Ninguém deu por isso, mas fizemos este mês 11 anos. Nascemos em 11 de março de 2007. para o provar aqui está o primeiro post:
http://dererummundi.blogspot.pt/2007/03/de-rerum-natura.html
sábado, 31 de março de 2018
DO ÓLEO (USADO) AO SABÃO (NOVO)
No próximo dia 4 de Abril, pelas 17h30, realiza-se no Rómulo - Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, o Workshop "Sabão Líquido" onde César Henriques, Químico da EcoXperience nos vem ensinar a fazer, de forma segura e sustentável, sabão líquido (a partir de óleo alimentar usado).
LISTA BIBLIOGRÁFICA - George Gamow (1904-1968)
Já aqui falei dos livros de divulgação do físico George Gamow, sobre cuja morte passam este ano 50 anos (na foto com a acctriz Ann Blyth). O Rómulo - Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra está a publicar listas bibliográficas sobre randes autores e sobre temas de actualidade. Eis a lista dos livros de Gamow que existem nas bibliotecas da Universidade de Coimbra:
George Gamow
(1904-1968)
Físico e divulgador científico russo, naturalizado norte - americano
Títulos disponíveis no RÓMULO CCVUC :
O Sr. Tompkins no país das
maravilhas, ou as histórias de c, G e h. Tradução de A. Sá da Costa. Lisboa : Cosmos,
imp. 1942. (Biblioteca Cosmos ; 14).
One, two, three... infinity
: facts & speculations of science. New York : The New American Library, 1953. (Mentor Book).
O Sr. Tompkins explora o
átomo. Tradução
de Rómulo de Carvalho. Lisboa : Livraria Escolar Editora, 1956. (Colecção
Natureza ; 4).
Un, deux, trois ...l'infini. Traduit et adapté par J.
et M. Gauzit. 2e éd. Paris : Dunod, 1963.
Matéria, terra e cosmos. Tradução Oswaldo de Araújo
Souza. Rio de Janeiro : Editôra Civilização Brasileira, 1964. 3 Vol.
Mr. Tompkins in paperback. Cambridge : University
Press, 1967.
The new world of Mr Tompkins : George Gamow's classic Mr. Tompkins in
paperback. Fully revised and updated by Russell Stannard. Cambridge : Cambridge
University, 1999. ISBN 0521630096.
O novo mundo do Sr. Tompkins. Revisão de Russell Stannard ; tradução Paulo Cartaxana, Sara
Torres Fevereiro. 1ª ed. Lisboa : Gradiva, 2005. (Aprender. Fazer Ciência ;
17). ISBN 9896160309.
Outros títulos disponíveis nas bibliotecas da UC:
Constitution of atomic nuclei and radioactivity. Oxford : Clarendon Press, 1931. (International
Series of Monographs on Physics).
Structure of atomic nuclei and nuclear transformations. 2ª ed. Oxford : Clarendon Press, 1937.
(International Series of Monographs on Physics).
Mr Tompkins in wonderland or stories of c, G, and h. Cambridge : The University Press, 1939.
Biografia da terra : seu passado, presente e futuro. Tradução Ruth Lobato e Monteiro Lobato. Rio de
Janeiro : Ed. da Livraria do Globo, 1946. (Tapete Mágico ; 22).
Theory of atomic nucleus and nuclear energy-sources. 3ª ed. Oxford : Clarendon Press, 1949.
(International Series of Monographs on Physics).
GAMOW,
George ; LOPEZ, Gigliola, ed. lit. - L'energia
atomica nella vita cosmica ed humana : cinquant'anni di radioattività.
[Verona] : Arnoldo Mondadori, 1950. (Biblioteca Moderna Mondadori ; 127-128).
The creation of the universe. New York : The Viking Press, 1952.
Biography of the earth : its past, present and future. New York : A Mentor Book, 1953.
The birth and death of the sun. New York : A Mentor Book, 1953.
Biographie de la terre : son passé, son présent, son
anenir. Traduit par Geneviève Guéron. Paris
: Dunod, 1956.
Matter, earth and sky. New Jersey : Prentice-Hall, 1958.
GAMOW,
George ; CLEVELAND, John M. - Physics
foundations and frontiers. Englewood Cliffs : Prentice-Hall, 1960.
Gravity: [classic and modern views]. London : Heinemann, cop. 1962. (Science
Study Series ; 17).
Thirty years that shook physics : the story of quantum
theory. Garden City : Anchor
Books-Doubleday, 1966. (Science Study Series ; 45).
My world line : an informal autobiography. New York : Viking Press, 1970.
Física. [Madrid] :
Aguilar, [1974]. (Ciencia y técnica. Física).
Mr. Tompkins' seltsame Reisen durch kosmos und
mikrokosmos. Wiesbaden : Vieweg, 1980. ISBN
3528084197.
As aventuras do Sr. Tompkins. Tradução A. M. Nunes dos Santos e Christopher
Auretta. 1ª ed. Lisboa : Gradiva, 1990. (Aprender fazer ciência ; 2). ISBN
9726621798.
*Nota: A presente lista foi elaborada de acordo com a NP 405 e está organizada
por ordem cronológica (do mais antigo para o mais recente).
RÓMULO CCVUC
Março 2018
Mª João Oliveira
sexta-feira, 30 de março de 2018
"CLUBE DOS POETAS VIVOS" - MINHA ENTREVISTA SOBRE EDUCAÇÃO
Minha entrevista a Susana Gonçalves, do Instituto Politécnico de Coimbra:
Recordando o Professor de Educação Física Anastácio Sarmento
“E
francamente devo dizer que levantar trinta quilos em cada pulso, trepar a um
quarto andar por uma corda, saltar a pés juntos um fosso com dois metros de
largura, me parece, com relação ao domínio do homem sobre o mundo exterior, uma
cousa tão importante, pelo menos, como fazer análise gramatical e a análise
lógica de uma oração de Cícero”.
José Ramalho Ortigão (1836-1915)
Viveu
Anastácio Sarmento a sua formação académica e múnus profissional num tempo em
que só havia em Portugal três universidades, duas em Lisboa, uma em Coimbra e
outra no Porto, com um acervo apenas de duas dezenas de cursos superiores.
