Meu artigo sobre os livros de Stephen Hawking no JL que saiu hoje:
O astrofísico e divulgador de ciência Carl
Sagan fez no seu livro Cosmos um
extraordinário elogio do livro: “Um livro é feito de uma árvore. É um conjunto de partes lisas e
flexíveis (que ainda se chamam folhas) impressas em caracteres de pigmentação
escura. Dá-se uma vista de olhos e ouve-se a voz de outra pessoa - talvez
alguém que já tenha morrido há milhares de anos. Através dos milénios, o autor
está a falar, com clareza e em silêncio, dentro da nossa cabeça, diretamente
para nós. A escrita foi talvez a maior das invenções humanas, ligando as pessoas,
cidadãos de épocas distantes que nunca se chegaram a conhecer. Os livros
quebram as cadeias do tempo, provam que os seres humanos são capazes de exerce
a magia.” É precisamente por existir essa comunicação mágica sob a forma de
livro que vamos continuar a ouvir o astrofísico inglês Stephen Hawking
(1942-2018), também ele como Sagan um divulgador de ciência. Hawking morreu,
mas os seus livros permanecem nas livrarias e bibliotecas à nossa disposição.
Ele é, acima de tudo, o autor de Breve
História do tempo, Do Big Bang aos
Buracos Negros, um livro, prefaciado por Carl Sagan, que vendeu mais de 10
milhões de cópias, no original inglês e em traduções em mais de 50 línguas. É
algo paradoxal que um cientista sem voz, devido a uma doença neurológica
progressiva que se manifestou na juventude, se tenha tornado num dos maiores
comunicadores de ciência de todos os tempos.
Breve
História do Tempo é, de facto, o livro de ciência mais popular de sempre.
Vendeu muito mais do que A Origem das Espécies
de Darwin e praticamente tanto como, por exemplo, A Divina Comédia, de Dante, ou O
Velho e o Mar, de Hemingway (sim, eu sei, ainda assim longe de Dom Quixote de Cervantes ou O Principezinho de Saint-Exupéry e muito
longe da Bíblia). A tradução
portuguesa foi publicada pela Gradiva no mesmo ano em que o livro saiu no
Reino Unido, em 1988, com o n.º 27 da colecção Ciência Aberta, sendo um dos livros mais vendidos dessa colecção. É
um clássico da divulgação científica. O original está esgotadíssimo, só se
encontrando em alfarrabistas. Mas está à disposição do público uma versão revista
e ampliada deste livro que comemora o 10.º aniversário do aparecimento da obra
(Gradiva, 2000), existindo também uma edição de capa dura e ricamente ilustrada
(fora de colecção, Gradiva, 1996). A partir da obra original foi preparada pelo
autor, em colaboração com o físico Leonard Mlodinow, uma versão para gente com
pressa, intitulada Brevíssima história do
tempo (fora de colecção, Gradiva, 2007).
Os dois livros mais recentes de Hawking, que são
fáceis de encontrar nos escaparates das livrarias, saíram ambos na colecção Ciência Aberta: O Grande Desígnio (Gradiva, 2011, escrito em colaboração com Mlodinow,
n.º 188 da Ciência Aberta), onde os
autores actualizam alguma da informação contida em Breve História do tempo, e A
Minha Breve História (Gradiva, 2014, n.º 206 da mesma colecção), que, como
o título indica, é uma breve autobiografia. Recomendo os dois para quem já leu
a Breve História do Tempo.
Entre a Breve História do Tempo e estes últimos livros o físico inglês
publicou outros, que vale a pena enumerar: com Gene Stone, O universo de Stephen Hawking. Difusão Cultural, 1994,
relativo a um documentário sobre a vida e obra de Hawking; Buracos negros e
universos bebés e outros ensaios, Asa, 1994 (colectânea de textos); com outros,
Prevendo o futuro, Europa-América, 1995 (n.º 31 da colecção Forum da Ciência, textos variados de futurologia); com Roger Penrose, A natureza do
espaço e do tempo, Gradiva, 1996 (n.º
3 da colecção Trajectos Ciência; um
livro mais técnico); O fim da Física, com prefácio meu, Gradiva, 1994 (nº
63 da colecção Ciência Aberta; o
título remete para a lição inaugural de Hawking quando passou a ocupar em
Cambridge a cadeira que foi de Newton); O Universo numa casca de noz,
Gradiva, 2002 (fora de colecção; volume com capa dura e ilustrado); A teoria de tudo: a origem e o destino do
universo, Gradiva, 2010 (n.º 186 da colecção Ciência Aberta).
Hawking
foi também o compilador, o apresentador e comentador de uma obra monumental que
reúne os textos fundamentais da Física, de Copérnico a Einstein, passando por Kepler,
Galileu e Newton: Aos ombros de gigantes,
Texto Editores, 2010.
