor. O paradigma atual dos métodos de avaliação é o teste de cruzinhas, dirigido à memória recente e despojado de perguntas que apelem à compreensão e ao raciocínio dos alunos. Ainda mais grave do que o acaba de ser dito, é a violência e indisciplina que campeiam em contexto de sala de aula e a transformação acelerada das escolas portuguesas em escolas Ubuntu.

Anónimo disse...

Ao anjinho anónimo das 9.59 só tenho a dizer que há poucos cães a ladrar enquanto a caravana do ministro, que integra muitos professores e educadores de infância, passa incólume. O regime do passa-tudo é do, ponto de vista económico, a curto prazo, muito superior ao regime do rigor e da exigência. Em Portugal, e no resto do mundo sem bombas H ou atómicas, quem manda é o dinheiro.

Carlos Ricardo Soares disse...

Tanto para professores como para alunos é da máxima relevância que se definam as condições e as coordenadas do processo em que estão envolvidos, e que sejam definidas de uma forma clara e simples para todos, não apenas que todos entendam, mas sobretudo, que todos sintam que estão a elaborar coerentemente, sem exigências contraditórias e incompatíveis, sem critérios credíveis e pacíficos, num ambiente de vale tudo e vale nada, em que toda a gente palpita uma coisa de manhã e o seu oposto à tarde, submetendo os agentes envolvidos, mormente professores e alunos, à neurose de não terem resposta para os seus problemas, porque tanto se é preso por ter cão como por não ter. Os problemas da Escola não são a falta de soluções.
Nem precisamos da IA para fazer a síntese das propostas existentes, desde Sócrates (o grego), até mim (que não sou uma humilde pessoa). Ou talvez não haja solução para o facto de ser impossível aplicar com sucesso as soluções preconizadas para os problemas. Estou a pensar, por exemplo, nos reducionismos, nos estereótipos, nas frases feitas, nos lugares comuns, nas generalizações abusivas que cada um faça quando se trata da abordagem do processo ensino-aprendizagem, em contexto de sala de aula.
O facto de um professor escolher entre “ensinar quem não quer aprender”, ou, “ensinar quem quer aprender”, coloca-o numa situação muito diferente da de um professor que “tem de ensinar quem quer e quem não quer aprender”. E tudo isto, independentemente de outros aspetos, não menos complicados, que têm de ser tidos em conta, como é o caso “daquilo que se deve ensinar e aprender”.