Coexistiam com elas quatro escolas superiores não universitárias: o Instituto
Nacional de Educação Física, Arquitectura, Escola Naval e Academia Militar
todas com exigência curricular,
prestígio e dignidade (cf., Decreto-Lei n.º 36507, de 17 de Setembro de 1947).
Licenciou
o INEF nomes da cultura portuguesa de que destaco, a exemplo de outras vezes,
como “primus inter pares”, o nome de José Esteves autor do notável livro: “O
Desporto e as Estruturas Sociais”. Outros nomes houve, numa altura em que se
homenageia tantos medíocres e se olvida tanta gente de valor, que da lei do esquecimento têm sido vítimas, quiçá, pela
interioridade das terras em que exerceram uma docência digna de louvor.
Refiro-me, por exemplo, ao Professor Anastácio Sarmento, dando conta do seu
percurso docente e homem do desporto em terra de Viriato, ainda que em breves pinceladas exigidas por um "post". Assim:
Precocemente
falecido em 1980, o professor de Educação Física, de seu nome completo
Anastácio Campos de Aguiar Sarmento, licenciou-se, em 1955, pelo INEF, tendo exercido a docência na
Escola Industrial e Comercial de Viseu com uma acção multifacetada prestimosa, reconhecida
em várias e extensas reportagens e artigos jornalísticos laudatórios.
Assim,
nas décadas 60/70, evidencia-se no desempenho dos cargos de presidente do
Conselho Técnico e treinador regional de atletismo com resultados alcançados
nas pistas regionais e nacionais de atletismo. Igualmente, responsabiliza-se
pela organização de inúmeras provas para atletas federados e simples populares
que aderiram a esta modalidade olímpica que se virão a inscrever nos clubes e centros
escolares sob a égide da Mocidade Portuguesa.
É,
em consequência desta sua notável acção que, em 1965, um jovem de frágil
constituição física, rendido inicialmente à prática do futebol, experimenta a
prática do atletismo sob a orientação do Professor Anastácio Sarmento. Era ele
Carlos Lopes que viria a participar na sua primeira prova oficial, a corrida de
S. Silvestre em Viseu. Nascia, quiçá, em baptismo dos deuses do Olimpo, a
medalha de ouro portuguesa alcançada nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los
Angeles.
Em
recordação de personalidades para quem a gratidão não é palavra, vã transcreve-se
este comovente testemunho de Carlos Lopes (“Programa da RTP, 1994, ‘Com
peso e medida, com Nicolau Breyner´”):
“Eu
devo muito ao Professor Sarmento que, infelizmente, já faleceu. O Professor
Sarmento, que era professor de Educação Física, é que me levou muitas vezes,
mesmo muitas vezes, para a Escola Comercial onde me treinava, dava ginástica,
fazia tudo, mesmo quando eu não queria ele mentalizava-me que era possível e
que eu conseguia fazer. Desde o início, eu tive a sorte de encontrar pessoas à
altura para poder singrar na vida!”
De
uma vida plena de dádiva à sua profissão e falecimento de Anastácio Sarmento,
quando muito havia ainda a esperar da sua docência, procuro respaldo em Fernando Pessoa: “O valor das coisas não
está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem!”
Luís Moniz Pereira e a Inteligência Artificial
L. M. Pereira, Da Iluminação da Máquina—Da Ética & Computação, Invited Lecture at Inteligência Artificial & Robótica- Actualidade e futuros impactes sociais, Mesa-Redonda da Organização dos Trabalhadores Científicos, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Portugal, 28 March 2018. Talk Audio 34 mins (.mp3) Q&A Audio 7 mins (.mp3)
quinta-feira, 29 de março de 2018
O monge do hotel (mais falta de critério do Diário As Beiras)
Um mestre tibetano faz diagnósticos pelo pulso para examinar o estado dos humores num SPA. É irresponsável afirmar sem qualquer sentido critico que é possível diagnosticar doenças crónicas desta forma. Publicado hoje no Diário As Beiras, é inacreditável a falta de bom senso do jornal.
Sobre alguns cursos alternativos do Politécnico
Declarações que fiz ao jornalista Samuel Silva do Público:
“Não sei se não será uma terapia financeira para estas instituições, mas é de facto qualquer coisa de alternativo”, ironiza o professor catedrático de Física da Universidade de Coimbra, Carlos Fiolhais, que tem sido uma das principais vozes críticas da legislação que autoriza estes cursos superiores.
https://www.publico.pt/2018/03/26/sociedade/noticia/ja-foram-autorizadas-15-licenciaturas-em-terapias-alternativas-em-portugal-1808005
“Não sei se não será uma terapia financeira para estas instituições, mas é de facto qualquer coisa de alternativo”, ironiza o professor catedrático de Física da Universidade de Coimbra, Carlos Fiolhais, que tem sido uma das principais vozes críticas da legislação que autoriza estes cursos superiores.
https://www.publico.pt/2018/03/26/sociedade/noticia/ja-foram-autorizadas-15-licenciaturas-em-terapias-alternativas-em-portugal-1808005
Uma molécula é uma molécula
Artigo de opinião do David Marçal e meu no Público de hoje, encerrando a polémica com Leonor Nazaré, curadora de arte da Fundação Gulbenkian (na imagem, configuração isomérica da insulina, uma imagem científica que tem o seu lado artístico):
Leonor
Nazaré (LN), em resposta ao nosso artigo “Ainda as terapias
alternativas: um cachimbo é um cachimbo“ insiste em estafados clichés anti-ciência. Acusa-nos de termos “prescindido
de distinguir moléculas naturais de moléculas sintetizadas em laboratório”.
Essa dicotomia que LN acredita existir é totalmente falsa. Uma molécula de água
da cascata do Niágara é indistinguível de outra da água que sai do tubo de escape dos
automóveis,
como um dos gases de combustão: é constituída por dois átomos de
hidrogénio ligados a um de oxigénio, numa estrutura bem conhecida. Uma molécula
é uma molécula. Podem-se fazer em laboratório ou numa unidade industrial substâncias
químicas, todas elas constituídas por moléculas, que também existem na
Natureza. Por exemplo, é possível modificar geneticamente bactérias para
produzirem insulina. Essa insulina é igualzinha à produzida pelo pâncreas
humano: uma proteína feita de aminoácidos, cada um deles constituído por átomos
de carbono, oxigénio, azoto e hidrogénio, unidos por ligações químicas. Para os
receptores nas células dos diabéticos, a insulina produzida por organismos
geneticamente modificados serve perfeitamente. Mas ficamos na dúvida se para LN
serve.
