Continuando a divagar sobre o Tempo e as formas como ele é vivido e sentido, fazendo uso da palavra dos poetas e dos seus sentimentos acerca do tempo...
Todos sabemos como o tempo pode ser difícil, o tempo feito espaço, um espaço que se apresenta como um tempo de angústia, de difícil aceitação, um tempo, uma data, uma era que ficará gravada na memória e na dor.
Assim Sophia caracterizava o seu tempo, esse tempo, no poema “Data”
Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação
Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo que mata quem o denuncia
Tempo de escravidão
Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rastro
Tempo de ameaça
Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto
O tempora! O mores! Clamava Cícero no Senado Romano! Tempos difíceis aqueles, em que o orador via os valores da República a desmoronarem-se, via a República Romana ameaçada, via no Senado aqueles mesmos que o queriam destruir. E perguntava, como em muitos outros tempos também nós perguntamos:
Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?
Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?
E hoje diríamos também, quosque, pandemia, abutere patientia nostra?
Os tempos, os tempos que correm, os nossos tempos, tempos de mudança, tempos de incertezas, tempos de revoluções de todo o tipo.
E, saudosos de tempos passados, de anos mais
promissores, exclamamos também “in illo tempore!” ... , recordando esses
tempos, como fazia Trindade Coelho, recordando os seus tempos de estudante de
Coimbra.
“Não tenho tempo para nada!... “ Que vida!” é
outro lamento constante.
O filósofo romano, Séneca, contraria esta ideia de falta de tempo, afirmando que a correria para agarrar o tempo não pode fazer-nos felizes, a felicidade é outra coisa:
“Eu tenho todo o vagar que quero, e, aliás, só não tem vagar quem não quer. Os afazeres não andam atrás de alguém: os homens é que se agarram aos afazeres, entendendo as suas ocupações como sinónimo de felicidade.” Cartas a Lucílio, 106, 1.
Então, saibamos aproveitar o tempo, não tendo
saudades do tempo que passou, não deixando que nos roubem o nosso tempo, que é
o tempo presente.
É ainda Sophia de Mello Breyner (2001) que escreve:
Quem me roubou o tempo que era um
quem me roubou o tempo que era meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se escrevia
Sophia de Mello Breyner Andresen, Setembro de 2001
O tempo... sentido de múltiplas formas, passado de variadas maneiras, mais simples, mais complicadas... como nesta quadra ao gosto popular, de Fernando Pessoa:
Quando é o tempo do trigo
É o tempo de trigar,
A verdade é um postigo
A que ninguém vem falar.
O tempo atmosférico... O tempo cronológico ... O tempo em que alguma coisa se passa ou se passou... “Não tenho tempo”... diz o apressado . “Já tenho pouco tempo...”, diz o desiludido ... “No meu tempo...”, diz o saudosista, que não se adapta ao presente...
Aproveita o tempo! Carpe diem!
Já dizia Antifonte, poeta grego do século V
a.C., que:
“De tudo quanto gastamos, o mais caro é o tempo.”
O
que corresponde bem àquele provérbio
português "A
mais forte despesa que se pode fazer é a do tempo".
O tempo é caro porque não volta, caro porque
não há dinheiro que o compre, caro porque quando passa não pode ser recuperado.
Por isso há que não desperdiçá-lo com coisas
inúteis...
E, entretanto, o tempo vai passando... e dirão
“ estou aqui a perder o meu tempo...” ou então vim "perder o tempo e
o latim".
Pois é Tempus fugit, lá dizia Virgílio, nas Geórgicas..., III, 284
Sed fugit interea, fugit inreparabile tempus,
Séneca, numa das Cartas a Lucílio, comenta estes versos de Vergílio, dizendo que o poeta “sempre que alude à velocidade do tempo, emprega o verbo fugir!... “
E cita, das Geórgicas, III, 66-68:
O tempo melhor da vida dos míseros mortais
É o primeiro a fugir; surge logo a doença, a amarga
Velhice, o cansaço, e enfim arrebata-os da dura morte a crueldade.”
E o filósofo continua:
“Porquê então hesitarmos em apressar o passo, e ver se conseguimos acompanhar a rapidíssima velocidade do tempo? O melhor passa voando, cedendo lugar ao pior.”
E prossegue com esta comparação:
“Numa ânfora o líquido mais puro é o primeiro a extravasar, deixando para o fim as impurezas, mais densas; também na nossa vida os primeiros anos são os melhores. Iremos nós deixar que eles se dissipem em interesse alheio, guardando para nós próprios apenas as borras? “
Cartas a Lucílio, 108, 24-26
E tempo é história, é vida vivida, é presente e memória do passado.
Tempus fugit é, também, o título de um livro do brasileiro Rubem Alves onde podemos ler:
"Sentia que o relógio chamava para o seu tempo, que era o tempo de todos aqueles fantasmas, o tempo da vida que passou… Tenho saudades dele. Por sua tranqüila honestidade, repetindo sempre, incansável, "tempus fugit". Ainda comprarei um outro que diga a mesma coisa. Relógio que não se pareça com este meu, no meu pulso, que marca a hora sem dizer nada, que não tem histórias para contar. Meu relógio só me diz uma coisa: o quanto eu devo correr para não me atrasar…
Mas o relógio não desiste. Continuará a nos chamar à sabedoria: "tempus fugit…"
Quem sabe que o tempo está fugindo descobre, subitamente, a beleza única do momento que nunca mais será…"
R. Alves, Tempus Fugit (na contracapa)
Falando com o tempo, um tempo sentido, um tempo vivido. O tempo é o relógio da vida e este relógio que lembra, a cada segundo, que a vida passa pode causar angústia.
Um escritor brasileiro, Mário Lago, refere-se, com graça a essa sua relação com o tempo:
“Eu fiz um acordo com o tempo... Nem ele me persegue, nem eu fujo dele... Qualquer dia a gente se encontra e, dessa forma, vou vivendo intensamente cada momento...”
Bom, é melhor terminar este texto, porque "o tempo não é elástico", e não quero ocupar demasiado o tempo dos leitores.
No entanto... não se esqueçam: aproveitem bem o tempo!
Isaltina Martins
Traduções citadas:
Séneca, Cartas a Lucílio (trad. de Segurado e Campos), F.C.G.,
Horácio, Odes (trad. de Pedro Braga Falcão), Livros Cotovia.
Sem comentários:
Enviar um comentário