Texto de Guilherme Valente, publicado no último número do Expresso:
"A
mão treme quando evocamos os crimes cometidos pelos Árabes, enquanto o
inventário dos crimes cometidos pelos Europeus, igualmente
condenáveis, ocupa páginas inteiras."
Marc Ferro, 1942
Marc Ferro, 1942
A
captura pelo Daesch de milhares de yezidis e cristãos deu visibilidade à
escravatura e ao tráfico que prosseguiram larvares p. ex. na Arábia
Saudita, no Quatar e Emiratos. Como revelou a CNN na Líbia, o fenómeno
migratório actual segue as rotas do comércio histórico de escravos.
Iniciado
em 652, esse tráfico árabe-muçulmano atingiu 17 milhões de vitimas,
mortas ou castradas, durante treze séculos sem interrupção,
ultrapassando em quantidade e crueldade o tráfico depois alargado ao
Atlântico pelos Europeus.
Nem mesmo a conversão ao islão que interditava a escravidão dos
convertidos - o islão tem o melhor e o seu contrário... - impediu o
horror. Na peregrinação a Meca muitos fiéis eram raptados e revendidos
por mercadores ricos.
A
ocultação dessa página dolorosa ainda não totalmente virada da
história dos povos africanos põe em foco um livro de 2008 então significativamente ignorado: Le génocide voilé, do historiador franco-senegalês T. N'Diayde*.
Escreve
o Autor: "Civilizações com milhares de anos foram devastadas por
razias sanguinárias. Impérios inteiros destruídos, como os do Gana no
século XI pelos Almorávidas vindos do Marrocos e da Andaluzia. Apoiados
por aventureiros europeus, chegaram ao coração do continente, até à
actual Tanzânia e ao Congo, comprando a cumplicidade de soberanos
locais". Tráfico que começou quando o abastecimento na Europa Oriental e Central escasseou ("escravo" vem de "eslavo").
Quando
Portugal chegou posteriormente a esse tráfico africano, dadas as suas
limitações de penetração no interior do Continente, foi mais comprador
que captor.
E
porquê a ocultação e minimização desse tráfico árabe-muçulmano? Porque
esqueceram os descendentes das vitimas esse horror e se unem agora aos
descendentes dos carrascos?
É
que hoje a maior parte da África sahariana tornou-se de religião
muçulmana e a fraternidade religiosa uniu-se no interesse comum de
ocultar aquele verdadeiro genocídio. Interesse com que converge num
logro mutuo a esquerda radical (e mesmo uma esquerda ignorante sem
rumo nem memória).
Num
lado, o ressentimento face ao sucesso das sociedades ocidentais, o
alibi da vitimização que faz dos "brancos" bode expiatório para o
bloqueamento contrastante das sociedades africanas e islâmicas, para a
ocultação da responsabilidade própria na tragédia Africana e do Médio
Oriente.
No
outro lado, o ressentimento face ao triunfo do pensamento liberal e
das sociedades abertas de uma esquerda radical órfã das grandes
narrativas e causas históricas e incapaz de identificar novas causas
sociais que emergem. Resultante de sucessivos abalos sísmicos: a
recorrentemente falhada profecia de Marx, Lenine, Estaline, a URSS, a
China e o seu sucesso capitalista.
Continuando
a cultivar a pulsão da intolerância totalitária que lhe está na
natureza, o que hoje pode fazer é provocar a maior obstrução e
barragem políticas possíveis**. E vê no Islão a única força capaz de
abalar o mundo ocidental. A chantagem da "islamofobia" ***, o
encorajamento da vitimização dos Africanos, o paternalismo perverso, são instrumentos para combater os adversários de sempre: o capitalismo, a sociedade aberta, a liberdade.
Não
retirando a responsabilidade histórica que cabe aos Europeus, o
livro O Genocídio Ocultado repõe a verdade histórica e mostra que a
escravatura não é um crime por qualquer estranha razão inerente ao homem
"branco".
A
escravatura é um crime que fere a humanidade. A Europa não a
inventou, mas inventou a sua abolição. Aguarda-se que todo o mundo
islâmico-muçulmano e africano siga o exemplo. E peça desculpas!? Não,
desculpas só os "brancos"... por serem superiores na consciência, na
moral, na humanidade? NÃO!
Quanto à mundivisão totalitária da esquerda (ou da direita) radical, é como a psicanálise, interminável.
Guilherme Valente
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NOTAS
NOTAS
* Ver Pascal Bruckner (Le Point, Nov) numa nota de leitura que divulgo prescindindo de aspas. (Para os amantes da BD, recordo Tintim, Carvão no Porão.)
** Entre nós com particularidades próprias da realidade política que só há cá.
*** É imperativo distinguir o islão radical assassino, do islão
pacífico vitima el do islão iluminista perseguido implacavelmente.
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