Como
corolário desta ideia da superioridade natural vem o argumento tautológico: as
substâncias químicas são más por serem químicas e os produtos naturais são bons
por serem naturais. De facto, não há uma particular virtude no facto
de uma substância existir na Natureza. O colesterol, a
penicilina, a morfina, a cocaína, cicuta e a tetrodotoxina (o veneno neurotóxico do
peixe-balão) são todos produtos naturais. E um produto natural não é necessariamente
seguro, isto é, a Natureza não é só paz e amor. Os remédios alternativos à base
de plantas apresentam riscos sérios. Falámos já do natural mas perigoso ácido aristolóquico, usado
na medicina tradicional chinesa. Mas damos outros exemplos no nosso livro “A Ciência
e os seus Inimigos” (Gradiva, 2017). A origem natural ou sintética de um
produto não é um bom critério para avaliar a sua eficácia terapêutica e a sua
segurança. E
essa avaliação tende a ser problemática nos ditos remédios uma vez que, muitas
vezes, os consumidores ignoram o que está lá dentro. Num estudo saído na revista BMC Medicine foram usadas técnicas de
identificação por ADN para determinar as espécies presentes em remédios
alternativos à base de plantas. Mais de 59 por cento dos remédios
continham espécies não listadas no rótulo. Um problema são as interacções
prejudiciais com outros medicamentos que estejam a ser tomados. O Observatório de
Interações Planta-Medicamento, da
Universidade de Coimbra, compila e divulga essas interacções.
LN
afirma ainda que "A naturofobia decorre da cisão progressiva que a partir
do século
XVII levou o Homem a pensar na Natureza como se não fizesse parte dela e não
fosse, também ele, Natureza." É precisamente ao contrário: desde o século XVII, com a Revolução Científica, que se
passou a perceber cada vez mais que o homem faz parte da Natureza,
ultrapassando a visão teológica, prevalecente até então, que
separava Homem e Natureza. Hoje sabemos que o código genético - a linguagem dos
genes - é universal, pois todos os seres vivos o partilham. É precisamente isso
que permite introduzir numa bactéria o gene da insulina humana, que é compreendido
pela maquinaria de produção de proteínas das bactérias. Essa ubiquidade do código
genético é uma prova da origem comum dos seres vivos: descendemos todos de uma
célula primordial. Além disso, albergamos inúmeras bactérias no nosso corpo
(especialmente nos intestinos), que desempenham papéis relevantes nos nossos
sistemas digestivo e imunitário. Somos desde a nossa mais remota origem parte
da Natureza e a ciência tem revelado de forma cada vez mais nítida como estamos
unidos a ela. Não se percebe, portanto, a que cisão com a Natureza se refere
LN.
Não
vale a pena continuar uma discussão quando uma das partes ignora os factos
científicos e é insensível a argumentos racionais. Terminamos por onde começámos:
não faz nenhum sentido que o Estado, por via legislativa, valide terapias que não
funcionam. Esse caminho está em contraciclo com o de outros países. O Serviço
Nacional de Saúde em Londres vai
deixar de financiar remédios homeopáticos a partir de Abril, tal como já acontece, em geral, no Reino Unido.
É altura de também nós deixarmos de financiar as terapias alternativas,
acabando com a absurda isenção de IVA de que beneficiam. Num momento em que o
país enfrenta um inusitado surto de sarampo e se reafirma a necessidade da
vacinação, lembramos um relatório de
2012 do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças, segundo o qual
os utilizadores de medicinas alternativas têm taxas de vacinação mais baixas
do que o resto da população. O apoio estatal a medicinas alternativas pode ter
consequências
dramáticas.
quarta-feira, 28 de março de 2018
“Prós e Contras”: a ciência não é democrática
Artigo de Daniel Oliveira, publicado no Expresso Diário:
Esta segunda-feira, no “Prós e Contras” da RTP, um senhor que se diz “terapeuta de biomagnetismo” (seja lá o que isso for) foi apresentado como “doutor” e perorou, com base nos seus “estudos” de bulas e na Internet, sobre os riscos das vacinas. Dispensado de qualquer rigor científico, que a sua atividade comercial não exige, foi debitando “estudos” e “factos” sem temer o risco das consequências para a sua credibilidade. Porque ele não depende dela. Do outro lado, médicos e cientistas eram obrigados a argumentar num terreno impossível: a ciência contra a opinião.
Dizia a dada altura Fátima Campos Ferreira: “cabe aos cientistas convencer a sociedade...” Como é que um cientista convence a sociedade sem ser com argumentos científicos? E como se usam argumentos científicos perante uma plateia que não domina a ciência? Eu digo como: a ciência está dotada de instrumentos de escrutínio que permitem corrigir-se a si mesma. Coisa que a pseudociência não tem de fazer. Não precisa de prova, de controlo dos pares. Basta-lhe as redes sociais e a ignorância de quem os lê. Por isso mesmo podemos, com todos os erros, ir confiando no trabalho de cientistas e não temos nenhuma razão para confiar no que nos dizem os curiosos. Não porque a ciência seja infalível, mas porque a ciência tem os instrumentos para ir corrigindo as falhas. Isto não isenta os cientistas de fazer um bom trabalho de divulgação e pedagogia e há vários que se dedicam a isso. Mas se o objetivo é “convencer” uma sociedade que decidiu recuar uns séculos, e em vez de querer formação e informação exige ser convencida da validade da ciência, estarão derrotados à partida.
A nobre ideia democrática de que todos têm direito a ter uma opinião e a vê-la livremente expressa no espaço público transformou-se noutra coisa: a de que tudo o que é dito no espaço público tem o mesmo valor
Ontem, estavam de um lado pessoas que, nas suas intervenções públicas, têm o dever de refletir o estado da arte do conhecimento científico. É nele que se baseiam e as divergências que possam apresentar entre si resultam de controvérsias científicas que podem existir. Do outro, estava alguém que podia escolher os factos à sua medida, sem ter que prestar contas perante os seus pares, sem qualquer dever perante a comunidade. E que, ainda por cima, foi elogiado por várias pessoas pela sua “coragem”. Sim, vivemos um tempo em que a ignorância prosélita é uma qualidade humana.
