segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

ESCRAVATURA, O GENOCÍDIO OCULTADO

Texto de Guilherme Valente, publicado no último número do Expresso:



"A mão treme quando evocamos os crimes cometidos pelos Árabes, enquanto  o inventário dos crimes cometidos pelos Europeus, igualmente condenáveis, ocupa páginas inteiras.
Marc Ferro, 1942

A captura pelo Daesch de milhares de yezidis e cristãos deu visibilidade à escravatura e ao tráfico que prosseguiram  larvares p. ex. na Arábia Saudita, no Quatar e Emiratos. Como revelou a CNN na Líbia, o fenómeno migratório actual segue as rotas do comércio histórico de escravos. 

Iniciado em 652, esse tráfico árabe-muçulmano atingiu 17 milhões de vitimas, mortas ou castradas, durante treze séculos sem interrupção, ultrapassando em quantidade e crueldade o tráfico depois alargado ao Atlântico pelos Europeus.

Nem mesmo a conversão ao islão que interditava a escravidão dos convertidos - o islão tem o melhor e o seu contrário... -  impediu o horror. Na peregrinação a Meca muitos fiéis eram raptados e revendidos por mercadores ricos.

A ocultação dessa página dolorosa ainda não totalmente virada da história dos povos africanos põe em foco um livro de 2008 então significativamente ignorado: Le génocide voilé, do historiador franco-senegalês T. N'Diayde*. 

Escreve o Autor: "Civilizações com milhares de anos foram devastadas por razias sanguinárias. Impérios inteiros destruídos, como os do Gana no século XI pelos Almorávidas vindos do Marrocos e da Andaluzia. Apoiados por aventureiros europeus, chegaram ao coração do continente, até à actual Tanzânia e ao Congo, comprando a cumplicidade de soberanos locais". Tráfico que começou quando o abastecimento na Europa Oriental e Central escasseou ("escravo" vem de "eslavo").

Quando Portugal chegou posteriormente a esse tráfico africano, dadas as suas limitações de penetração no interior do Continente, foi mais comprador que captor.

E porquê a ocultação e minimização desse tráfico árabe-muçulmano? Porque esqueceram os descendentes das vitimas esse horror e se unem agora aos descendentes dos carrascos?

É que hoje a maior parte da África sahariana tornou-se de religião muçulmana e a fraternidade religiosa uniu-se no interesse comum de ocultar aquele verdadeiro genocídio. Interesse com que converge num logro mutuo a esquerda radical (e mesmo uma esquerda ignorante sem rumo nem  memória). 

Num lado, o ressentimento face ao sucesso das sociedades ocidentais, o alibi da vitimização que faz dos "brancos" bode expiatório  para o bloqueamento contrastante das sociedades africanas e islâmicas, para a ocultação da responsabilidade própria na tragédia Africana e do Médio Oriente.

No outro lado, o ressentimento face ao  triunfo do pensamento liberal e das sociedades abertas de uma esquerda radical órfã das grandes narrativas e causas históricas e incapaz de identificar novas causas sociais que emergem. Resultante de sucessivos abalos sísmicos: a recorrentemente  falhada  profecia de Marx, Lenine, Estaline, a URSS, a China e o seu sucesso capitalista.

Continuando a cultivar a pulsão da intolerância totalitária que lhe está na  natureza, o que hoje pode fazer é provocar a maior obstrução e barragem políticas possíveis**. E vê no Islão a única força capaz de abalar o mundo ocidental. A chantagem da  "islamofobia" ***, o  encorajamento da  vitimização dos Africanos, o paternalismo perverso, são  instrumentos para combater os adversários de sempre: o capitalismo, a sociedade aberta, a liberdade.

Não retirando a responsabilidade histórica que cabe aos  Europeus, o  livro  O Genocídio Ocultado  repõe a verdade histórica e mostra que a escravatura não é um crime por qualquer estranha razão inerente ao homem "branco".

A escravatura é  um crime que fere a humanidade. A Europa não a  inventou, mas inventou a sua abolição. Aguarda-se que todo o mundo islâmico-muçulmano  e africano siga o exemplo. E peça desculpas!? Não, desculpas só os "brancos"... por serem superiores na consciência, na moral, na humanidade? NÃO! 

Quanto à mundivisão totalitária da  esquerda (ou da direita) radical, é como a psicanálise, interminável.

Guilherme Valente
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NOTAS

* Ver  Pascal Bruckner (Le Point, Novnuma nota  de leitura que  divulgo prescindindo de  aspas. (Para os amantes da BD, recordo Tintim, Carvão no Porão.)

** Entre nós com particularidades próprias da realidade política que só há cá.

 *** É imperativo distinguir o islão radical assassino, do islão pacífico vitima el do islão iluminista perseguido implacavelmente. 

Sem comentários:

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