,
É do físico inglês Isaac Newton a
conhecida expressão “Se consegui ver mais longe foi porque estava aos ombros de
gigantes”. A frase é correntemente interpretada como significando que a ciência
é cumulativa: Newton baseou-se nos trabalhos das gerações anteriores, como os
de Copérnico, Galileu e Kepler e, do mesmo modo, Einstein baseou-se nos
trabalhos de Newton para chegar mais além. Um dia alguém subirá aos ombros de
Einstein, já que o processo de construção da ciência não tem fim à vista. A
ciência é um dos mais formidáveis empreendimentos humanos: consiste em
conciliar a tradição – o que já se conhece bem sobre o mundo – com a inovação –
o que se vai descobrindo, usando o método científico. O que se descobre tem sempre
de respeitar aquilo que se conhece bastante beem.
O jovem físico português Marinho
Lopes não só sabe bem o que é a ciência, em particular o processo de construção
da ciência, como sente o ímpeto de o transmitir aos outros essa sua sabedoria,
juntando-se a colegas seus no alargamento da cultura científica. Para isso
serve-se de um blogue que alimenta desde 2007, Sophia of Nature, a Sabedoria da Natureza, com o subtítulo
“Conhecimento é poder” (um aforisma do jurista e filósofo inglês Francis Bacon,
um dos primeiros teorizadores da ciência quando esta, no século XVII, começou a
surgir com a forma que tem hoje). Esse blogue, que cobre numerosos tópicos de
física, de matemática e da especialidade científica do autor, que é a modelação
físico-matemática em neurociências, contém um conjunto de textos bem escritos,
que são úteis para quem se queira iniciar nos assuntos da física ou para quem
queira complementar a formação de base que já possua.
O livro que o leitor tem em mãos
é uma selecção de textos desse blogue, estando os temas ordenados por
capítulos. A abrir o leitor encontrará um capítulo introdutório, intitulado
“Criar ciência”, que explicita o processo de construção da ciência. A explicação
dada por Newton sobre o movimento da Lua
em torno da Terra – a força de gravitação entre a Lua e a Terra - é o tema do
capítulo seguinte, ao qual se segue uma explicação das marés – causadas afinal pela
mesma força. Mesmo que o leitor já esteja familiarizado com a física básica,
aprende sempre qualquer coisa como, por exemplo, o facto de a Lua se estar a
afastar da Terra de uma distância de quatro centímetros em cada ano. Não só a
Lua não cai sobre nós, como está, embora lentamente a fugir de nós,
contrariando o senso comum. Seguem-se outros dois capítulos sobre astronomia:
um, um pouco mais quantitativo (não muito, como bom divulgador, o autor evita a
matemática), sobre medições astronómicas e o outro sobre movimentos celestes.
Mais uma vez um leitor eventualmente mais sábio pode aprender alguma coisa, por
exemplo, o surpreendente facto de que o Natal pode muito bem vir a ser no
Verão, no hemisfério Norte, devido ao movimento de precessão do eixo de rotação
da Terra. Segue-se uma apresentação das leis de conservação, que são
importantíssimas em física - por
exemplo, a rotação da Terra em torno do seu eixo respeita a lei de conservação
do momento angular -, e uma breve digressão sobre o pêndulo de Foucault, uma
maneira engenhosa de medir, sobre a Terra, esse movimento. Dois pequenos
capítulos sobre os balões de ar quente e sobre o fogo precedem uma discussão,
maior e mais fundamental, sobre as quatro forças básicas da Natureza, que
permitem as relações entre as partículas que constituem o mundo. O carácter
dual da luz e da matéria, que está no cerne da
mecânica quântica, precede um capítulo sobre esta teoria. Por último, surgem
alguns capítulos sobre temas avulsos, como a supercondutividade, os malefícios de
algumas radiações, os sentidos que nos permitem percepcionar o mundo à nossa
volta e o movimento browniano, isto é, o misterioso movimento de um pólen em
suspensão na água que levou no século XIX ao ganho de confiança na hipótese
atómica, trazendo á atenção dos nossos sentidos uma realidade até então
invisível.
O autor, licenciado e doutorado
na Universidade de Aveiro e a trabalhar actualmente como investigador na
Universidade de Exeter, no Reino Unido (pertence a uma geração de portugueses
que não conhece fronteiras geográficas), sabe do que fala, pelo que o livro
está cientificamente correcto. Sem prejuízo do rigor, o Marinho Lopes faz um louvável
esforço de simplificação com o objectivo de tornar inteligíveis conceitos e
teorias que podem não ser de compreensão fácil para quem lhes seja estranho.
Por exemplo, logo no início apresenta uma analogia divertida entre fazer
ciência e cozinhar arroz. E serve-se de figuras esquemáticas sempre que
necessário.
Eis pois uma obra de leitura leve
que recomendo a quem tenha curiosidade por assuntos de física. Não poderá existir
ciência se a sociedade, que a sustenta, não tiver a mínima noção do que ela é.
Para levar a ciência a todos são evidentemente úteis tanto blogues como livros,
que obviamente se somam a outros meios como a imprensa, a rádio e televisão, os
museus e centros de ciência, etc. Todos os meios são úteis! Os cientistas têm
particulares responsabilidades na transmissão dos conhecimentos e, acima do
tudo, do extraordinário método que os proporciona. Eles são “enviados
especiais” da Humanidade às fronteiras do conhecimento e a Humanidade quer também
saber aquilo que eles sabem. O autor está de parabéns por manifestar sob a forma, provavelmente mais
perene, de livro a sua paixão pela
ciência, que já estava visível na Internet.
Coimbra, 31 de Dezembro de 2017
Carlos Fiolhais
Professor de Física da
Universidade de Coimbra e divulgador científico
1 comentário:
"Para levar a ciência a todos são evidentemente úteis tanto blogues como livros, que obviamente se somam a outros meios como a imprensa, a rádio e televisão, os museus e centros de ciência, etc."
"Para levar a ciência a todos" os meios mais adequados e poderosos deveriam ser as escolas básicas e secundárias, através dos seus professores licenciados em Ciências, que, apesar dos tempos tristes que atravessam, não merecem o esquecimento a que são votados por um "etc" insignificante a fechar o rol das instituições que fazem divulgação científica.
"Segue-se uma apresentação das leis de conservação, que são importantíssimas em física - por exemplo, a rotação da Terra em torno do seu eixo respeita a lei de conservação do momento angular -, e uma breve digressão sobre o pêndulo de Foucault, uma maneira engenhosa de medir, sobre a Terra, esse movimento." Sobre este pequeno excerto do artigo, cumpre-me esclarecer que os maiores pedagogos em ciência da atualidade não consideram importantíssima a Lei da Conservação do Momento Angular, de outro modo esta não teria sido banida, juntamente com o pêndulo de Foucault, por serem matérias de que os alunos finalistas mais preguiçosos não gostam!
Para sairmos deste pântano cognitivo em que caímos, temos de nos agarrar novamente à Educação, agora com mais paixão do que na primeira vez!
Enviar um comentário