David Marçal resumiu bem o desencontro do debate: uma coisa é uma controvérsia científica, outra é uma controvérsia social. Nas controvérsias sociais todas as posições são possíveis, nas controvérsias científicas não. Ao colocar o debate científico no patamar onde acontecem as polémicas sociais, não se ajuda a qualquer esclarecimento. Cria-se uma equiparação entre discurso científico e opinião onde a ciência está condenada a ser derrotada. Porque ela, ao contrário da opinião de um leigo, está presa a uma verdade que não pode ser simplificada ou torcida.
A nobre ideia democrática de que todos os homens e mulheres têm direito a ter uma opinião e em vê-la livremente expressa no espaço público transformou-se numa outra coisa: a de que tudo o que é dito no espaço público tem o mesmo valor. E que todas as formas de autoridade são antidemocráticas. O que quer dizer que a autoridade científica, que não nasce da autoridade de um indivíduo mas da autoridade do método científico e do trabalho coletivo da comunidade científica, vale o mesmo que uma busca na Internet. Esta ideia foi traduzida na tal frase da moderadora do “Prós e Contras” – que os cientistas têm de convencer a sociedade da validade do que foi cientificamente verificado. É este clima geral que explica as famosas “fake news” ou a resistência durante décadas, com resultados fatais para o futuro do nosso planeta, a todas as evidências científicas sobre as alterações climáticas.
O que se espera da televisão pública não é que procure abordagens picantes para temas importantes para conseguir audiências. O que se espera é que, mesmo que tente encontrar formas apelativas de tratar um tema, escolha a abordagens rigorosas. Neste caso, isso passava por não convidar um “terapeuta de biomagnetismo”, sem qualquer formação na área da saúde – usando o seu método científico, descobri na Net que é um empresário do ramo, tem “formação em economia” e está a fazer “um mestrado integrado em psicologia”. Havia um debate a fazer e era o que estava no título deste programa: perante a evidência científica das enormes vantagens da vacinação, ela deve ser obrigatória? Isto é uma polémica social para a qual podem ser chamados cientistas, profissionais de saúde e cidadãos comuns. Isto sim, depende de um debate informado mas democrático no qual pode haver opiniões diferentes que não dependem exclusivamente do domínio técnico e científico do tema. Porque muitos valores discutíveis estão em causa: o papel do Estado e da família, os deveres comunitários e a liberdade individual, os nossos direitos e deveres sobre as crianças. Já a ciência não é democrática. Porque nem a crença da maioria numa mentira faz dela uma verdade.
Homeopata cura pinheiro (ou como autarca da Figueira da Foz esbanja dinheiro público em patetices)
A homeopatetice atinge um novo nível, de acordo com o Diário As Beiras:
Uma homeopata e uma bióloga propõem tratar as palmeiras doentes da cidade da Figueira da Foz e combater a lagarta-do-pinheiro com produtos homeopáticos.
“A homeopatia pode ser utilizada em qualquer ser vivo”. Quem o afirma é a homeopata Emília Cardoso, brasileira, com residência na Figueira da Foz. Aquele tipo de terapia, de resto, está a ser utilizado numa quinta de vinho, no Douro, através de um composto elaborado pela homeopata, com a colaboração da filha, Patrícia Saldanha, licenciada em biologia.
Entretanto, Patrícia Saldanha propôs à Câmara da Figueira da Foz a mesma solução para as palmeiras doentes da cidade, afetadas pela praga do escaravelho-vermelho, e para os pinheiros infestados pela lagarta-do-pinheiro.
A autarquia já adjudicou o tratamento para as palmeiras e está a injetar um produto nos pinheiros. Entretanto, a bióloga vai ser recebida pelo vereador Carlos Tenreiro. “Se pudermos utilizar produtores amigos do ambiente, melhor”, defendeu o autarca ao DIÁRIO AS BEIRAS.
Claro que se forem várias toneladas de remédio homeopático, lançadas de um avião Canadair no Verão, pode ser que ajude a "tratar" os incêndios, uma vez que as mezinhas homeopáticas são só água e açúcar. Infelizmente a vontade de rir perde-se quando pensamos que um autarca está a esbanjar dinheiro público nesta patetice.
HAWKING ATRAVÉS DOS LIVROS
Meu artigo sobre os livros de Stephen Hawking no JL que saiu hoje:
O astrofísico e divulgador de ciência Carl
Sagan fez no seu livro Cosmos um
extraordinário elogio do livro: “Um livro é feito de uma árvore. É um conjunto de partes lisas e
flexíveis (que ainda se chamam folhas) impressas em caracteres de pigmentação
escura. Dá-se uma vista de olhos e ouve-se a voz de outra pessoa - talvez
alguém que já tenha morrido há milhares de anos. Através dos milénios, o autor
está a falar, com clareza e em silêncio, dentro da nossa cabeça, diretamente
para nós. A escrita foi talvez a maior das invenções humanas, ligando as pessoas,
cidadãos de épocas distantes que nunca se chegaram a conhecer. Os livros
quebram as cadeias do tempo, provam que os seres humanos são capazes de exerce
a magia.” É precisamente por existir essa comunicação mágica sob a forma de
livro que vamos continuar a ouvir o astrofísico inglês Stephen Hawking
(1942-2018), também ele como Sagan um divulgador de ciência. Hawking morreu,
mas os seus livros permanecem nas livrarias e bibliotecas à nossa disposição.
Ele é, acima de tudo, o autor de Breve
História do tempo, Do Big Bang aos
Buracos Negros, um livro, prefaciado por Carl Sagan, que vendeu mais de 10
milhões de cópias, no original inglês e em traduções em mais de 50 línguas. É
algo paradoxal que um cientista sem voz, devido a uma doença neurológica
progressiva que se manifestou na juventude, se tenha tornado num dos maiores
comunicadores de ciência de todos os tempos.
Breve
História do Tempo é, de facto, o livro de ciência mais popular de sempre.
