É muitíssimo cansativo ler textos políticos (que, verdadeiramente, não o são) sobre educação escolar (que, verdadeiramente, também não o são).
Repetitivos, simplistas, repletos de lugares-comuns e de paradoxos, seguidistas, propagandísticos, maniqueístas, acusatórios... alinham-se pela "nova narrativa global", que se poderia chamar "nova doutrina global" (ver, por exemplo, aqui e aqui).
Ininteligíveis a olho nu, mas, ao mesmo tempo, sedutores, requerem um trabalho imenso de desocultação do(s) seu(s) sentido(s). A consciência de que o(s) sentido(s) que neles se ocultam são transpostos para o currículo, havendo fortes possibilidades de serem transpostos para as práticas de ensino com consequências na aprendizagem deve deixar-nos muitíssimo preocupados (aqui)
Os países (refiro-me sobretudo aos ocidentais) foram perdendo soberania em matéria de educação, limitando-se a replicar, com legitimação legal, as orientações/recomendações feitas por organizações supra e internacionais, destacando-se, entre elas, pela visibilidade, presença e pressão, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
No caso de Portugal, as orientações/recomendações veiculadas por esta organização têm sido reconhecidas em diversos normativos, justificando o alinhamento das medidas que são tomadas. Assim, não é de estranhar que responsáveis do nosso Ministério da Educação, tivessem passado a co-assinar panfletos com representantes dessa organização (ver Educação para um mundo melhor: um debate em curso a uma escala global) ou em sequência, reforçado a sua mensagem (ver Aprendizagens Essenciais vs. “Eu dei isso”). Panfletos que se vêem publicados em jornais nacionais, como complemento aos canais de comunicação institucionais.
É, portanto, neste cenário que deve ser interpretado o texto assinado por um desses representantes, saído no Observador de dia 30 de Maio, com o título Apontamentos sobre o facilitismo. Eis o seu início:
"Não é justo que a escola, que é a única esperança de mobilidade social para muitos, em vez de eliminar as assimetrias sociais à entrada, as reproduza ou, por vezes, as acentue. É comum, quando se fala em promover o sucesso escolar ou em trabalhar para a construção de uma escola mais inclusiva, levantarem-se algumas vozes que imediatamente acusam qualquer iniciativa dessa natureza de ser, na realidade, promoção de um ensino facilitista. Vale a pena tentar perceber a origem desse medo, para se averiguar se é real e para se entender se a inclusão corresponde a uma redução da qualidade e se querer mais sucesso é sinónimo de uma redução de expectativas face aos resultados dos sistemas educativos. O medo dos arautos do facilitismo é simples de entender.
Nada de novo neste misto de proteccionismo caritativo (por parte do Ministério) e de denúncia acusatória (do Ministério a todos aqueles que lêem, criticamente, os textos). Por ser uma dupla recorrente, estafada, irracional não deveria ter lugar na educação (onde se exigem argumentos filosóficos e científicos sólidos). Ao usá-la, pretende-se anular o crédito do leitor que faça comentários críticos?
Não nos devemos deixar intimidar (porque haveria isso de acontecer?): a leitura deste e de outros textos congéneres exigem um esforço de entendimento (como faz um professor aqui). Precisamos de entender. A educação é um assunto demasiado importante para nos abstermos de procurar entender.
3 comentários:
Quem revela igualmente um grande desassombro é o próprio secretário de estado João Costa, quando tem a coragem de vir ao terreiro da racionalidade, onde se sentem à vontade os inimigos do facilitismo, defender as suas ideias abstrusas. A escola, muito antes de ser um elevador social, fictício ou real, é o lugar, por excelência, do ensino e da aprendizagem. É verdade que o mundo não pára de mudar, mas uma escola, onde o ensino e a aprendizagem não se encontrem escorados no estudo dos estudantes e dos professores, acabará por sucumbir como instituição ao serviço da educação para se transformar numa vulgar empresa de realização de eventos, onde se incluem provas de vinhos, como as que contaram com a minha participação, ou numa mera repartição de emissão de diplomas de nível 3 da União Europeia. A maioria dos adolescentes, sejam pobres ou ricos, não são anjos cheios de bondade e ávidos de saber! Muitos acabam por estudar quando se confrontam com a possibilidade de virem a reprovar por não saberem a matéria lecionada. Se o sistema impõe, por via legal, um sucesso educativo obrigatório para todos, que serve essencialmente para enriquecer os pobrezinhos, então o pessoal deixará de estudar, como já hoje se pode verificar, em larga escala, nas nossas escolas!
Não podia concordar mais. Enunciar medidas não é sinónimo da bondade ou eficácia das mesmas. Os números da iliteracia encapotada falam por si. Em Portugal, a medida desses números tem vindo a ser ferozmente combatida com a eliminação dos exames e a desvalorização dos bons resultados de algumas escolas, em detrimento dos avanços "qualitativos" de outras, em sinal de desprezo ostensivo pelo conhecimento, mérito e esforço de quem aprende e mostra que sabe. Uma demagogia perigosa, que compromete o futuro de gerações inteiras e, em última instância, o futuro do país. Obrigada por mais esta reflexão pertinente, útil e necessária.
A educação e o ensino e a aprendizagem são demasiado importantes.
Quanto ao abstermos, depende da incumbência de cada um.
Se houvesse um mínimo de racionalidade científica sempre que se opina sobre esta temática, os progressos impor-se-iam, quase involuntariamente.
Os templos da educação e do ensino não passam de mistificações seculares, redundantes e falaciosas como uma religião qualquer.
Pode parecer provocatório ou irónico, mas ainda não foi dada a necessária atenção crítica ao problema. O sistema de ensino está condenado porque não permite que os professores sejam professores, que os alunos sejam alunos, nem que a aprendizagem seja aprendizagem no bom sentido da palavra. Aprender, aprende-se sempre. Ensinar, não. Mas há a boa e a má aprendizagem.
E não vou dizer mais porque estou cansado, já tive o meu dia de trabalho assalariado (sal) e não sou ministro da educação, nem das finanças, nem comentador de televisão (banqueiro, que vive do dinheiro dos outros e se queixa do pib como se fosse o rei a queixar-se da pila, dirigente político à espera que o voto resolva os problemas, presidente de associação de empregadores a queixar-se da falta de ambição dos trabalhadores, sindicalista a fingir que reivindica, piscando o olho ao seu partido no governo...)
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