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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018
FONTE DOS CORETOS: “UM REFLEXO FOTÓNICO DE LIBERDADE”
Com a devida e merecida vénia e agradecimento, transcrevo a seguir o texto com que o poeta João Rasteiro apresentou o meu livro "Fonte de Coretos" no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, a 30 de Janeiro de 2018.
Fonte
dos Coretos: “um reflexo fotónico de liberdade”
Com novas íris te
universo.
Vejo-te
para além do ar
Até
onde não sabia que ainda começas
António
Piedade
Arquimedes
afirmou: “Dai-me uma alavanca e um ponto de apoio e moverei o mundo”.
E Aristóteles: “O
começo de todas as ciências é o espanto de as coisas serem o que são”.
Ora, como sabemos,
mesmo que de forma inconsciente, a poesia é por definição um fértil acto
criativo, como resplandece do verbo grego poiesis:
fazer, criar, aleitar. Num alquímico fermento da sua raiz e substância e, diria
eu, da sua “luz e íris” do mundo.
Mas se, de alguma
forma o homem, desde que chamou a si o olhar poético para ver e apreender as
coisas do ‘mundo’, passou a ser um poeta, grafando esse olhar ou não, António
Piedade, desde que assumiu o olhar da ciência para apreender o mundo, passou
imediatamente a ser, sob este conceito, um poeta, pois a sua linguagem de extraordinário
comunicador de ciência é uma linguagem que sempre esteve profundamente
fecundada pela mais cristalina linguagem poética.
E é absolutamente
claro, pelo menos para mim, que talvez a maior influência, para além de outras,
como a manifesta e também bastante forte, tanto na linguagem, como no acto de
“fazer ciência”, do Professor Carlos Fiolhais, seja, sem qualquer admiração,
Rómulo de Carvalho / António Gedeão – direi até que, talvez mais, de… “Rómulo
Gedeão”!
Hoje, é um dado
inquestionável que a ciência e a poesia terão tido igual peso e interesse na
vida de Rómulo de Carvalho / António Gedeão. E se, pelo menos de forma tão manifesta,
aparentemente essa particularidade não será assim perceptível em António
Piedade, julgo, no entanto, que na sua escrita em geral, porque o que
escrevemos quase sempre reflecte a nossa vida, ou pelo menos o que pretendemos
dela, isso também é um facto absolutamente evidente.
Como aliás já referiu
o Professor Carlos Fiolhais, julgo que no Prefácio a "Caminhos de
Ciência", “há um elemento peculiar na escrita de António Piedade que
contribui sobremaneira para o prazer da leitura: é a sua marca literária, por
vezes mesmo poética, que ele sabe imprimir à sua escrita”.
Evidentemente que,
neste “Fonte dos Coretos”, mantendo-se de forma geral esta marca assinalada por
Carlos Fiolhais, assiste-se a uma inversão, afirmo eu, apenas formal. Desta
vez, a poesia está na fronte da prosa. O texto e a sua textura vêm até nós
explanados no corpo branco da folha, em arquitectura condizente com a poesia e suportada,
sobretudo a primeira parte, em fortes anzóis de vigorosas metáforas - em ágeis
imagens e analogias da bioquímica, da física, da astronomia, da biologia, ou da
matemática. Em suma, em belas ressonâncias e revivescências das mais profundas
e consagradas entranhas das apelidadas “ciências exactas”.
Como referiu Graça
Capinha (FLUC/UC), temos a consciência de que normalmente usamos como material,
muitas vezes em bruto, “as palavras da tribo”: e em António Piedade, a tribo é
a ciência em sua desmesurada essência e fulgor.
A consciência do
nosso trabalho de escrita, e nomeadamente, de reinvenção da escrita, só fazer
sentido numa comunidade mais vasta é o que origina em António Piedade essa permanente
indagação e transmissão, com ‘este’ estilo tão peculiar - mais uma vez,
dir-se-á: poético -, a partir das vozes que sempre saciaram a sua experiência
de vida, e nomeadamente, da sua experiência de vida muito fixada no ensaio e
prática da ciência.
E esse é o ‘lugar-tempo’
único, a ‘ordem-conjuntura’ única, que António Piedade conhece e reconhece
absolutamente como a sua única quimera e promessa. Ele, um comunicador de
ciência, diria até, um comunicador de ciências, nesse “fotão-liberdade” que não
se diferencia no seio da sua linguagem, da sua caminhada, nessa “Íris-amor” que
é a luz “onde o verbo é ser”, através de uma rota “que viaja dos raios gama às
ondas de rádio”, pois, invariavelmente, nenhumas “poeiras cósmicas” impedirão
“a nossa luz”, já que “nesse sorriso / nasce a rocha / onde brotam os poetas /
um sorriso de ser”.
Tal como em Rómulo
de Carvalho / António Gedeão, a ligação, a junção, entre a ciência e a poesia
era firme e persistente, e isso percebe-se facilmente no léxico científico e
metafórico que empregou nos seus vastos e singulares poemas, também em António
Piedade tal se verifica, embora isso seja mais óbvio na primeira parte deste
livro, e que talvez por isso, e de forma geral, terão sido os poemas que escreveu
mais recentemente.