Vendeu muito mais do que A Origem das Espécies
de Darwin e praticamente tanto como, por exemplo, A Divina Comédia, de Dante, ou O
Velho e o Mar, de Hemingway (sim, eu sei, ainda assim longe de Dom Quixote de Cervantes ou O Principezinho de Saint-Exupéry e muito
longe da Bíblia). A tradução
portuguesa foi publicada pela Gradiva no mesmo ano em que o livro saiu no
Reino Unido, em 1988, com o n.º 27 da colecção Ciência Aberta, sendo um dos livros mais vendidos dessa colecção. É
um clássico da divulgação científica. O original está esgotadíssimo, só se
encontrando em alfarrabistas. Mas está à disposição do público uma versão revista
e ampliada deste livro que comemora o 10.º aniversário do aparecimento da obra
(Gradiva, 2000), existindo também uma edição de capa dura e ricamente ilustrada
(fora de colecção, Gradiva, 1996). A partir da obra original foi preparada pelo
autor, em colaboração com o físico Leonard Mlodinow, uma versão para gente com
pressa, intitulada Brevíssima história do
tempo (fora de colecção, Gradiva, 2007).
Os dois livros mais recentes de Hawking, que são
fáceis de encontrar nos escaparates das livrarias, saíram ambos na colecção Ciência Aberta: O Grande Desígnio (Gradiva, 2011, escrito em colaboração com Mlodinow,
n.º 188 da Ciência Aberta), onde os
autores actualizam alguma da informação contida em Breve História do tempo, e A
Minha Breve História (Gradiva, 2014, n.º 206 da mesma colecção), que, como
o título indica, é uma breve autobiografia. Recomendo os dois para quem já leu
a Breve História do Tempo.
Entre a Breve História do Tempo e estes últimos livros o físico inglês
publicou outros, que vale a pena enumerar: com Gene Stone, O universo de Stephen Hawking. Difusão Cultural, 1994,
relativo a um documentário sobre a vida e obra de Hawking; Buracos negros e
universos bebés e outros ensaios, Asa, 1994 (colectânea de textos); com outros,
Prevendo o futuro, Europa-América, 1995 (n.º 31 da colecção Forum da Ciência, textos variados de futurologia); com Roger Penrose, A natureza do
espaço e do tempo, Gradiva, 1996 (n.º
3 da colecção Trajectos Ciência; um
livro mais técnico); O fim da Física, com prefácio meu, Gradiva, 1994 (nº
63 da colecção Ciência Aberta; o
título remete para a lição inaugural de Hawking quando passou a ocupar em
Cambridge a cadeira que foi de Newton); O Universo numa casca de noz,
Gradiva, 2002 (fora de colecção; volume com capa dura e ilustrado); A teoria de tudo: a origem e o destino do
universo, Gradiva, 2010 (n.º 186 da colecção Ciência Aberta).
Hawking
foi também o compilador, o apresentador e comentador de uma obra monumental que
reúne os textos fundamentais da Física, de Copérnico a Einstein, passando por Kepler,
Galileu e Newton: Aos ombros de gigantes,
Texto Editores, 2010.
Coordenei a tradução para português europeu (havia uma tradução brasileira) e escrevi
o prefácio. Com cerca de 1300 páginas, o
livro ainda se encontra no mercado. O comprador ficará com a estante carregada
de génios.
Os
leitores mais jovens podem aprender com Hawking nos cinco livros que a sua
filha Lucy (o físico teve três filhos) escreveu com ele e que entre nós estão todos
publicados pela Presença: A Chave Secreta
para o Universo (2008), Caça ao tesouro no espaço (2009), George e o Big
Bang (2012), George e o código secreto do Universo
(2017) e George a Lua Azul (2017).
Hawking tornou-se, ainda em vida, uma lenda da ciência, não apenas por
causa dos seus trabalhos sobre o Big Bang
e os buracos negros, mas também como, ele próprio admitia, por o seu cérebro
estar aprisionado num corpo quase inerte. E é bastante provável que essa lenda se
venha a avolumar. Livros em português sobre Hawking e a sua notável obra tanto
na ciência como na comunicação são, por ordem cronológica de publicação entre
nós: Kitty Ferguson, Stephen Hawking: em busca de uma teoria do tudo,
Difusão Cultural, 1993; John Gribbin e Michael
White, Stephen Hawking: breve história do génio. Europa-América, 1993 (n.º
23 da colecção Forum da Ciência); David
Filkin, O universo de Stephen Hawking: uma explicação do cosmos, o Big
Bang, buracos negros, anãs brancas, distorções temporais, a vida, o Universo e
tudo o resto, explicado em linguagem acessível, com prefácio de Stephen
Hawking, Alfa, 1998; Paul Strathern, Hawking em 90
minutos. Inquérito, 1999; Carlos Fiolhais, in 10 livros que mudaram o mundo,
Quasi Edições, 2005 (selecção de comentários sobre grandes livros organizada
pela Biblioteca Municipal de Oeiras); Kitty Ferguson, Stephen Hawking:
aventuras de uma vida: a história e a ciência de uma das mais extraordinárias e
corajosas figuras do nosso tempo, Dom Quixote, 2012; Jane Hawking, Viagem
ao infinito: a extraordinária história de Jane e Stephen Hawking, Marcador,
2015 (este livro, escrito pela primeira mulher de Hawking, deu origem ao filme Teoria de Tudo, do realizador inglês James
Marsh, de 2014, que valeu um Óscar de melhor actor ao Eddie Redmayne); e Daniel
Smith, Pensar como Stephen Hawking: biografia inspiradora do cientista
mais famoso do mundo, Amadora, Vogais, 2017.
