Início da introdução (expurgada das notas) de Décio Martins ao "Primeiro tratado de engenharia", um volume das "Obras Pioneiras da Cultura portuguesa" que acaba de sair no Círculo de Leitores:
Manuel de Azevedo Fortes foi um “estrangeirado” que recebeu a sua
formação em França sob a influência do desenvolvimento científico e técnico que
marcou o iluminismo europeu. Regressado a Portugal, integrou o círculo do Conde
de Ericeira, participando nas Conferências Discretas e Eruditas, destacando-se
pelo conhecimento e divulgação das novas ideias então difundidas na Europa. Era
filho ilegítimo de um nobre Francês, Monsieur Lembrancour, que serviu na Corte
de Lisboa.
Nascido em Lisboa, em 1660, Manuel de Azevedo Fortes teve a sua formação académica em
Espanha e França. Em Madrid ingressou no Colégio Imperial quando tinha a idade
de 12 anos, prosseguindo depois os seus estudos da Filosofia na Universidade de
Alcalá de Henares. A sua formação em Filosofia Experimental e Matemática teve
lugar em França no Colégio de Plessis-Sorbone, um prestigiado colégio universitário
fundado em 1317 por Geoffroy Du Plessis-Balisson e que em 1646 foi unido à
Sorbone. Foi neste contexto que Azevedo Fortes se familiarizou com as ideias de
Copérnico, Galileu, Descartes, Gassendi, Malebranche, Newton e de muitos outros
filósofos modernos então estudados nas mais prestigiadas escolas da Europa. Seguiu-se
um período em Itália, onde foi professor de Filosofia na Universidade de Siena.
Após três anos nesta Universidade, tendo-lhe sido solicitado a sua continuidade
neste cargo pelo governador da cidade, Francisco Maria de Medici, irmão do
Grão-Duque de Toscânia, Fortes aceitou permanecer na Itália por mais três anos,
tendo no entanto que regressar a Portugal por falecimento do seu pai.
(...)
O percurso do engenheiro Manuel de Azevedo
Fortes
Em 1695 encontrava-se em Portugal. Frequentando os círculos intelectuais
de Lisboa, notabilizou-se pelas suas conferências públicas, merecendo a
admiração de D. Pedro II. Conquistou a notoriedade no meio académico português
como matemático e como engenheiro. Foi nomeado lente substituto na cadeira de matemática
na Aula de Fortificação e Arquitetura Militar, escola criada em 1647 que,
posteriormente, em 1707 viria a ser designada Academia Militar da Corte.
Manteve a sua função docente na Aula de Fortificação pelo menos até 1701. Além
do ensino na Aula de Fortificação e da atividade de engenheiro, a carreira de
Azevedo Fortes foi muito diversificada, incluindo a assistência técnica a
fortificações, participação em campanhas militares, bem como de funções governativas.
Em 18 de fevereiro de 1698 foi nomeado pela Junta dos Três Estados, examinador
dos discípulos da Academia e, em de setembro de 1698, foi nomeado capitão-engenheiro.
Além da atividade académica e de engenheiro, destaque-se a importância da sua atividade
como militar. No ano de 1701 procedeu à verificação dos locais para descarga
dos lastros dos navios estrangeiros em Setúbal. Em 1702, passou a ser capitão
de Infantaria com aplicação de engenheiro, além de manter o cargo de lente substituto
na Aula de Fortificação, sendo posteriormente nomeado para o cargo de
sargento-mor. Em Coimbra, no ano de 1702 supervisionou as obras do encanamento
do Mondego, sendo também encarregue de fazer uma carta da cidade, e visitou as
fábricas de fundições de artilharia em Tomar, Figueiró dos Vinhos e Foz de Alge.
