quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

"O perfil do aluno deve estar relacionado com as exigências de mercado"

"Mas, como o perfil do aluno deve estar relacionado 
com as exigências de mercado [o director] promete 
 uma ponte com as empresas, que considera obrigatória." 

Declarações do director de um agrupamento de escolas (aqui). 

Têm-me perguntado se assisti à conferência promovida pelo Ministério da Educação no âmbito das comemorações do "Dia do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória" e qual a minha opinião acerca do que ali foi dito e do que foi feito nas escolas.

Não vi a conferência e do que aconteceu nas escolas apenas sei o que me ficou de breves passagens de olhos pelos jornais e pelo sítio online de Ministério da Educação. Esquivei-me, portanto.

E isto porque tudo aquilo que li previamente atenta de tal modo contra o saber pedagógico consolidado (e até contra o senso-comum) que, mais do ficar sem palavras, fico sem reacção.

O que é que se pode dizer ou fazer quando as teorizações de ordem filosófica, epistemológica, ética, social, etc. que temos por válidas são ignoradas e os conhecimentos científicos de ordem psicopedagógica que temos por válidos são desprezados!?

Deve-se explicar alguma coisa? Mas a quem? Como? E por onde começar? Alguém ouviria? Perceberia? Não creio, seriam palavras ao vento.

É que a tudo isto acresce o tom de entusiasmo dogmático, sempre de via única, apesar de se afirmar plural, de quem, de facto, tem "voz" na educação escolar, isto é, de quem tem poder para ter voz. Melhor, para ter aquela voz, a voz que, por ouvirmos reiteradamente e sem contraditório, se foi entranhando ao ponto de ser "a voz".

Parafraseando o slogan de Fernando Pessoa: primeiro estranhou-se depois entranhou-se.

Efectivamente, quem acha hoje estranho, por exemplo:
- apontar-se como finalidade última da escola, como seu desígnio a preparação das crianças e jovens para serem "capital humano" no labirinto competitivo do mercado de trabalho?
- o Ministério da Educação levar os directores e os professores a perguntarem aos alunos como devem fazer o seu trabalho que é altamente especializado?
- dizer-se que a escola tem de responder às necessidades que a (esta) sociedade lhe impõe?
- que a escola e o seu currículo não é o que os alunos desejam?

E poderia continuar, continuar...

Deixo apenas uma nota ao último item que enunciei: o destino que a instituição escolar tomou e que se vê está há muito traçado e consolidado por instâncias supranacionais. Perguntar aos alunos o que desejam dela é uma forma de os enganar. Quem está na educação tem responsabilidades éticas que não podem ser negligenciadas. Recusar enganar quem está ao nosso cuidado é uma delas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Agradeço o artigo à sua autora, que nos brinda sempre com os seus indispensáveis conhecimentos.
Estaremos a querer formar/educar/preparar alunos para competirem futuramente com robôs, com a eficácia e infalível obediência a que os predispõe a sua programação?
A ideia não será totalmente errada se se pretender dar passos maiores do que a perna.
Para obviar ao desespero ministerial que conduz a estas medidas, a Filosofia seria uma disciplina a incluir obrigatoriamente em todos os anos do Secundário - para que os jovens temperassem a ingenuidade de acreditar cegamente nos séniores.
MJ Cardoso

Anónimo disse...

A escola romântica, onde se estudavam os Clássicos, a História, a Matemática e as modernas Ciências Experimentais está a acabar. Nos últimos trinta anos, como tenho frequentado várias escolas do país, tenho sido uma testemunha privilegiada da mudança muito rápida que se verificou no paradigma dos temas debatidos pelos professores em reuniões de grupo disciplinar: nos primeiros anos, muito centrado nos conhecimentos que deveríamos transmitir aos alunos e, ultimamente, resumindo-se praticamente à análise estatística dos resultados das avaliações dos alunos. As indicações abertas, ou sub-reptícias, do ministério da educação são muito objetivas: na escola inclusiva, todos os alunos, mas mesmo todos, devem atingir os padrões mais elevados de sucesso escolar, independentemente das suas capacidades cognitivas ou dos saberes adquiridos na escola. Não é só com a anedota do médico que no funeral do seu doente segue atrás do caixão, que o efeito precede a causa, agora, também na escola, o sucesso do aluno vem antes do estudo!
Não contem com os professores, acantonados no último reduto, que é a defesa dos seus baixos salários, para alterarem, uma palha que seja, nas políticas educativas!

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