Novo texto de Eugénio Lisboa
A verdade é filha do
tempo,
não da autoridade.
Galileu Galilei
Quem discute, alegando
autoridade,
não usa a inteligência
mas sim a memória.
Leonardo da Vinci
É muito frequente, ao discutir-se um problema qualquer, um dos participantes, provavelmente com a melhor boa fé do mundo, tentar demolir o argumento do seu interlocutor, atirando para cima do debate com a opinião de uma “autorizada” e prestigiada figura que, nessa mesma área do conhecimento, parece abonar a sua própria opinião. É sempre uma tentação perseguir esse método aparentemente imbatível e demolidor. Será uma ardilosa artimanha, mas há muito que a lógica e o método científico moderno enviaram para a sucata este tipo de argumentação. Por muito tempo, ao longo de séculos, em vez de se observar e voltar a observar e se tentar verificar, contraditoriamente, um fenómeno qualquer, preferia-se consultar o parecer de uma antiga e muito venerada autoridade, como, por exemplo, Aristóteles, para este “certificar” uma falsa verdade. Foi preciso Galileu demonstrar, pelo método experimental, que corpos, de pesos diferentes, caem exactamente com a mesma aceleração, para se verificar que a asserção de Aristóteles, segundo a qual, eles cairiam com acelerações diferentes, estava errada e errada viveu inúmeros séculos. O argumento da autoridade ruiu estrondosamente e ainda hoje se ouve o barulho que isso fez.
De resto, basta pensar um bocadinho. Se, sobre um mesmo assunto, duas autoridades igualmente prestigiadas tiverem opiniões opostas (acontece todos os dias), como escolher o parecer “autorizado”? Poderia dar inúmeros exemplos históricos, mas vou dar este. Em tempos, a muito prestigiada Universidade de Harvard, depois de um estudo prolongado e feito por grandes especialistas, concluiu que a pena de morte provocava uma diminuição da espécie de crime que essa pena contemplava. Mas acontece que um estudo semelhante da prestigiadíssima Universidade de Stanford chegou à conclusão diametralmente oposta. Os crentes no argumento de autoridade qual das duas conclusões aceitariam como boa?
No campo da investigação científica, os exemplos abundam. Dois grande inventores e responsáveis por inúmeras patentes no campo da electricidade, Edison e Tesla, tinham certezas diametralmente opostas em algumas coisas. Por exemplo, Tesla, um engenheiro electrotécnico, deu enorme contribuição no campo do transporte de energia eléctrica por corrente alterna, entre outras muitas coisas que fez. Já Edison, o grande inventor com mais do que mil patentes registadas, tinha a “autorizada” opinião de que a corrente alterna não tinha qualquer futuro. Para desacreditar Tesla e, abusando da sua enorme influência junto dos políticos, convenceu que se executasse um preso condenado à morte, usando-se a corrente alterna. Os carrascos, pouco calhados no uso daquela corrente, permitiram que a tensão eléctrica caísse drasticamente, de tal modo que o condenado, em vez de uma morte rápida, foi sendo “fritado” lentamente, com enorme sofrimento e emitindo um pavoroso cheiro a carne grelhada, além dos gritos pavorosos que foi emitindo… Edison ficou contentíssimo com a repercussão que esta ignomínia teve na imprensa. Aqui está um clamoroso desmentido do valor argumento de autoridade.
De resto, uma consulta minuciosa mostrar-nos-á as enormidades que
os cientistas, ao longo dos tempos, têm dito uns dos outros. O Professor de
Física J. Le Roux, da Universidade de Rennes, dizia, em 1923, este mimo sobre a Teoria da Relatividade de Einstein: “Não é uma doutrina científica, é, antes,
uma espécie de misticismo bizarro, quase uma religião nova de que Einstein é o
profeta (…)”. Lá se vai o argumento de autoridade… E não só na ciência. O maior
crítico francês do século XIX, Sainte-Beuve, disse as maiores barbaridades
sobre gigantes como Balzac, Stendhal e outros. Ferdinand Brunetière, egrégio
Professor de Literatura da eminentíssima École Normale Supérieure, editor
principal da Revue des Deux Mondes, membro da Academia Francesa, galardoado com
a Legião de Honra e eminência da crítica e do ensaísmo francês, disse
barbaridades sobre Baudelaire, o mesmo tendo feito o não menos eminente Émile
Faguet. O físico e astrónomo francês, François Arago, que chegou a ser primeiro
ministro, desaconselhava o uso dos caminhos de ferro, como meio de transporte,
porque as pessoas se arriscavam a contrair “fluxões” e pleurisias… O grande
Lumière, pioneiro do cinema mudo, em que foi singular criador, não antevia
qualquer futuro para o cinema falado.
Para os
teimosos utentes do argumento de autoridade, deixo-lhes aqui esta pérola do
autor da Teoria da Relatividade: “Para me punir pelo meu desprezo pela
autoridade, o destino fez de mim mesmo uma autoridade.”
Um
esclarecimento final: o signatário deste artigo é muitas vezes acusado de
recorrer muitas vezes a citações de outros autores. Ora faço-o, não como uma
invocação de autoridade, mas como formulações mais perfeitas dos meus próprios
pensamentos e sempre convencido de que tanto eu como eles podemos estar
errados.
Eugénio Lisboa
1 comentário:
"O mal de quem apaga as estrelas é não se lembrar de que não é com candeias que se ilumina a vida" [Miguel Torga]
Sr. Eugênio Lisboa, em Portugal não existem os problemas com a autoridade de que nos fala.
O problema são as tentativas, pouco asseadas, de apagar as nossas melhores estrelas, como o era Sebastião e Silva.
"Seria possível dizer o que é a Matemática se esta fosse uma ciência morta. Mas a Matemática é, pelo contrário, uma ciência viva, que se encontra hoje, mais do que nunca, em rápido desenvolvimento, proliferando cada vez mais em novos ramos, que mudam não só a sua fisionomia, como até a sua essência."[J. Sebastião e Silva]
Sebastião e Silva não era uma autoridade, era apenas o melhor matemático do país, - a nossa estrela mais brilhante, aqui e em qualquer lugar no mundo da matemática.
Ignorar Sebastião e Silva, ou colocar um sinal de equivalência entre ele e o matemático J. Tiago de Oliveira, sob o pretexto do bem vindo desrespeito cientifico pela autoridade, é coisa muito pobre, cujos resultados negativos constituíram no passado um retrocesso para o país como o foi a reforma do ensino da matemática de 1971, e na não criação do Instituto Português de Matemática na forma original idealizada por Sebastião e Silva.
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