quinta-feira, 30 de março de 2023

A COMUNICAÇÃO SOCIAL E NÓS

Por A. Galopim de Carvalho

Por motivos sempre relacionados com a defesa e salvaguarda do nosso património geológico e paleontológico, na década de 90 do século passado, convivi, menos ou mais próxima e demoradamente, com dezenas de jornalistas dos principiantes e esforçados estagiários, “paus para toda a obra”, a mando das redacções, aos experientes e respeitados seniores, mais autónomos, mas, também eles, muitas vezes, no cumprimento de orientações vindas de cima.

Vivia-se um tempo em que os dinossáurios estavam na ordem do dia. Lutava-se pela valorização e salvaguarda da jazida com pegadas de Pego Longo (Carenque) e pela construção do Túnel da CREL, descobria-se a grande jazida com pegadas de dinossáurios da Pedreira do Galinha, de Ourém-Torres Novas, lutava-se e conseguia-se classificar como Monumentos Naturais estas e as do Avelino, Lagosteiros e Pedra da Mua. Foi o tempo das grandes exposições de dinossáurios robotizados e dos grandes esqueletos oriundos da China e outras mostras (uma dezena) no Museu Nacional de História Natural (era eu o director), com centenas de milhar de visitantes vindos de todo o País. Foi ainda o tempo do Jurassic Park, de Steven Spielberg, em exibições ao longo de meses de Norte a Sul de Portugal e das Ilhas.

Neste quadro, foi a Comunicação Social, de sua iniciativa, a bater-nos à porta. Convivemos, muito e bem, não só com jornalistas, mas também com apresentadores, entrevistadores, produtores e realizadores da Rádio e da Televisão. 

Elementos importantes na vida democrática, são, todos eles, detentores de um real poder na sociedade. Poder que eles sabem que têm, sabem usar e usam, de facto. Poder que também todos lhes reconhecemos e a quem recorremos, quando deles precisamos, muitas das vezes, em vão. De há muito que se lhes chama o 4.º Poder. Como é natural, no desempenho do seu trabalho, estes homens e estas mulheres recorrem ao cidadão, qualquer que seja a sua posição ou importância no tecido social, sempre que isso lhes interessa profissionalmente. E fazem-no, sem qualquer dificuldade, tantas vezes quantas forem precisas. É esse o seu trabalho. 

Têm artes de conhecer o seu (dele) número de telefone e não pedem licença para telefonar, sendo que a inversa já dificilmente se verifica. Sempre que nós, cidadãos, conseguimos aceder-lhes, na perspectiva ou na esperança de obter a sua ajuda numa dada situação, só a conseguiremos se isso for do seu interesse profissional (o que é humano e compreensível) do da redacção, da produção ou da tutela, o que tem a ver com aspectos de oportunidade, do foro económico e/ou político, o que também tem a sua justificação.

Um qualquer cidadão que, ao longo da vida, tenha estado ou esteja no centro de acontecimentos de inegável interesse mediático, entrou e entra em convívio fácil, sempre simpático, amistoso e aprazível, com dezenas de profissionais da Rádio, da Televisão e dos Jornais. Viveu e continua a viver, com isso, momentos entusiasmantes e de plena satisfação. Nestes convívios, ele deu e dá o seu melhor. Foi e é, por assim dizer, um voluntário. Para os ditos profissionais, isto é, quase sempre e apenas, trabalho, o que é normal e, quanto a isto, nada há a dizer.

Nestes convívios, o cidadão escancara-lhes portas e janelas. Permite, com toda a simplicidade e alegria, que lhe invadam e revolvam o seu mundo. Fica feliz com a atenção, a simpatia e a aparente amizade com que estes o tratam e, ingenuamente, acredita ter feito amigos que o ajudarão quando precisar. Mas engana-se redondamente. Muitos deles ficam na sua vida, alguns no coração, mas, via de regra, a inversa não se verifica, o que é natural.

Esses homens e essas mulheres estão, pura e simplesmente, a fazer o seu trabalho. Eles e elas sabem, por experiência e por regra, que o seu labor é tanto mais facilitado quanto maior for a simpatia e o sentimento de afecto que consigam inspirar no dito cidadão. Repito, eles e elas estão, pura e simplesmente, a fazer o seu trabalho e são tanto melhores profissionais, quanto mais rigorosos forem. E é isso que se lhes exige. Ponto final. Findo esse trabalho, já têm outro à espreita, na hora ou no dia seguintes, que lhes pede toda a atenção e profissionalismo. 

O anterior trabalho já passou e deu lugar a outro. É e será sempre assim, todos os dias…

A. Galopim de Carvalho

1 comentário:

Anónimo disse...

Há contextos que nos merecem, outros não.

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