Meu artigo mais recente no As Artes entre as Letras:
Saiu
no final de 2021, do prelo da Prime Books, o segundo volume da monumental
trilogia História dos Paladares de Deana Barroqueira, escritora
portuguesa nascida em 1945 na diáspora portuguesa nos Estados Unidos. A autora
promete-nos um terceiro volume, que já está entregue na editora e deve sair
ainda este ano. O primeira volume tem o título de Sedução, o segundo volume
2 designa-se, adequadamente, por Perdição e o terceiro volume chamar-se-á,
felizmente, Redenção.
O
primeiro volume, saído também em 2021, teve uma muito boa receção dos leitores
e da crítica, que foi coroada pelo Prémio Internacional da Literatura
Gastronómica, da Académie Internacional de la Gastronomie, em França. Soube entretanto
que os dois volumes foram nomeados para os Gourmand World Cookbook Awards
2022 (os «óscares da Gastronomia»), nas categorias de História da Culinária
e de Séries. É natural motivo de contentamento para aautora e para todos os
seus ávidos leitores, entre os quais me incluo: as obras, quer ganhem ou não, entraram
na lista dos 1% melhores livros do mundo do seu género, em 227 países. A
gastronomia portuguesa (já que os livros se centram sobretudo na história da gastronomia
portuguesa) está bem e recomenda-se.
Deana
Barroqueiro escreve na linha de gastrónomos José Quitério e Alfredo Saramago,
que nos regalaram com livros muito enriquecedores sobre o que comemos. Barroqueiro
tem uma grande bagagem de cozinha e gastronomia e escreve bem: não só foi
durante três décadas e meia professora de Literatura Portuguesa e Francesa como
tem a mão treinada por um conjunto de obras que conquistou leitores: começou
com livros infantis como Uraçá: O índio branco (Livros Horizonte, 2002), continuou com livros inspirados na Bíblia como Contos Eróticos do Velho Testamento, com prefácio
de Maria Teresa Horta (Livros Horizonte, 2003; reedição: Planeta Manuscrito,
2018), traduzido em Espanha, Itália e Brasil; e estendeu-se por volumosos romances
históricos que se baseiam na história portuguesa, em particular nos períodos da
Expansão Marítima e da União Ibérica: O Navegador da Passagem: A história de
um descobridor de mundos que o mundo ignorou (Porto Editora, 2008); O
Espião de D. João II: Na demanda dos segredos do Oriente e do misterioso Reino
do Preste João (Ésquilo, 2009; reedição: Casa das Letras, 2015); O
Corsário dos Sete Mares: Fernão Mendes Pinto (Casa das Letras, 2012); D.
Sebastião e o Vidente: Um romance de conspiração, mistério e revelação (Porto
Editora, 2006; reedição: Casa das Letras, 2016), que recebeu o Prémio Máxima de
Literatura 2007 - Prémio especial do júri, e se tornou um best-seller;
e 1640. O poeta, a professa, o
prosador, o pregador (Casa das Letras, 2017). A autor ganhou, pelo seu
estudo e divulgação da cultura portuguesa no espaço da lusofonia, o Prémio
Femina 2021.
Se o primeiro volume da trilogia, que me
surpreendeu, tinha 486 páginas, o segundo volume só fica um pouco atrás, com
396 páginas. Tem, tal como o primeiro, muitas receitas antigas: a capa informa
que são 211. Como diz a autora numa carta aos leitores: «Ao volume de Perdição,
interessa a culinária como conceito estético e, sobretudo, a gastronomia,
enquanto ramo do saber relevado á categoria das arte, portanto, produto de civilização.
Através de uma profunda pesquisa individual de artigos e livres antigos e contemporâneos,
procurei explorar o lado simbólico, ideológico e artístico da alimentação, condimentando-o
com o sal e a pimenta das minhas memórias, emoções e paixões.» E, mais adiante:
«A História dos Paladares é uma encruzilhada, ou melhor um labirinto de
sabores e saberes onde temi perder-me a cada canto, a cada nicho - cozinha regional
tradicional, nacional, internacional, oriental, étnica, gastronómica, molecular
ou de desconstrução (…) pela densidade da informação recolhida». A autora tece uma
malha, ajudada pelo grafismo, onde nos podemos prazerosamente perder, seja com
histórias, seja com informações úteis, seja com receitas. Pode-se começar em
qualquer lado e andar para a frente ou para trás….
O livro está dividido em sete capítulos, cada um
deles definido por três palavras: I- Memoriais. Editados. Impressos. II- Aprimorados.
Civilizadores. Progressistas. III- faustosos. Pantagruélicos. Opulentos. IV- Encobertos.
Prodigiosos. Virulentos. V- Sacralizados. Sacrílegos. Bentos. VI- Ocultistas. Necromânticos.
Antropofágicos. E, finalmente, VII- Freiráticos. Conventuais. Pecaminosos. No capítulo
I a autora transporta-nos aos banquetes romanos e traz-nos o primeiro livro de cozinha
português, No capítulo II, fala-nos do grande chef francês Auguste Escoffier
e a da cozinheira Rosa Maria (um pseudónimo, que talvez seja de um homem),
autora no século XX da Cozinheira das Cozinheiras que a mãe da autora
levou e trouxe da América (pelo meio, podemos aprender «um remédio pera as
mulheres que casarem pareçam donzelas»). No capítulo III ficamos a saber como foi
a primeira boda da dinastia de Avis e o que se comia na corte do Preste João
das Índias. No capítulo IV, aprendemos os sabores de São Tomé e os sabores de Macau.
No capítulo V conhecemos como é que Santo Inácio de Loyola comprou uma viagem
com biscoitos e como é a culinária sagrada de comida-de-santo no Brasil. No
capítulo VI ficamos arrepiados com cenas de canibalismo e com as greves da fome
que Isabel do Carmo fez quando esteve presa em Custóias. No capítulo VII, por
último, surgem uma história fantástica do Convento de Odivelas, onde João V
costumava ir, e a deliciosa receita dos pastéis do convento de Tentúgal. Estas
são apenas algumas pormenores de um quadro muito rico apresentado em Perdição.
Com uma lista bibliográfica muito completa e um receituário no final, só faltou
um índice, para nos ajudar a encontrar qualquer nome ou iguaria. Mas tanto fez
a autora que só lhe podemos estar gratos por este pantagruélico livro.
Ficamos, cheios de água na boca, a aguardar pelo
terceiro volume. Depois da Sedução e Perdição, precisamos
ansiosamente de Redenção.
1 comentário:
Caríssimo Professor
Muito obrigada pela crítica tão generosa que faz ao meu livro. Fez-me muito feliz. Bem haja e até à Redenção!
Os meus desejos de um ano livre de todo o mal.
Deana Barroqueiro
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