Têm-me feito repetidamente estas duas perguntas na sequência do anúncio de uma das primeiras medidas do novo Ministro da Educação: abolição dos exames do 4.º, 6.º e 9.º ano de escolaridade e determinação de realização de provas de aferição no 2.º, 5.º e 8.º ano.
Respondo que não acho nada de especial. E é verdade: não acho, nem quero achar.
A decisão é política e eu estou muita cansada de a dimensão política (e económico-financeira) se sobrepor a tudo o resto quando se trata de educação escolar.
No caso, a retórica de direita é de elogio aos exames: quantos mais exames melhor, os exames obrigam os miúdos a estudar, preparam-nos para a dureza da vida, levam os professores a cumprir, moralizam o sistema, fazem subir o nível... A retórica de esquerda é de diabolização dos exames: o que importa é que os alunos aprendam, os exames provocam-lhes uma ansiedade desnecessária, assim como aos professores, nada dizem do sistema, criam ou agravam desigualdades sociais... Nem a direita nem a esquerda está interessada em perceber que factores concorrem para a aprendizagem e, mais, profundamente, para que aprendizagem.
Deixemos de lado esta questão absolutamente crucial da aprendizagem que a escola deve proporcionar, que é uma questão de filosofia da educação, esse área tão primordial quanto movediça que os políticos nem sonham que existe e, se sonham, depressa a desviam do caminho.
Centremo-nos, pois, nos ditos exames e provas de aferição.
Há alguns anos, escrevi neste blogue um texto sobre as funções pedagógica e social da avaliação onde reproduzi o que se tem por mais ou menos seguro na pedagogia:
- a função pedagógica, remete para o acompanhamento dos aprendizes, no sentido de apurar os conhecimentos e capacidades que têm à partida e como vão evoluindo, apoiando, assim, a regulação do ensino (trata-se da avaliação diagnóstica e formativa);
- a função social, remete para o apuramento das aquisições que os aprendizes demonstram num determinado momento no sentido de tomar decisões institucionais e políticas, como a transição para a etapa seguinte, a atribuição de diplomas, a verificação da qualidade do sistema (trata-se da avaliação sumativa).
Ora, os exames e as provas de aferição cabem nesta última categoria: uns são testes com fins de classificação dos alunos para se decidir a sua progressão, outras são testes com fins de verificação, através do desempenho dos alunos, da qualidade do sistema.
Portanto, são sempre os alunos a serem testados, além de que as técnicas e os processos de testagem não mudarão. Fará, então, diferença o seu desempenho em virtude da circunstância?
Não e... sim.
Não, porque a preparação dos alunos para ambos os tipos de testagem deve ser idêntica: a melhor possível, para se conseguir o melhor desempenho académico, seja ele individual, seja ele de escola ou de sistema.
Sim, porque nesta matéria de avaliação, como em muitas outras matérias pedagógicas, há que contar com outros factores, além dos políticos e dos científicos: há que contar, por exemplo, com factores sociais, onde as representações jogam um importantíssimo papel, muitas vezes o mais decisivo.
Assim, às palavras esforçadamente justificativas e explicativas do Ministro da Educação e do Primeiro Ministro, que acentuaram a mais-valia das (já antes ensaiadas) provas de aferição contraponho as de uma miúda que anda no 8.º ano, a quem eu fiz a pergunta que me têm feito e com que comecei este texto.
- "Tive cá uma sorte!", responde-me ela, "escapei-me por pouco. Para os exames era preciso estudar mas para as provas não é. A mãe da... disse que os exames são para avaliar os alunos e as provas são para avaliar os professores".
Maria Helena Damião
5 comentários:
Belo texto a complementar os de Rui Baptista e que levanta parte da lebre que me interessa: a questão central aqui parece-me ser a de que os instrumentos de avaliação não devem interferir com o processo de transmissão do conhecimento. Isto é, os alunos não devem passar o ano a "treinar para os exames" devem passar o ano a aprender e o exame deveria ser apenas um meio de saber se aprenderam ou não. Pelo que nos apresenta parece claro que as provas de aferição interferem "menos" com o processo de aprendizagem. E se os alunos não estudam deliberadamente para elas, então quando a elas chegam vão nelas reflectir os seus reais conhecimentos e não conhecimentos treinados e empinados à pressão para o efeito, logo parece-me que cumprem melhor o objectivo a que se destinam. Parece-me também que é esse o racional por detrás da decisão de Tiago Brandão Rodrigues: que as provas sejam um meio mais neutro de perceber o que os alunos REALMENTE sabem em vez de empolar artificialmente o que não sabem.