No dia 10 de outubro de 1703 foi emitida a ordem do Conselho de Guerra para que
Fortes, ainda capitão-engenheiro, partisse para o Alentejo para participar nas
campanhas da guerra contra Espanha, embora o decreto seja de 10 de dezembro
desse ano. Neste novo cargo, até 1704 passou a dar assistência às obras das
ruínas de algumas fortificações de algumas praças militares. Trabalhou na
condução dos regimentos holandeses à vila de Abrantes e província da Beira, e teria
inclusivamente feito uma incursão para examinar as fortificações de Badajoz. Posteriormente,
o Conselho de Guerra nomeou-o Tenente-de-Mestre-de-Campo-General na Província
do Alentejo a 19 de Fevereiro de 1705, recebendo a patente de coronel de
Infantaria no ano de 1708. A partir de 11 de fevereiro de 1705 exerceu o cargo
governador de Castelo de Vide, procedeu a obras na fortaleza, onde se manteve
até 1719, tendo sido nomeado engenheiro-mor do reino em 18 de outubro de 1719,
recebendo também a patente de brigadeiro de Infantaria do Exército, postos que
manteve até 1735. No dia 20 de Novembro de 1705 recebeu o hábito de Christo, como cavaleiro noviço, tendo
sido armado cavaleiro na capela dos paços da Ribeira ou na igreja da Nossa
Senhora da Conceição. Já como governador de Castelo de Vide, em 1709
deslocou-se com um destacamento de infantaria e cavalaria e uma companhia de
mineiros para demolir o Castelo de Valência de Alcântara. Sob a sua orientação,
em 1734, foram reedificadas as ruínas da Praça de Campo Maior. Numa da Carta do
Conselho de Guerra, escrita ao sargento-mor de Batalha, João Jacinto Lopes
Tavares da Costa, governador das Armas da Província da Beira, é feita a referência
a várias questões relacionadas com Manuel de Azevedo Fortes, a quem teria sido
atribuída a construção de quatro armazéns de pólvora, nas praças de Elvas,
Campo Maior, Olivença e Estremoz, bem como dos terraplanos das praças de
Juromenha e Arronches e de delinear uma nova praça na vila da Zibreira[.
A Academia de História Portuguesa pretendeu lançar-se num levantamento
dos pontos geográficos para ilustração de uma obra a publicar. Para o efeito
foram solicitados os serviços do P.e Manuel de Campos e de Azevedo
Fortes. A história da geografia da antiga Lusitânia foi atribuída a Manuel de
Campos, ficando Azevedo Fortes encarregue da geografia moderna e da “Fábrica das Cartas Geográficas”. Para a
concretização do seu trabalho, Fortes investigou os arquivos das cartas
geográficas dos bispados, constatando que nunca haviam sido traçadas. O Mappa del Reino de Portugal, feito por
Pedro Teixeira, no ano de 1662, embora considerado por Azevedo Fortes como o
mais correto, era defeituoso em algumas regiões. O seu projeto seria levantar
uma nova carta de Portugal. Tratava-se de um empreendimento considerado avultoso
e de difícil concretização por D. Rodrigo Anes de Sá e Almeida, Marquês de
Abrantes. A falta de apoios necessários comprometeu a sua realização.
No entanto, a Academia de História editou, em 1722, o Tratado do modo o mais fácil e o mais exacto de fazer as cartas
geográficas, assim de terra como do mar, e tirar as plantas das praças, cidades
e edifícios com instrumentos e sem instrumentos, tendo sido aprovado pelo
Conde de Ericeira e pelo Conde de Monsanto, e obtido as seis licenças do Santo
Ofício. Neste trabalho, Azevedo Fortes referiu-se ao desenvolvimento da
Geografia na Europa, fazendo alusão a Ptolomeu, Mercator, Hortelius, Du Val, de
Sanson, Telemont, Canteli, Coroneli, Dufes e Del’Isle.
Em 1734, embora já com limitações físicas, Azevedo Fortes continuava no
exercício das suas obrigações. Pelo facto da firmeza das mãos o condicionar na
tarefa que fazer todas as assinaturas que lhe impunha o seu cargo, foi
autorizado por D. João V a usar a chancela, conforme a autorização declarada.
Azevedo Fortes, de quem Garcão-Stockler escreveu uma nota biográfica no seu Ensaio historico sobre a origem e progresssos das mathematicas em Portugal, faleceu em 28 de março de 1749, deixando legado à
Misericórdia de Lisboa para na véspera da Anunciação de Nossa Senhora se
distribuir roupa branca pelas enfermarias do hospital de Todos os Santos.
Décio Ruivo Martins
CFisUC, Departamento de Física, Universidade de Coimbra. 3004-516 Coimbra, Portugal
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