Adília Lopes, o pseudónimo literário de Maria José Viana Fidalgo de Oliveira (Lisboa, 1960), é uma das mais originais poetas contemporâneas. Consultada a Wikipédia ficamos a saber que é filha de uma assistente de Botânica da Universidade de Lisboa e de um professor do ensino secundário e que frequentou sem ter concluído o Curso de Física daquela Universidade. O seu primeiro livro de poemas é de 1985 ("Um jogo bastante perigoso"). A sua obra reunida, intitulada "Obra" é de 2000 (Mariposa Azul). Há uma nova edição actualizada intitulada "Dobra" (Assírio em Alvim, 2009, 1.ª edição e 2010, segunda edição). Depois da dobra Adília Lopes tem continuado a publicar:
- Manhã (Assírio & Alvim, 2015)
- O Poeta de Pondichéry (Assírio & Alvim 2015 - Coleção: Assirinha; com desenhos de Pedro Proença)
- Bandolim (Assírio & Alvim, 2016)
- Z/S (Averno, 2016)
O último volume, acabado de sair na Assírio e Alvim, intitula-se "Estar em casa". Na linha de "Bandolim", não parece um livro de poesia. São aforismos, jogos de palavras, pequenas histórias, apontamentos, pequenas histórias e recordações de infância. A dedicatória é à sua gata Lu. Inclui fotografias dos avós e da pequena Maria José, sozinha e com o pai.
A ciência, tal como noutros li aparece amiúde, tal como a abrir uma citação do professor de Matemática José Sebastião e SIlva na p. 13 e do físico e padre jesuíta francês Noê Regnault na p. 20, a referência á física do balançar das flores na p. 42, três textos com curiosas discussões matemáticas ("54-45", "O Calendário" e "O Um") nas pp. 64-69, um comentário de um biofísico sobre o computador ("é um monstro") na p. 72, e o jogo de palavras "eclipse/elipse, na p. 75. Mas na maior parte das páginas não há ciência nenhuma: há memória, lirismo, por vezes nonsense.
Admirador da sua "Obra" ou "Dobra", conforme lhe queiram chamar, destaco aqui dois textos de prosa poética, os dois referentes a cenas domésticas:
O BULE
"Tenho um bule de que gosto muito, que acho muito bonito. Mas de repente do que gostei mais foi de reconhecer a sombra do bule nas costas de uma cadeira, ae dar com a sombra do bule. É fácil dizer que lembra uma ave. Mas é o que está certo dizer. Essa repentina ave, estou a lembrar um verso, deu-me muita paz. Ao fim da tarde, depois de os amigos se terem ido embora, a sombra do bule fez-me ver como sou feliz às vezes."
(p. 59)
"A Lu estava a morrer e quis ir à janela apanhar Sol. De repente estava a olhar com muita atenção o almeida a varrer as folhas lá em baixo na rua.
De uma vez demorei-me mais, ao voltar a casa, a Lu pôs-me uma pata no peito com muita força. A Lu amava-me muito. Acho que só os animais são capazes de amar assim tanto. Eu não sou capaz."
(p. 79)
Há coisas que a ciência não consegue dizer. Mas a poesia consegue.
13 comentários:
De facto, a ciência é feia.
Cada uma é pro que nasce!
"Acho que só os animais são capazes de amar assim tanto. Eu não sou capaz.""
Horror!!
Eu só sou capaz de amar animais.
O cão Zico?
José
E eu, quando dava aulas no Ribatejo, comi muitas vezes sopa de pedra!!!
E depois da sopa um belo bife de animal (que eu amava!).
Um bife mal passado, mas muito bem temperado com cabeças de alho!
O meu gato vai acabar no prato.
Ah-aja pa-ciência para anó-nimos pro-que
MJ
Que desgosto para a Adília e para o Carlos.
Pro que der e vier!
Como dizia Sophia Andresen:
"As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas"
É assim que o poeta é
a motivação do poeta
para ser poeta é
do mais sagrado que há
quem o tome por louco
que diz coisas estranhas
quem o não entenda
quem se ria
quem desdenhe
quem tolere
o poeta "trabalha pro bono"
por vezes com sacrifício da própria vida
a sua motivação não o implica com a desumanidade
nem com os ataques mortíferos e destruidores à natureza
nem com a ignorância e o amorfismo
o poeta não pretende roubar nada
nem tirar nada a ninguém
nem pretende ficar calado e quieto
quando é preciso ser alguém.
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