terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Livros que abriram a Ciência

Um dos meus capítulos no livro "Histórias da Física em Portugal no século XX" (Teresa Pena e Gonçalo Figueira, eds.) que acaba de sair na Gradiva:

«Divulgar» significa, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa [1], «tornar público ou notório, publicar, propagar, difundir, vulgarizar». O último termo tem em comum o vocábulo «vulgar», que significa «pertencente ao vulgo (povo), comum», embora tenha também a conotação negativa de «ordinário». Divulgar a ciência é, portanto, «tornar a ciência pública ou notória, publicá‑la, difundi‑la, vulgarizá ‑la». Se a ciência é um empreendimento humano algo invulgar (por exemplo, não é nem pode ser praticada por todos) ela pode ser vulgarizada, isto é, tornar‑se conhecida e apreciada por todos. A divulgação da ciência tornou‑se ela própria vulgar nos países mais desenvolvidos e é até considerada uma condição necessária para o desenvolvimento. Tem‑se falado muito da «compreensão pública da ciência»  ou, numa expressão mais simples e também mais feliz, de «cultura científica», querendo referir uma maior e melhor inserção da ciência na sociedade. Os falantes de língua inglesa utilizam termos difíceis de traduzir como popular science e scientific outreach (à letra, respectivamente, «ciência popular» e «extensão da ciência»). Há muitas maneiras de divulgar a ciência. Pode divulgar ‑se a ciência através de conferências, colóquios, debates («cafés de ciência»), etc., que pressupõem encontros pessoais. Podem também visitar‑se pessoalmente museus, centros (os «centros interactivos de ciência» popularizaram‑se nos últimos dois decénios), exposições, institutos e laboratórios, etc. Os media (imprensa, rádio e televisão), que proporcionam encontros à distância, desempenham obviamente um papel essencial hoje tanto quanto ontem. E a Internet tem vindo a revelar ‑se um novo media que acresce aos restantes. Pese embora toda essa panóplia de meios à disposição do público, os livros continuam a ser insubstituíveis. A existência de muitos e bons livros de ciência num certo país ou numa certa comunidade linguística é uma marca inequívoca de cultura científica. Falemos, portanto, dos livros de divulgação científica, em particular dos livros de divulgação científica publicados em Portugal e, mais em particular ainda, da colecção «Ciência Aberta», da editora Gradiva, que marcou a cultura científica nacional no período de desenvolvimento da ciência que vai dos anos 1980 até à actualidade. A colecção é uma criação do editor Guilherme Valente, cuja formação foi nas áreas da Filosofia e das Relações Internacionais, ele próprio de uma editora que, embora muito ecléctica, ganhou justamente renome no domínio da divulgação  científica. Actualmente e por convite de Guilherme Valente a colecção é dirigida pelo autor destas linhas. O projecto «Ciência Aberta» foi na sua origem e tem sido desde então um projecto extremamente inovador. Talvez, no panorama da edição nacional, só encontre paralelo num outro projecto, bem mais antigo, que foi dirigido por Bento de Jesus Caraça, professor de Matemática no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF) da Universidade Técnica de Lisboa, hoje Universidade de Lisboa: a «Biblioteca Cosmos». Interessa por isso uma referência aprofundada a essa colecção.

A «Biblioteca Cosmos»

A colecção «Biblioteca Cosmos» pode ser considerada um antepassado da «Ciência Aberta» por comungar com esta do mesmo ideário de alargamento cultural através da ciência [2]. Deve‑se praticamente a um homem só: o seu director, Bento de Jesus Caraça, em quem os proprietários da editora Cosmos delegaram inteiras responsabilidades. O objectivo de Caraça, ao criar a colecção em 1941, vem claramente enunciado no seu prefácio ao primeiro volume, O Homem e o Livro, da autoria do engenheiro soviético e divulgador científico M. Iline, pseudónimo de Il´ya Marshak: «[...] dar ao maior número o máximo possível de cultura geral, tornando acessível a todos aquilo que as condições materiais de vida e as necessidades profissionais da especialização tornam sempre difícil, e por vezes sempre impossível, adquirir — uma visão geral do mundo, mundo físico e mundo social, da sua construção, da sua vida e dos seus problemas.

