domingo, 5 de novembro de 2023

SOBRE A RESPONSABILIDADE DE EDUCAR NOS SISTEMAS DE ENSINO PÚBLICOS

A entrada de entidades privadas nos sistemas públicos de ensino - sobretudo empresas e suas fundações, mas também ONG -, na lógica do que se tem designado por “novo filantropismo”, chegou a Portugal em força neste século, sobretudo na última década. 
 
Agindo isoladamente ou em rede, e num alinhamento com as "orientações" de grandes organizações globais, como a OCDE, essas entidades têm uma atitude pró-activa, nomeadamente na angariação de fundos (públicos e privados) e na procura de parcerias estratégicas (com instâncias de poder político nacional e local, com instituições de ensino superior e centros de investigação, com escolas e centros de formação de professores, com os meios de comunicação social). 
 
Em resultado, e alegando a "responsabilidade social" traduzida na vontade de ajudar os mais desfavorecidos, em recuperar o país, em preparar o futuro, em garantir a sustentabilidade do planeta, em alcançar o bem-estar, etc., os parceiros, juntos num esforço comum, encontram modos de "ajudar" as novas gerações, os profissionais, o ministério da educação, a comunidade... Multiplicam-se em esforços, nomeadamente de produção de plataformas em que disponibilizam informações e materiais prontos a usar; de espaços "educativos" e "formativos", funcionais e agradáveis, paralelos aos escolares; de distribuição de recursos (em geral, tecnológicos).
 
Os seus mentores não se coíbem de teorizar sobre a educação escolar (o sentido que deve ter e como deve ser desenvolvida), fazendo conferências, dando entrevistas, publicando livros... Dizem aos estudiosos e profissionais da educação e da formação o que é desejável que pensem e façam.

Em suma, as entidades a que me refiro moldam os sistemas de ensino públicos aos seus interesses privados e usam-nos para conseguirem concretizá-los. Está bem de ver que os alunos servem esse intento. 
 
Depois de terem investido na América Latina, voltam-se para a Europa e Portugal não é excepção. Se o leitor olhar para o que se passa à sua volta constatará isto mesmo. 

Ainda assim, insisto, sendo da natureza das empresas expandir os seus negócios de forma a obterem lucros financeiros, a responsabilidade maior dessa expansão, nos contextos públicos que conhecemos por sistemas de ensino, é dos políticos, dos educadores e dos formadores, que acedem a colaborar com entusiasmo, alguns com muito, muitíssimo entusiasmo. Os "programas" e as "fotos de família" de eventos em que todos participam são um triste exemplo disto.
 
Digo isto porque é aos políticos, aos educadores e aos formadores que cabe o especial dever de cuidar das crianças e jovens que têm ao seu cuidado. A função para a qual estão mandatados, em democracia, é educá-los; não participar na sua manipulação.

 Maria Helena Damião

2 comentários:

Anónimo disse...

O reino dos ideais, educacionais ou outros, não é deste mundo. A realidade, nua e crua, é feita pelo dinheiro, de quem o tem, e por bombas atómicas, prontas a explodir. Em Portugal, as escolas C + S são recintos onde se guardam crianças e adolescentes, enquanto os encarregados de educação, ou os pais, estão a trabalhar, nas fábricas ou nos campos, a troco de salários de miséria. Tendo perdido a sua razão de ser, que era o ensino do professor e a aprendizagem do aluno, as escolas C + S, onde em tempos se cultivou o espírito crítico e científico, passe a redundância, são agora vistas apenas como nichos de mercado a explorar por empresa ávidas de lucro.

Anónimo disse...

A questão, caro Anónimo, é se, como educadores, não podemos / não devemos fazer alguma coisa para superar esta realidade que (nisso concordamos) é madrasta para os nossos alunos. Não há educação se não houver um ideal a perseguir. E o ideal da educação está longe de ser o apregoado pelos gurus (não invento, esta palavra passou a ser usada no vocabulário pedagógico) da empresas, sobretudo das empresas tecnológicas. Cordialmente, MHDamião

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