Coordenei a tradução para português europeu (havia uma tradução brasileira) e escrevi
o prefácio. Com cerca de 1300 páginas, o
livro ainda se encontra no mercado. O comprador ficará com a estante carregada
de génios.
Os
leitores mais jovens podem aprender com Hawking nos cinco livros que a sua
filha Lucy (o físico teve três filhos) escreveu com ele e que entre nós estão todos
publicados pela Presença: A Chave Secreta
para o Universo (2008), Caça ao tesouro no espaço (2009), George e o Big
Bang (2012), George e o código secreto do Universo
(2017) e George a Lua Azul (2017).
Hawking tornou-se, ainda em vida, uma lenda da ciência, não apenas por
causa dos seus trabalhos sobre o Big Bang
e os buracos negros, mas também como, ele próprio admitia, por o seu cérebro
estar aprisionado num corpo quase inerte. E é bastante provável que essa lenda se
venha a avolumar. Livros em português sobre Hawking e a sua notável obra tanto
na ciência como na comunicação são, por ordem cronológica de publicação entre
nós: Kitty Ferguson, Stephen Hawking: em busca de uma teoria do tudo,
Difusão Cultural, 1993; John Gribbin e Michael
White, Stephen Hawking: breve história do génio. Europa-América, 1993 (n.º
23 da colecção Forum da Ciência); David
Filkin, O universo de Stephen Hawking: uma explicação do cosmos, o Big
Bang, buracos negros, anãs brancas, distorções temporais, a vida, o Universo e
tudo o resto, explicado em linguagem acessível, com prefácio de Stephen
Hawking, Alfa, 1998; Paul Strathern, Hawking em 90
minutos. Inquérito, 1999; Carlos Fiolhais, in 10 livros que mudaram o mundo,
Quasi Edições, 2005 (selecção de comentários sobre grandes livros organizada
pela Biblioteca Municipal de Oeiras); Kitty Ferguson, Stephen Hawking:
aventuras de uma vida: a história e a ciência de uma das mais extraordinárias e
corajosas figuras do nosso tempo, Dom Quixote, 2012; Jane Hawking, Viagem
ao infinito: a extraordinária história de Jane e Stephen Hawking, Marcador,
2015 (este livro, escrito pela primeira mulher de Hawking, deu origem ao filme Teoria de Tudo, do realizador inglês James
Marsh, de 2014, que valeu um Óscar de melhor actor ao Eddie Redmayne); e Daniel
Smith, Pensar como Stephen Hawking: biografia inspiradora do cientista
mais famoso do mundo, Amadora, Vogais, 2017.
Hawking introduz-nos, através dos seus livros, nos grandes mistérios do
Universo: o mistério do início de tudo (Big
Bang) e o mistério do fim de tudo (buracos negros). O seu maior feito
científico foi ter ensaiado uma junção, embora limitada, da teoria da
relatividade geral de Einstein, que descreve o mundo em larga escala, incluindo
o Big Bang e os buracos negros, com a
teoria quântica de Planck, Bohr, Heisenberg e Schoredinger, que descreve o
mundo a pequena escala. De acordo com essa junção, os buracos negros podem
afinal não ser negros, por emitirem radiação. A “radiação de Hawking”,
proveniente dos buracos negros, é uma previsão do astrofísico que ainda não foi
confirmada mas que um dia poderá sê-lo. Talvez essa radiação venha a ser compreendida
no quadro de uma “teoria de tudo”, uma teoria ampla e coerente que inclua a teoria
da relatividade geral e a teoria quântica que é actualmente procurada por
muitos físicos. Nas palavras metafóricas de Hawking conseguir essa teoria seria
ler o “pensamento de Deus.” Mas a palavra de Deus está aqui a ser usada, como
de resto Einstein fez, como sinónimo de ordem ou harmonia do mundo. Einstein
afirmou um dia: “Deus é subtil mas não malicioso”. Não significa que ele
acreditava no Deus da Bíblia, mas sim
que o mundo tem uma ordem intrincada mas não tão intrincada que não possa ser
decifrada pelo homem. Hawking tentou, na senda de Einstein, decifrar a ordem do
mundo e nós, ao lê-lo, podemos aproximar-nos dessa ordem.
1 comentário:
Ainda que as mais altas autoridades das ciências modernas se associem aos pedagogos mais ilustres para colocarem a "Breve história do tempo", de Stephen Hawking, nos píncaros da lua, não contem comigo para desentalar o livrinho do lugar que lhe cabe na minha estante, desde a primeira leitura incompleta que dele fiz. A grande popularidade da obra tem uma explicação fácil: vaidade!
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