quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

"A nova censura cultural" ou uma (boa) intenção de proteger sensibilidades

Paula Corroto, jornalista espanhola, autora de um dos artigos citados em texto anterior - Não matem a leitura nas escolas -, publicou na última revista Letras Libresdeste mês de Fevereiro, um artigo intitulado La nueva censura cultural que se apresenta assim:
"Com a intenção de proteger sensibilidades, sectores de todo o espectro ideológico pedem a retirada ou proibição de obras de arte. Estamos perante uma nova censura cultural."
Do texto (que também pode ser encontrado aqui), destaco duas passagens com particular pertinência no campo da educação escolar, particularmente permeável à "nova censura": uma sobre as suas causas e outra sobre a figura dos ofensores e dos ofendidos.

As causas da "nova censura"
"Do ponto de vista político, Manuel Arias Maldonado, professor de ciência política da Universidade de Málaga e autor de livros como La democracia sentimental (Página Indómita, 2016) [refere que a primeira causa] tem a ver, precisamente, com a sua tese sobre o novo sentimentalismo, quer dizer «com um desejo de proteger quem possa sentir-se ofendido, a nova patologia das sociedades ricas, porque quando falamos de sentimentalização dos conflitos não deixa de ser um luxo. São preocupações não materialistas porque está menos em causa a distribuição de salários e mais os códigos a partir dos quais comunicamos». Dito de outra maneira: quanto mais ricos somos, mais fina é a nossa pele. Ou, de modo mais simplista, quando não há um problema muito grave faz-se um drama a partir de qualquer coisa, a priori banal. A segunda causa assenta na «articulação identitária dos grupos sociais. Quando alguém se identifica com um grupo sente-se atacado na sua auto-estima quando esse grupo é criticado. Estabelece-se um vínculo entre a nossa auto-estima e o grupo a que estamos ligados»”.
Os novos ofendidos
"Não são apenas os ultraconservadores que decidem tapar o seio de uma estátua, paradoxalmente a maioria das novas investidas de censura são de grupos que, em princípio, actuam de boa fé, a partir daquilo que consideram «bom» para a sociedade (não insultar os negros, não expor os menores a imagens de carácter sexual). De facto, há um conjunto de emoções, sentimentalismo, preocupação com o «politicamente correcto» que acaba conduzindo ao lado obscuro das liberdades (a um raciocínio do tipo «sou livre de exigir que se proíba algo porque me ofende») e à aparição da vitimização (outra fórmula para definir a nova ofensa) (...)
Pelo menos é assim que o entende Daniel Gamper, professor de filosofia moral da Universidade Autónoma de Barcelona, quando assinala que (...) «se numa sociedade se chega a um consenso para deixar de usar determinadas palavras, seria ético dizer que isso é censura, que tem, portanto, a ver com a batalha da libertade [agora substituída pela] batalha das minorias».
Como explica Arias Maldonado, «a esquerda tradicional era um movimento que se propunha acabar com os tabús, garantir os direitos humanos, etc. Uma vez que isso já está feito, há que mudar o rumo: ser conservador para manter o bem-estar. Quando se centra o debate naquilo é que pessoal passa-se a pensar que os sujeitos se formam a partir das experiências pelas quais passam e ficam e indefesas quando precisam de reagir a certas influências (...). É um assunto de hetero-subjectividade. Teme-se produzir algum dano psicológico e emocional» (...).
Para Victoria Camps, filósofa e catedrática emérita de ética da Universidade Autónoma de Barcelona, autora de livros como El gobierno de las emociones (Herder, 2011), esta reacção exagerada da esquerda observa-se inclusivamente na linguagem (...). Há quem pense que se o uso metafórico da palavra cancro ou autismo pode ser danoso para alguém [há que evitá-las]. «Isto só empobrece a linguagem e isso é negativo» (...) [Também é paradoxal substituir uma palavra por outra] (...) «a nova designação acaba sendo tão depreciativa como a anterior e temos de a substituir» (...).
Coincide com a sua colega Arias Maldonado no que respeita aos valores progressistas. «Hoje nenhum partido deixa de ser feminista ou de falar de políticas sociais (...) insistir demasiado numa linguagem correcta sob este ponto de vista é falta de imaginação (...).
Camps entende que todos temos o direito de dizer o que entendemos mas existem limites: «a autocensura é fundamental num mundo plural, aberto e livre, é preciso exercê-la antes de falar», afirma. 
É puro senso comum: pensar duas vezes antes de ofender ou sentir-se ofendido."

1 comentário:

Anónimo disse...

"não expor os menores a imagens de carácter sexual" Portanto dizer às crianças que os bebés vêm de Paris no bico de uma cegonha.

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