A poesia e,
sobretudo, a linguagem poética, não tem de ser forçosamente demasiado elaborada
e dissimulada em seus modelos ou artifícios, sejam eles estilísticos ou
metafóricos, para que se possa afirmar como “boa poesia”. Albert Einstein
afirmou: “No meio da confusão, encontre a simplicidade. A partir da discórdia,
encontre a harmonia. No meio da dificuldade reside a oportunidade”.
Daí que, também, neste livro, e em grande
parte destes 16 poemas, a simplicidade aparente não é sinónimo de simplismo. E
se em nota introdutória é o próprio poeta, em carácter de humildade, a afirmar
sobre o livro: “Aqui está. Imperfeito, ingénuo como meu primeiro livro nesta
arte maior que é a Poesia”, e sendo lógico que tal como nos restantes livros
por si publicados, e desde o seu primeiro livro, foi burilando o(s) texto(s), também
no seu próximo livro de poesia irá acabar, como aliás todos nós fazemos, por burilar
algumas ramagens dos seus novos, ou até antigos, poemas.
Aqui a questão que
emana é só uma: estes textos, estes poemas, em sua génese definida são já o prenúncio
de uma caminhada poética assente em certos alicerces a que o autor não irá, nem
quererá, certamente, fugir na caminhada que continuará a criar e percorrer.
Se atentarmos em Rimbaud,
que nos diz que “O poeta faz-se vidente através de um longo, imenso e sensato
desregramento de todos os sentidos”, ou em Keats, que afirma que “Se a poesia
não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja
mesmo”, então, categórico, afirmo: sim, é a ‘isso’ que ‘aqui’, neste seu
primeiro livro, já se assiste a brotar, por vezes frágil, mas em visível viço
de primavera!
Refira-se, e poderá
ser apenas uma coincidência feliz, o facto de o livro, com 16 poemas, estar
dividido em duas partes de 8 (oito) cada, pois, o número 8 “é, universalmente,
considerado o símbolo do equilíbrio cósmico. É um número que possui um valor de
mediação entre o círculo e o quadrado, entre a terra e o céu, e por isso está
relacionado com o mundo intermediário e um simbolismo de equilíbrio central.
Deitado, simboliza também o infinito, e representa a inexistência de um começo
ou fim, do nascimento ou da morte, e aquilo que não tem limite, e ainda a
ligação entre o físico e o espiritual: e afianço eu aqui, a religação entre as
ciências, entre a bioquímica e a poesia.
Atente-se em
alguns títulos da primeira parte: “Com novas íris te universo”, “Átomo ao
espelho”, “Lágrimas com riso dentro” - onde logo nos aflora o poema “Lágrima de
preta”, de António Gedeão -, “A luz do teu pólen”, “Vida”, etc., onde o corpo
da ciência se incorpora sem contemplação no corpo da poesia, no corpo do poema,
e onde “dentro del(a)e explodem miríades de pequenos arco-íris”.
Nesta primeira parte, onde termos e imagens
como Íris, Poeiras Cósmicas, Fotão, Princípio de Pauli, spin, Caleidoscópio, miríades,
Líquido Translúcido, Sirius e Saturno, Seio vulcânico, Explosão estelar, Lua,
entropia, Caminhos neurais ou átomo, só para citar alguns, irrompem “por entre
canteiros de ficções oníricas / Indistinguíveis da pura magia”, penso que o
poema que abre o livro, intitulado “Com novas íris te universo” - ainda e
sempre a…ÍRIS -, quase poderia ser encarado como o texto programático do
poeta-cientista, ou do cientista-poeta, António Piedade. Diz-nos:
Com novas íris te universo.
Vejo-te para além do ar
Até onde não sabia que ainda começas
Com novas íris despojo-te das poeiras
cósmicas
Descubro-te onde não tens cor
Com novas íris alianço-me nos deuses
antigos
E redesenho a abóboda celeste
Com mitos modernos
Cegos de contemplação de tanto espanto
Com novas íris volto a ser criança a olhar
o céu
E tento apanhar as estrelas num gesto, num
salto
Com novas íris me visto de ti
Num novo cosmos invisível à nudez dos meus
olhos
E descubro no céu um arco-íris
Que viaja dos raios gama às ondas de rádio
Este primeiro
poema do livro, que, no plano teórico, será, senão o último, um dos últimos que
terão sido escritos, reenvia-nos - principalmente através “das poeiras
cósmicas” ou do “arco-íris” da sua última estrofe -, precisamente para a
essência da segunda parte do livro, em que curiosamente, ou não, o primeiro
poema dá título ao livro: “Fonte de Coretos”.
E nesta segunda
parte, onde sobressaem de algum modo, poemas como “Silêncio”, “Ponteiro das
horas”, “Luz”, “Adeus” ou “Sorriso”, poemas que como refere o autor na ‘Nota
breve’, são poemas, exceptuando o recente “Sorriso”, mais antigos - e que
contudo, de forma ligeira, já são pincelados com algumas ‘palavras de ciência’
-, o que imediatamente perpassa é uma constante dialéctica entre o amor - em
sentido lato, pois é possível pressentir um amor carnal, conjugal, maternal, um
amor ao cosmos, etc. - e a liberdade. E, quer seja na ambição de alcançar esse
tal amor e essa tal liberdade, quer seja no temor de perder, ou não alcançar,
esse amor e essa liberdade.
