domingo, 22 de dezembro de 2019

"Se acreditasse no pai natal pedia-lhe que nos desse consciência de classe e muita lucidez"

Sem procurarmos, encontrámos hoje na internet dois depoimentos recentes de professoras, em resultado do trabalho realizado no primeiro período escolar e da avaliação que o fecha. Vão no mesmo sentido e replicam o que temos ouvido de outros colegas. O nosso comentário mais imediato é de tristeza: pelo ensino e pela aprendizagem, pelos professores e pelos alunos.

Maria Helena Damião e Isaltina Martins
"... já não sei ser professora! Fui chamada por ter atribuído níveis negativos a cidadania, disseram-me que esse não é o espírito da disciplina, que ela existe para cativar os alunos (…) pensava que com a minha avaliação que foi feita com os alunos, os mesmos se iriam envolver mais no próximo período, iriam respeitar regras básicas de cidadania, mas falhei e o mais grave é a leitura que faço de tudo o que se passa à minha volta e que me faz sentir que não, não serei capaz de funcionar assim, 30 e tantos anos a dar o meu melhor, a viver para a escola e para os alunos, tanta coisa fiz sem almejar nada em troca, a não ser a envolvência dos alunos, poderia escrever e mostrar muitas fotografias (as famosas evidências!!) mas não preciso de provar nada a ninguém (...), agora o que nunca mudarei são princípios e valores só porque fui intimidada, por medo, ou para obter benefícios! Provavelmente vou morrer antes da reforma, porque não sei se aguentarei ver cada vez mais como somos uma classe rendida, vendida, com medo e a funcionar como um rebanho domesticado por lobos maus! Se acreditasse no pai natal pedia-lhe que nos desse consciência de classe e muita lucidez para nunca abdicarmos de nós próprios! (Manuela Queiroz, professora, 20 de Dezembro de 2019, extractos de um depoimento recuperado aqui).
"Nesta altura do campeonato, passados vinte anos desde que iniciei esta carreira ainda consigo ficar sem palavras a cada final de período! Temos as «coordenadeiras» de serviço a mandar falsificar valores, inventar faltas e/ou presenças de jovens que não aparecem na escola; temos a mansidão nos Conselhos de Turma, a incapacidade de algum dos seus membros se insurgirem contra currículos diferenciados que ninguém percebe (...). As atas, essas então, são verdadeiros romances, cheios de utopias, muito aquém da realidade do quotidiano! Temos ainda as falsas notas atribuídas, escondidas por medidas enlouquecidas e emanadas por uns decretos inclusivos que, de inclusão, apenas mostram a mentira! É isto! As escolas parecem a Assembleia da República!!!! Tudo é maravilhoso mas tão aquém da realidade!!! (Professora não identificada, 19 de Dezembro de 2019, extractos de um depoimento recuperado aqui).

4 comentários:

Rui Ferreira disse...

Tal e qual, infelizmente.
Uma irresponsabilidade perante a vida futura do neófito, consumada por aquele que deveria ser o bastião da educação.
Quem não se cala é completamente trucidado pela manada.
Imbuído no espírito dos clássicos, Einstein vaticinou "o mundo não está ameaçado pelo mal, mas sim pelos bons que toleram o mal".
Eu ainda não me calei e jamais o farei, aos poucos vou apanhando um por um, fazendo uso, pasme-se, da arma mais bélica que existe: do óbvio.
Boas Festas.

Anónimo disse...

Tal e qual! Há uma raiva surda que cresce e ou se levanta uma rebelião sem precedentes ou uma onda suicida. Alguma coisa vai acontecer, a situação está insustentável.

Anónimo disse...

Atualmente, nos conselhos de turma de avaliação já se ouve frequentemente dizer, sem o mínimo rebuço, de que muito mais importante do que a história das "melhorias das aprendizagens" são os fundos estruturais carreados para os cursos profissionais, através do POCH, que faz parte do programa operacional Portugal 2020, fundos esses sem os quais deixam de estar garantidos o pão e o vinho sobre as mesas dos pobres professores. Então, agindo em conformidade, os membros do conselho, depois de verificarem a indisciplina e o desinteresse da maioria dos alunos pelas matérias lecionadas, concluem que o comportamento da turma é bom e o aproveitamento muito bom, matando assim dois coelhos com uma só cajadada, quais sejam o sucesso educativo pleno e a garantia de que a torneira de onde pingam os fundos europeus destinados ao desenvolvimento educacional dos portugueses não é fechada, para já!...
É uma vergonha!

Helena Damião disse...

Estimados Leitores
Não tenho muito a acrescentar aos vossos comentários. Apenas reafirmo quão triste é ver a educação (daqueles que temos o dever de educar) subordinada a esta lógica mercantil global. Lógica que, usando estratégias como a "sedução-ameaça", vai submetendo os sistemas de ensino, os centros de investigação, as escolas públicas, os professores que estão nessas escolas... Entendo, porém, que enquanto houver investigadores e professores que considerem que o sentido de educar é humanizar existirá alguma esperança de que essa lógica não penetre em todas salas de aula.
Cordialmente,
MHDamião

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