No entanto de novo perguntava: há estudos comparativos sobre as diversas abordagens e demonstrando a sua eficácia comparando com outras abordagens possíveis (avaliação contínua apenas, provas orais, etc...)?
Outra questão diferente mas pertinente seria obviamente: e se os resultados são fracos (isto é, chega-se à conclusão que os alunos sabem pouco) o que se pode fazer? Há quem defenda que a existência de exames por si só é um estímulo a que aprendam "mais" e se esforcem mais como modelo competitivo. Mas aí entramos de novo na pescadinha de rabo na boca e não saímos disto. É complexo. Faltam-me dados.
A dita menina não tem sorte é com a mãe que tem, a quem claramente faltou uma cultura de valorização da aprendizagem e de cultura de respeito pelos professores.
Mas a sociedade dos espertos é essa mesma: uma sociedade que não respeita os professores e que, por isso mesmo, desvaloriza a instituição escolar e o saber.
Só interessa o que sai para o teste. Só interessa a nota que teve. O que aprendeu é acessório.
Tem cá um azar essa menina...
É curiosa a correlação que por vezes se, estabelece, ou quer estabelecer, associando à "direita" a defesa das vantagens dos exames e, por outro lado, alinhando à "esquerda" os supostos benefícios de eles não existirem.
Será que nos países com "regimes de esquerda" não há exames? Aboliram os exames? Consta que não. E até parece que esses países são muito exigentes quanto aos exames; que os fazem difíceis e determinantes; que impõem regras rígidas (se calhar demasiado rígidas),estimulam hábitos de estudo e valorizam o esforço. E parece que em provas internacionais, esses alunos, em vez de apresentarem traumatismos psíquicos acabam por dar cartas, quanto ao de bom desempenho aos alunos dos outros países com regimes mais à direita.
Afinal parece que os alunos oriundos dos países da psicologia do coitadinho, do império das denominadas "psicocoisas" (adoro esta palavra!) saem-se pior.
Os exames (diz-se)levam os alunos a estudar só para o exame? Levam os professores a ensinar apenas para o exame? Façam-se melhores exames, menos rotineiros, mais abrangentes, mais diversificados.
Há na vida sucessivos "saltos em altura" que temos de ir fazemdo, gostemos ou não: "c'est la vie", como dizia um conhecido político luso.
Num exame todos os alunos são confrontados com as mesmas provas, nas mesmas condições, com as mesmas oportunidades, colhendo o que semearam até aí. Quem semeou, colhe; quem não semeou... azarucho", como dizia um advogado de certo ex-político nacional. O mal está na pretensão/exigência/aspiração de que quem não semeou possa colher do mesmo modo que os que semearam. E também reside na vontade, implícito ou explícita de equiparar o esforço e o trabalho à preguiça e ao desinteresse.
Num exame, avalia-se sem a disparidade local,sem o "nacional porreirismo" de certas escolas ou as facilities de alguns locais.
Guilherme de Almeida
Caro leitor Guilherme de Almeida
Eu estava a referir-me a Portugal. Não conheço bem o que se passa noutros países para fazer comparações seguras. Ainda assim tenho ideia de que Espanha e França acompanham-nos de modo muito próximo.
A verdade é que infelizmente as concepções de educação, as ideias que, afinal, a conduzem, estão bastante partidarizadas, umas são reivindicadas pelos partidos mais à direita e de outras são reivindicadas pelos partidos mais à esquerda.
É um erro enorme organizar-se a educação em função de dicotomias de tal ordem, além de não fazer qualquer sentido em democracia, contexto em que a educação deveria ser pensada na lógica dos mais elevados padrões de aprendizagem para todos.
Maria Helena Damião
Rectifico: No meu texto acima, assinado "Guilherme de Almeida" subsistiram alguns erros de "teclagem" que seria fastidioso repisar e não impedem a leitura nem o sentido da mensagem.
O texto reflecte a minha visão e experiência pessoais como pai e profissionais como professor com mais de 36 anos vividos nesse contexto.
Concordo com a mensagem acima, de Helena Damião, no sentido de que não devia fazer-se a referida dicotomia. Para mais, há a assinalar a conhecida exigência dos sistemas educativos dos países que tradicionalmente se consideram com regimes de esquerda, em contradição com o que algumas esquerdas portuguesas tomam como certezas de um novo ministro que, barbudo mas imberbe.
Guilherme de Almeida
http://www.wook.pt/authors/detail/id/5235
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