Hawking introduz-nos, através dos seus livros, nos grandes mistérios do
Universo: o mistério do início de tudo (Big
Bang) e o mistério do fim de tudo (buracos negros). O seu maior feito
científico foi ter ensaiado uma junção, embora limitada, da teoria da
relatividade geral de Einstein, que descreve o mundo em larga escala, incluindo
o Big Bang e os buracos negros, com a
teoria quântica de Planck, Bohr, Heisenberg e Schoredinger, que descreve o
mundo a pequena escala. De acordo com essa junção, os buracos negros podem
afinal não ser negros, por emitirem radiação. A “radiação de Hawking”,
proveniente dos buracos negros, é uma previsão do astrofísico que ainda não foi
confirmada mas que um dia poderá sê-lo. Talvez essa radiação venha a ser compreendida
no quadro de uma “teoria de tudo”, uma teoria ampla e coerente que inclua a teoria
da relatividade geral e a teoria quântica que é actualmente procurada por
muitos físicos. Nas palavras metafóricas de Hawking conseguir essa teoria seria
ler o “pensamento de Deus.” Mas a palavra de Deus está aqui a ser usada, como
de resto Einstein fez, como sinónimo de ordem ou harmonia do mundo. Einstein
afirmou um dia: “Deus é subtil mas não malicioso”. Não significa que ele
acreditava no Deus da Bíblia, mas sim
que o mundo tem uma ordem intrincada mas não tão intrincada que não possa ser
decifrada pelo homem. Hawking tentou, na senda de Einstein, decifrar a ordem do
mundo e nós, ao lê-lo, podemos aproximar-nos dessa ordem.
As mães anti-vacinas da TVI, analisadas por Joana Marques
Joana Marques fala das mães anti-vacinas que a TVI descobriu e a quem resolveu dar a palavra, para dar rédea solta aos disparates. A autora do programa "Extremamente Desagradável" da Antena 3 é humorista, mas o ridículo das opiniões anti-vacinas é imbatível.
Vygotsky: "famoso ... antes de ser lido e conhecido" - 1
"De nada adianta a técnica, se o tradutor não assumir o compromisso
ético
diante do autor da obra original. E esse compromisso não deve
anular a tarefa do tradutor, que também cria com base em suas experiências,
mas ele deve primordialmente exercer o papel de suporte da alteridade
do autor,
para que a sua ausência se presentifique no texto traduzido.
Não se trata de negar a técnica, mas ela de nada vale se aquele que se
propõe
a traduzir não se recolher, não se submeter ao autor, respeitando
totalmente seu texto sem se impor a ele, para que o pensamento do autor
surja com a maior intensidade possível na tradução." Zoia Prestes
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) é, sem dúvida, um dos autores mais mencionados nas reformas dos sistemas de ensino e nos documentos curriculares que delas derivam, bem como nos trabalhos académicos que se realizam no âmbito da pedagogia ou que se querem fazer passar por isso. Digamos que existe uma "conjuntura" em que fica bem citá-lo. É, contudo, em geral, muito mal mencionado, sendo-lhe frequentemente atribuídas ideias opostas àquelas que defendeu.
Chegado ao português [de Portugal e do Brasil] através de traduções em segunda, terceira ou quarta mão [sobretudo do francês e do inglês de Inglaterra e da América] de alguns (poucos) documentos com supressões, deturpações e confusões sobretudo da responsabilidade do regime soviético e sem o acompanhamento que o estudo aprofundado permite, ficou, como Newton Duarte (1996, p.18) diz "famoso ... antes de ser lido e conhecido".
Era, na verdade, esta a ideia que as autoras do presente texto tinham e, por isso mesmo, evitaram citar Vygotsky... até há pouco tempo.
O que mudou foi o facto de, quase por (feliz) acaso, lhes ter chegado às mãos o trabalho de uma investigadora brasileira com o perfil ideal de tradutora e exploradora da obra deste autor: tem formação em psicologia e em pedagogia, com especialização na educação de infância, além de que domina o russo na perfeição (foi para a União Soviética em criança e lá esteve até ao início da vida adulta).
Trata-se de Zoia Prestes, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Com o seu trabalho, a obra de Vygotsky e, em particular a teoria histórico-cultural (que ele ajudou a construir e a que nunca atribuiu designação), ganha um novo e esplêndido sentido.
Prestes revisitou as circunstâncias de vida do autor que escolheu como objecto da sua tese de doutoramento: voltou à Rússia e "mergulhou no contexto em que Vigotski desenvolveu seu pensamento [muito marcado pela guerra e pela censura política] (...) leu cartas que estavam eram dadas como perdidas (...) entrevistou familiares, teve acesso aos materiais escritos na língua russa, comparou edições das obras publicadas em diferentes línguas" (Cericato, 2015, p.279).
Eis uma passagem em que Prestes alude aos inúmeros equívocos que se infiltraram na obra em questão:
Estudos comparativos revelaram que os textos que estão em A formação social da mente (1984, 1998, 1999) têm muito pouco ou quase nada em comum com as obras originais publicadas na União Soviética e, mais recentemente, na Rússia. Ou seja, dificilmente se pode dizer que são trabalhos do mesmo autor em línguas diferentes. Portanto, pode-se afirmar que o livro é levianamente atribuído a Vigotski, pois não foi escrito por ele. Além desse fato, os organizadores do referido livro parecem se eximir de qualquer responsabilidade pelos textos publicados. Caso o leitor seja descuidado e não leia a introdução, jamais saberá que se trata de uma tradução editada, e a responsabilidade de atribuir a autoria dos textos a Vigotski será dele e não dos organizadores do livro (2013, p.297).E, reportando-se ao Brasil, mas sendo certo que Portugal não está distante, diz:
O pensamento de Vigotski, até os dias de hoje, não foi levado a sério (...) no sentido de que suas ideias são empregadas apenas como maquiagem e não como eixo orientador para profundas transformações na escola, transformações essas que devem inverter a organização das atividades, não em função do professor, mas em função dos estudantes. Sem dúvida, isso não se pode atribuir apenas ao fato de as traduções de suas obras serem mal feitas. As traduções são na verdade, apenas cúmplices, assim como a censura e os cortes sofridos por suas obras também o são. Porém, o que é preciso evidenciar é que o nome de Vigotski e suas ideias servem meramente para legitimar o mesmo trabalho que sempre foi e continua sendo realizado na escola. Isso contraria o próprio Vigotski, que, por exemplo, jamais utilizou Marx para remendar ideias do seu pensamento; ele usa o método de Marx para estruturar a sua teorização e não para legitimar o que pensa (p. 236, citada por Cericato, 2015, p.284)Não... Vygotsky não é um radical de esquerda, nem defende a mudança radical da escola, no pressuposto de que alunos são capazes de construir sozinhos o seu próprio conhecimento, como muitas vezes se afirma. Noutro texto explicar-se-á esta afirmação.