Há um permanente
olhar e uma permanente voz - que se pode aplicar, que se vislumbra, também, no
poema que inicia o livro, “Com novas íris te universo” -, que são
simultaneamente o olhar e a voz de uma criança e de um adulto. E, na verdade,
se mais ou menos palpável, em cada adulto está sempre a criança que se reteve
em nós, aqui, porque de um poeta, porque de linguagem poética se trata, esta particularidade
é ainda mais evidente. A criança, a infância, a utopia, o brilho dos astros nas
estrelas do olhar.
É pois na
dialéctica entre os primeiros poemas de cada parte da obra que se pode
encontrar não só “um céu reinventado nos risos com que a lágrima se fez”, como
“nesse sorriso / nasce o mar inteiro / e a espuma das estrelas”.
Enquanto, como já referi,
“Com novas íris te universo”, pode ser encarado quase como o texto programático
do poeta-cientista, ou do cientista-poeta, António Piedade; “Fonte do Coreto” é
a metáfora primordial por “onde brotam os poetas” e a poesia, pois simboliza
toda a possibilidade de liberdade. A liberdade através da oferta ‘de mundo’: música,
poesia, teatro, cultura, convivências, etc. - Vida! O/Um lugar vivo, onde se
aprendia a “ver um pouco de mundo”, onde o verbo é/era “ser”. O voo ansiado no
futuro azul entre a terra e o céu em “sua metáfora / onde a liberdade é o
refrão / Estribilho em rima solta. A ânsia da infinda utopia: “Um reflexo
fotónico de liberdade”. Daí que:
Há na minha aldeia
Uma fonte de coretos
Onde desagua a liberdade
Uma fonte de coretos
Onde todos nascem
Adentro de sonoros sonetos
Sonetos de pessoas
Cada um a sua métrica
A sua metáfora
Onde a liberdade é o refrão
Estribilho em rima solta
Há na minha aldeia
Uma fonte de coretos
Onde o verbo é ser
Não deixando de destacar
na primeira parte - mesmo não o desenvolvendo, pois isso levar-nos-ia talvez
para outras leituras e interesses do autor -, as referências a Cyrano de
Bergerac, Gulliver ou Frankenstein, assinalo algo que é perceptível, embora com
algum desequilíbrio ao longo dos poemas das duas partes do livro, e que também já
foi aludido pelo Professor Carlos Fiolhais no que concerne à linguagem das
crónicas. A presença de uma certa musicalidade, ou até mais patente, de um
certo compasso rítmico que perpassa pelo corpo dos poemas, onde essa
musicalidade e ritmo se mostram por vezes com um vigor exclusivo, para além da
alegoria.
Em conclusão,
António Piedade, com este seu primeiro livro de poemas, que pela
particularidade de ser uma primeira obra, granjeia, ou pode granjear,
simultaneamente as suas virtudes e fragilidades, intitulado “Fonte de Coretos”,
coloca-se de imediato à porta desse “cosmos invisível à nudez” de poetas em que
a linguagem da poesia e a linguagem da ciência se funde e se expande, “cósmica”.
Como afirmou Maria
Sousa, cientista e poeta, “A melhor ciência está próxima da poesia”. Ora, em
António Piedade, isso é uma verdade inquestionável, nesse seu habitual diálogo
que perpassa a sua escrita, seja ela prosa ou poesia. A ciência é poesia, e a
poesia é ciência. Em António Piedade, brota a una luz do verbo, pois: “A luz do
teu pólen / É nossa, minha, tua / É uma viagem solar / É Terra com nova Lua”.
João Rasteiro
RÓMULO-
Centro Ciência Viva/Universidade Coimbra, 30/01/2018
Sobre o Padre Teodoro de Almeida e a Recreação Filosófica
Acaba de sair um artigo meu sobre o Sobre o Padre Teodoro de Almeida e a Recreação Filosófica na revista espanhola LIMITE:
http://hdl.handle.net/10316/46789
http://hdl.handle.net/10316/46789
Blogue do Guilherme de Almeida
Aqui vai o endereço para o blogue/perfil Google+ do professor de Física, divulgador científico e astrónomo amador Guilherme Almeida:
https://plus.google.com/u/0/112246238908890914394
Neste blogue encontram-se dezenas de artigos publicados pelo autor — uns de divulgação e outros mais desenvolvidos —, com informação sobre Física, Astronomia, terminologia e simbologia científica, técnicas de observação astronómica, óptica e outros temas. E também referências aos livros do autor, que se podem encontrar aqui:
https://www.wook.pt/autor/guilherme-de-almeida/5235
http://www.bertrand.pt/autores/autor?id=5235
Para minimizar o espaço e concentrar a informação, os artigos são apresentados como links que podem ser acedidos facilmente. (Os artigos não seguem o Acordo Ortográfico de 1990). Comentários são bem-vindos.
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