Vamos falar do tempo.
Mas de que tempo?
Não da definição filosófica, procurada desde
sempre, não da origem cosmológica do tempo, que, de acordo com Platão, nasceu
quando os deuses estruturaram o Caos primitivo e deram uma ordem a todas as
coisas.
Vamos falar do tempo comum, do tempo de todos
os dias, da duração do tempo, do nosso tempo...
Pois não é do tempo que as pessoas falam, quando
se encontram? “Está frio”, “Está calor”, “Já estamos no fim do mês”, “O tempo
foge”...
O tempo... Essa “entidade” que nos consome, que
passa a correr, que nós, por vezes, não sabemos aproveitar, que nos parece
sempre curto...
O tempo da infância, o tempo da adolescência, o
tempo da juventude, o tempo da vida activa, o tempo da reforma, o tempo do trabalho,
o tempo do descanso!
E de infantes passamos a seniores,
termo que agora entrou em moda, ainda que, quase sempre, mal pronunciado.
Dividindo o tempo da vida humana, inventou-se
uma ordem, as três idades da vida, ainda que só ouçamos nomear assim a 3.ª.
Os romanos, os nossos mestres em quase tudo,
tinham uma diferente divisão. Para eles o SENIOR era o mais velho, designação dada ao
homem entre os 46 e os 60 anos. Porque, dos 60 aos 80 era o SENEX, o
idoso, o ancião e, a partir dos 80 era já um homem de “provecta
idade” aetate provectus (quer dizer avançado na idade).
Para a mulher a designação era diferente, estava relacionada
com a sua missão na família.
O tempo!
Mas "Tempo perdido não se
recupera" — diz o provérbio.
Que tempo este! Que tempos! Ouvimos dizer
muitas vezes, lamentando as mudanças constantes, clamando que se perderam
valores, que tudo está diferente, que tudo muda para pior.
"Novos tempos, novos
costumes" — afirma o ditado, e já Camões se lamentava, também:
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
É a natureza que se renova, o Inverno dá lugar
à Primavera, onde antes havia neve, surgem as flores e a verdura. Mas, para este poeta desanimado, a vida
muda em sentido inverso, a mudança do tempo não traz aquilo que se espera, a
alegria converte-se em tristeza, as mudanças já não se fazem do mesmo modo. É a
passagem do tempo, é a passagem da vida.
Fernando Pessoa
— Ricardo Reis, imitando o poeta latino Horácio, fala, numa atitude
epicurista, de um tempo presente que deve ser vivido sem pensar em mais nada.
Aquele que põe os olhos no futuro nada vê, pois o futuro não existe ainda. E se, neste fluir do tempo, caminhamos
inexoravelmente para o fim, então aproveitemos o presente, o momento, a hora
fugitiva:
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Porque tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
Ricardo Reis
Colhe
o dia — carpe diem...
É
numa Ode de Horácio que esse conceito aparece:
Dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem, quam minimum credula postero.
Enquanto falamos, já invejoso terá fugido o tempo;
colhe o dia, confiando o menos possível no amanhã.
Horácio, Odes, I,
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Carpe diem!
Mas,
será que sabemos fruir o tempo, o tempo que temos, o tempo que passamos uns com
os outros, o tempo em que descansamos, o tempo em que passeamos?...
O
mesmo Fernando Pessoa dizia, através de Alberto Caeiro, o poeta da natureza:
O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase maliciosos,
Sentir-nos ir,
Tendo as crianças
Por nossas mestras
E os olhos cheios
De natureza...
Aproveitar o presente, o momento que passa, com
a inocência da criança, fruindo as
coisas simples, sabendo que envelhecemos, mas tendo a sabedoria de nos
sentirmos sempre crianças, apreciando a natureza, deixando o tempo passar...
É o mesmo Caeiro que rejeita a ideia de tempo
pois quer viver VENDO, ele para quem o sentido da Visão era o mais importante; ver
apenas as coisas e vivê-las, assim, sem tempo...
Vive, dizes, no presente;
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente,
quero a realidade;
Quero as coisas que existem,
não o tempo que as mede.
O que é o
presente?
É uma coisa relativa ao
passado e ao futuro.
É uma coisa que existe em
virtude de outras coisas existirem.
Eu quero só a realidade, as
coisas sem presente.
Não quero incluir o tempo no
meu esquema.
Não quero pensar nas coisas
como presentes; quero pensar nelas como coisas.
Não quero separá-las de
si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
Como é difícil, por vezes, viver a poesia do
tempo!
Saibamos, nestes tempos difíceis que atravessamos, viver o tempo presente, usufruir de cada dia sem azedume, procurando sempre o lado mais positivo da vida.
Isaltina Martins