Maria Helena Damião e Cláudia Chistina Rocha
Referências bibliográficas:
- Cericato, I. (2015). Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Semionovitch Vigotski. Educar em Revista, n.º 56, 279-284.
- Prestes, Z. (2013). A sociologia da infância e a teoria histórico-cultural: algumas considerações. Revista Educação Pública, n.º 22 (49/1), 295-304.
- Vasconcelos, G.S.M., Buss-Simão, M., Fernandes, S.C.L. (2014). Entrevista com Dra. Zoia Prestes. Zero-a-seis. Revista Eletrônica (Núcleo de Estudos e Pesquisas de Educação na Pequena Infância), n.º16 (30), 340-352.
terça-feira, 27 de março de 2018
AS VACINAS DEVEM OU NÃO SER OBRIGATÓRIAS?
David Marçal opôs-se modo muito claro ao representante dos movimentos anti-vacinas que apareceu no último programa "Prós e Contras". Ver aqui o programa:
https://www.rtp.pt/play/p4234/e338029/pros-e-contras#sthash.YRI9UHZV.gbpl
MEU PREFÁCIO A "POÇÕES E PAIXÕES. QUÍMICA E ÓPERA", DE JOÂO PAULO ANDRÈ
Em exclusivo aqui o meu prefácio a um livro sensacional que acaba de ser publicado na colecção "Ciência Aberta" da Gradiva:
A ÓPERA E A QUÍMICA: DUAS FITAS
DE UMA SÓ HÉLICE
Sendo a arte mais antiga que a
ciência, as ligações entre arte e ciência são tão antigas quanto a ciência. A
moderna ciência, nascida com a Revolução Científica nos séculos XVI e XVII,
apareceu logo em palco nessa época, surgindo os cientistas ou proto-cientistas como
personagens por vezes admirados e noutras vezes amaldiçoados. A Trágica História da Vida e Morte do Doutor Fausto,
do dramaturgo inglês Christopher Marlowe, cuja première ocorreu em Londres cerca de 1592, conta a história de um
alquimista alemão que aspira ao saber absoluto e, portanto, ao poder absoluto e
que, para alcançar os seus fins, assina, com a tinta do seu próprio sangue, um
pacto com o demónio, no qual se compromete a entregar-lhe não só o corpo como a
alma. O demónio oferece-lhe em troca um livro que lhe permite, entre outras
coisas, obter ouro, o elemento químico que está desde a mais remota antiguidade
associado à riqueza. O final desta tragédia, mais tarde retomadoa por Goethe e por vários
outros autores, é bem conhecido: o Doutor Fausto, apesar do seu arrependimento,
acaba nas chamas do Inferno. A moral é que há um preço a pagar pela hubris humana. Estávamos num tempo,
antes da química científica (que só surgiria, com o francês Antoine-Laurent Lavoisier,
no final do século XVIII), mas no qual despontava um novo método de aquisição
do saber, num processo que passaria pelo italiano Galileu Galilei, na física, e
pelo inglês William Harvey, na medicina. Começou nesse tempo a ser claro que
saber significava também poder. No então vasto império português, uma ligação
entre arte e ciência tinha ficado patente três décadas antes, em 1563, quando o
médico Garcia da Orta, o autor dos Colóquios
dos Simples (uma obra de botânica pioneira à escala global), pediu ao seu
amigo Luís de Camões para escrever alguns versos introdutórios. Ciência e arte
estão desde há muito entrelaçadas.
O Doutor Fausto conheceu numerosas versões operáticas, das quais a
mais famosa é talvez a que foi composta pelo francês Charles Gounod e estreada
em Paris em 1859. Mas a primeira ópera data precisamente do tempo do primeiro
Fausto. Conforme o químico João Paulo André lembra no preâmbulo deste seu livro,
essa ópera é Dafne, uma peça musical representada
em Florença em 1597. O autor da música foi o compositor e cantor italiano Jacopo
Peri, em colaboração com Jacopo Corsi, tendo o libreto sido escrito por um outro
italiano, o poeta Ottavio Rinuccini. O espectáculo é hoje irrepetível, pois da
música original só restam alguns fragmentos. O ideário do grupo Camerata Fiorentina, onde aqueles nomes
pontificavam, consistia em revitalizar a antiga tragédia grega, cantando o
texto em vez de o recitar. O enredo, como é contado neste livro, baseia-se num dos
mitos da Antiguidade Clássica: Apolo, o mais belo deus do Olimpo, apaixona-se perdidamente
pela ninfa Dafne após ter sido atingido por uma flecha de Cupido que continha
ouro na ponta. Mas, querendo trocar as voltas a Apolo, Cupido atinge também
Dafne com uma flecha com chumbo, um metal vil, que vai provocar nela a rejeição
do continuado assédio. Perseguida na floresta, Dafne, desesperada, acaba por pedir
ajuda ao seu pai, um deus que a transforma num loureiro (o momento mágico da
transformação foi fixado em mármore por Gian Lorenzo Bernini). E Apolo, para
trazer o seu amor perenemente consigo, passa a usar uma coroa de louros na
cabeça. A ópera Dafne haveria de dar
origem a outras sobre o mesmo tema, por exemplo, a primeira ópera em língua
alemã, estreada em Torgau em 1627, da autoria, respectivamente música e texto,
de Heinrich Schütz e Martin Opitz.
Estando dois elementos químicos presentes
em Dafne, podemos dizer que a química
está na ópera logo desde o seu berço. E continuou nela ao longo da história desse
género musical que chega em expansão crescente até aos dias de hoje, conforme o
químico João Paulo André, tão claramente mostra com abundantes exemplos. Ele
atinge os nossos cérebros com uma “flecha de ouro, que nos deixa interessados
pelo tema. O autor enfatiza não só o papel na ópera de substâncias químicas
simples, como os metais, mas também o de substâncias mais complexas como as poções,
as quais possuem invulgares virtudes transformadoras: eram substâncias
procuradas pelos alquimistas, que se nalguns casos eram remédios milagreiros
noutros se revelavam rapidamente fatais. Na ópera Tristão e Isolda, do alemão Richard Wagner, estreada em Munique em
1865, dois amantes ingerem uma poção mágica. Na ópera Romeu e Julieta, de Charles Gounod, estreada em Paris em 1867,
Julieta, tal como na tragédia homónima de Shakespeare, ingere uma bebida que a
faz cair num estado cataléptico. Na ópera as poções têm ajudado ao início e ao
fim de intensas paixões.
