quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Se conseguimos dar um passo tão positivo, talvez possamos pensar noutro

Ouvido um programa de rádio e lidas algumas notícias acerca dos resultados que os alunos portugueses de quinze anos obtiveram na última testagem do PISA (Programa International de Avaliação de Estudantes), analisada também alguma da informação disponibilizada pelo IAVE (Instituto de Avaliação Educacional), noto dois aspectos que tendem a ficar na penumbra e que, no meu entender, deviam ser consciencializados e discutidos.

1. O mencionado programa não mede, nem seria de esperar que medisse, todas as aprendizagens escolares. Mede algumas aprendizagens que se se determina que os alunos adquiram em algumas áreas disciplinares (Matemática, Ciências e Língua materna).

Sendo da responsabilidade da OCDE, e de modo coerente com as finalidades desta Organização - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico -, o programa mede, em concreto, as competências funcionais que essas áreas proporcionam "na resolução de situações relacionadas com o dia a dia", que consideram como especialmente adequadas para o desenvolvimento económico-financeiro dos "países ou economias" que nele participam.

O facto de os nossos alunos terem demonstrado um bom desempenho no referente a essas competências deve alegrar-nos, uma vez que se trata de desempenhos necessários para si próprios e para a sociedade.

2. Porém, devemos perguntar: está o nosso sistema educativo, à semelhança de muitos outros, a investir, de modo similar, noutras aprendizagens que são igualmente da sua responsabilidade

De modo mais explícito: está a dar a mesma atenção (legislativa, curricular e de ensino) a aprendizagens que têm "valor em si" mas nas quais não se vislumbra valor instrumental?

Não me parece. As artes e as humanidades, os domínios clássicos, muito conotados com esse valor, mas que não se reduzem a ele, têm sido afastados, secundarizados, o mesmo acontecendo a dimensões do trio matemática-ciências-línguas às quais não se atribui utilidade imediata.

Estes dois aspectos que se traduzem em verdadeiros problemas não são, é certo, exclusivos do nosso país, mas nem por isso os devemos descuidar. De facto, eles deveriam começar a preocupar-nos seriamente.

Se conseguimos dar um passo tão positivo no que respeita à demonstração das mencionadas competências funcionais, talvez agora possamos pensar em retomar o que na aprendizagem escolar tem sido sacrificado, em nome dessa demonstração.

4 comentários:

António Pedro Pereira disse...

Prof.ª Helena Damião:
O seu incómodo mal disfarçado em relação a estes resultados já tinha ficado claro no seu anterior post «A que se deve o facto de sermos o país que mais subiu no PISA?»
Neste post volta a desvalorizar os resultados, desviando a discussão para um tema lateral, embora muito importante.
Estes resultados são ainda mais surpreendentes depois de algumas figuras gradas da nossa praça terem publicado livros de grande impacto mediático nas pessoas: «Os anos devastadores do Eduquês» (Guilherme Valente) e «O Eduquês em discurso directo» (Nuno Crato).
Com tanta desgraça que nos conduziu ao grau zero, só o facto de termos entre nós um dos maiores mágicos do mundo - Luís de Matos - nos permitiu este truque de magia que nos pôs em primeiro lugar no PISA.
O que os detractoores deste PISA não conseguem disfarçar, por mais que tentem, é o facto de terem referido este instrumento de avaliação comparativa quando empreenderam o ataque dos últimos anos à Escola Pública, a pretexto de não prestar e de os nossos alunos ficarem sistematicamente na metade inferior dos resultados nos anteriores PISA.
Enquanto o PISA mostrou as nossas debilidades (servindo a estratégia, mais vasta desses detractores, de maior alcance, pois visava outros fins), este instrumento era bom; agora que melhorámos, é bastante relativo.
É o que se pode chamar: uma apreciação de geometria variável.

João Boavida disse...

Desculpe mas não tem razão. O texto da Doutora Helena Damião não desvaloriza os bons resultados dos nossos alunos no PISA, e não pode colocar-se em igualdade de planos com as críticas do sr. Guilherme Valente. Mas tem que ver com o facto de hoje se desvalorizar muito da componente formativa que não passa pela funcionalidade prática e pela ideia de aplicação imediata.A desvalorização da formação humanística, explícita e implícita em muitos textos legais e em muitas ideias correntes, tem, e terá, cada vez mais, implicações negativas na formação, embora um cada vez maior número de pessoa o não entenda. Compreende-se porquê.

António Pedro Pereira disse...

Sr. João Boavida:
Reconheço que tem razão num ponto: não está ao nível das críticas do Sr. G. Valente nem de outras bem menos azedas, nem nunca esteve.
Mas desvaloriza implicitamente.
Chegar aqui não tem sido fácil, num ambiente de tanto negativismo contra a Escola, os alunos, os professores, os responsáveis máximos da Educação.
Especialmente porque a Escola foi erigida como palco de luta político-partidária por todos os partidos, cada um à sua maneira.
Não se esqueça que há apenas 30 anos a escolaridade obrigatória era só até ao 6.º ano.
Nem se esqueça da qualidade das escolas, do corpo docente, do nível remuneratório (só ia para professor quem gostava muito ou não arranjava outra coisa).
Estávamos muito perto do grau zero.
A Prof.ª H. D. escolhe um título que não valoriza os passos dados, fala ligo dos próximos a dar.
É típico criticarmos muito os maus resultados e desvalorizarmos os bons.

António Pedro Pereira disse...

Correcção ao meu comentário anterior: «realçando apenas os próximos a dar.»

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...