Falando de paixões de um ponto de
vista mais actual, o autor lembra-nos os ensinamentos da moderna bioquímica: são
afinal substâncias químicas que explicam a “química do amor”, o que torna a
ligação entre ópera e química bastante mais profunda do que os exemplos
anteriores já evidenciavam. Quando Goethe intitulou um dos seus romances “As
Afinidades Electivas” pretendia associar as ligações que se fazem e desfazem
entre seres humanos (ainda hoje se diz que entre duas pessoas há “uma boa
química”) às ligações, omnipresentes na Natureza, entre substâncias químicas.
Mas hoje sabemos que no nosso corpo existem hormonas, como a testosterona e a
progesterona, associadas à sexualidade e neurotransmissores, como a β-feniletilamina,
cujos níveis estão correlacionados com estados amorosos. Se o amor está
praticamente por todo o lado na ópera, então poderemos dizer com toda a
propriedade que o mesmo acontece com a química.
E as ligações entre química e
ópera não se ficam por aqui. É curioso referir que o compositor italiano Claudio Monteverdi, autor da primeira
obra-prima operática, L’Orfeo (que se baseia no mito de Orfeu e Eurídice,
outra história de malfadada paixão, onde desta vez entra um veneno), estreada
em Mântua em 1627, era um entusiasta pela alquimia, a “Grande Obra”. Pouco
depois da sua morte, um músico escreveu uns versos encomiásticos que dedicou ao
“Gran Professor della Chimica”. Um grande elogio, embora decerto exagerado. Na
história da ópera, houve porém um autor canónico que foi professor de Química
numa escola superior, o russo Aleksandr Borodin, autor de Príncipe Igor, ópera estreada em São Petersburgo em 1890.
João Paulo André prodigaliza estas
e outras associações, algumas porventura inesperadas para o leitor comum, que relacionam
de uma forma assaz sedutora ópera e química, a “obra de arte total”, por
combinar uma variedade de artes, e a “ciência do meio”, por estar no seio de
outras ciências. Conduz-nos, ao longo de dez capítulos entre o preâmbulo e o
epílogo, numa agradável viagem ao extraordinário mundo da química através do
fio condutor da ópera que é, ao mesmo tempo, uma viagem ao encantatório mundo
da ópera através do fio condutor da química. Química e ópera são, para ele, duas
fitas da mesma hélice, numa bela metáfora em que invoca a molécula do ADN, a
pedra angular de todas as manifestações de vida que conhecemos.
Os exemplos de óperas conhecidos
com minúcia pelo autor que, de uma forma ou de outra, recorrem à química chegam
até à actualidade. Por exemplo, Madame Curie, a famosa física e química polaco-francesa
que foi a única cientista a ganhar dois prémios Nobel de duas disciplinas
científicas, foi fonte de inspiração da ópera Madame Curie, estreada em Paris em 2011, no Ano Internacional da
Química, que assinalava os cem anos do seu segundo Nobel. Foi sua autora a
compositora polaca Elzbieta Sikora, num preito tanto à terra natal de Madame
Curie como ao talento feminino. O físico de origem alemã Albert Einstein, que
foi amigo e admirador de Madame Curie (e que, por isso, aparece na ópera atrás
referida), foi também figura central de algumas óperas, nomeadamente Einstein on the Beach, dos americanos
Robert Wilson e Philip Glass, estreada em Avignon em 1976.
Em 1959 o físico-químico e
romancista inglês Charles P. Snow discutiu, numa famosa conferência que
proferiu em Cambridge, o problema da separação entre duas culturas, a cultura
literária (ou, mais em geral, a cultura artística) e a cultura científica. Deu
como exemplo a obra do dramaturgo inglês William Shakespeare (um contemporâneo
de Marlowe e de Galileu) e a Segunda Lei da Termodinâmica, o primeiro celebrado
por todos os literatos e a segunda ignorada por eles com a mesma unanimidade.
E, contudo, Shakespeare e a Segunda Lei estão mais ligados do que geralmente se
pensa. O professor de Química americano A. Truman Schwartz escreveu: “A Segunda
Lei parece conduzir as tragédias de Shakespeare: no Rei Lear é libertada uma entropia prodigiosa.” Se fosse mais conhecedor da cultura portuguesa, Snow poderia,
para além de Shakespeare, ter referido Luís de Camões, que, antecedendo o bardo
de Stratford-upon-Avon, escreveu que “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
/ Muda-se o ser, muda-se a confiança/ Todo o mundo é composto de mudança/ Tomando
sempre novas qualidades,” que não é mais do que um enunciado poético da Segunda
Lei da Termodinâmica.
Os tempos mudaram. Hoje, passado
mais de meio século sobre a questão das duas culturas, é geralmente reconhecido
que a ciência é um ramo da vasta cultura humana, tal como a arte é outro. Há só
uma cultura, mas, se a virmos como uma longa hélice, poderemos falar de duas
fitas unidas por travessões. O químico americano contemporâneo Carl Djerassi,
um dos inventores da pílula anticoncepcional, ensaiou com a escrita de peças de
teatro baseadas em temas de ciência a construção de pontes entre ciência e o
teatro. Algo semelhante fez um outro químico americano, Roald Hoffmann, Prémio Nobel
da Química de 1981, que escreveu poemas de temática científica para além de ter
partilhado com Djerassi a autoria da peça Oxigénio,
que conta a descoberta desse elemento. E, entre nós, Jorge Calado, que, sendo um
professor de Química, é também um grande especialista em ópera. João Paulo
André, professor de Química e entusiasta da ópera, tem a quem sair e sai-se
muito bem neste seu primeiro livro. Com esta obra, ganha o estatuto de professor
de Química e Ópera, um título exigente a que poucos poderão aspirar mesmo à
escala mundial. Há muitos mestres de Química e, embora em menor número, não são
poucas as pessoas que ensinam Ópera. Mas há poucos, muito poucos, mestres de
Química e Ópera, sábios que consigam fascinar-nos com o entrelaçamento da ciência
e da arte. O autor do livro que o leitor tem em mãos é um mestre das duas
culturas que afinal são uma só.
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