Quando falamos em tornar acessível, entendemo‑lo de duas maneiras — pelo preço dos volumes, o qual será tão baixo quanto possível, e pela forma de tratar os problemas, que será simples, concisa, em linguagem ao alcance de todos. Procurará realizar ‑se a síntese destas duas exigências — simplicidade máxima na forma de exprimir, rigor máximo na forma de expor. Obra de vulgarização, procurará sê ‑lo no sentido alto do termo — aquela vulgarização que não abaixa nem deturpa, que traz ao nível do homem comum o património cultural comum» (sublinhados no original). Mais adiante, o prefaciador pergunta e responde logo sobre a exequibilidade do seu ambicioso projecto:

«É possível pôr ao alcance de todos a cultura geral? [...] Não é verdade que, como se vê afirmar com frequência, vulgarizar é sempre baixar? [...] O que se pretende vulgarizar é, precisamente, o que pertence ao domínio geral, e aí não há nada que não possa ser aprendido pelo comum dos homens. É a eles que é dirigida esta Biblioteca.»

O certo é que a «Biblioteca Cosmos» foi bastante popular. Ao longo de sete anos e num período amargamente marcado pela Segunda Guerra Mundial e pelo seu rescaldo, foram publicados 145 números, correspondentes a 106 títulos (a colecção termina em 1948 logo após a morte do seu director). Só no primeiro meio ano da colecção surgiram dez números. A tiragem total da colecção foi impressionante: cerca de um milhão de volumes! A primeira secção — Ciências e Técnicas (dividida em Matemática e Cosmologia, Ciências da Natureza, Ciências Biológicas, Ciências Psicológicas e Sociológicas e Filosofia e História da Ciência) era, sem dúvida, a mais querida de Bento de Jesus Caraça. Nela foram publicados 48 dos 106 títulos, com predomínio claro das ciências biológicas. Ele mesmo foi o autor de um volume, ou melhor um título em dois volumes, muito vendidos: Conceitos Fundamentais de Matemática. As outras secções pretendiam mostrar os outros mundos para além da ciência, mas, em muitos casos, em associação com ela: Artes e Letras, Filosofia e Religiões, Povos e Civilizações, Biografias, Epopeias Humanas e Problemas do Nosso Tempo. É curioso referir que, num período em que a ciência portuguesa não podia brilhar (em 1947 foram demitidos da função pública físicos como Mário Silva e Manuel Valadares e matemáticos como Ruy Luís Gomes e o próprio Bento de Jesus Caraça), a maior parte dos volumes era da autoria de portugueses. Refiram‑se, além do Prof. Caraça, os Profs. Aurélio Quintanilha, Rómulo de Carvalho (que na altura ainda não se tinha revelado como o grande poeta António Gedeão, que só apareceu em 1956), Henrique de Barros e Abel Salazar. Entre os poucos autores traduzidos encontravam‑se M. Iline (na altura um autor relativamente conhecido, autor também de 100 000 Porquês, publicado mais tarde na colecção em apreço), o físico soviético George Gamow (autor de O Sr. Tompkins no País das Maravilhas) e o biólogo inglês John B. S. Haldane (co‑autor de A Biologia na Vida Diária) e o biólogo e escritor francês Jean Rostand (autor de A Vida e os seus Problemas). Fica‑se a pensar como teria prosseguido essa colecção se o seu mentor não tivesse prematuramente falecido... 

Estavam, em 1948, 45 volumes anunciados para publicação, dos quais 14 na primeira secção, de autores como os físicos António da Silveira e Mário Silva, o matemático Rui Luís Gomes, e os geógrafos Alfredo Fernandes Martins e Orlando Ribeiro. É óbvio, quer com os olhos da época quer, talvez ainda mais, com os olhos de hoje, que a «Biblioteca Cosmos» foi um grande empreendimento cultural. Só o facto de a ciência e a técnica ocuparem um lugar de tão grande relevo nesse enciclopédico apanhado do conhecimento humano pode ser considerado pre‑ cursor de um tempo, que ainda estava para vir, em que a compreensão pública da ciência se espalhou pelo mundo.

A «Ciência Aberta»

Houve que esperar mais de 30 anos para surgir, no domínio da divulgação científica escrita, um outro projecto de tão grande envergadura como a «Biblioteca Cosmos», da editora Cosmos: tratou‑se — trata‑se, porque a colecção continua — da colecção «Ciência Aberta», da Gradiva (é merecida uma breve referência a uma outra grande colecção, que apareceu entre as duas, a colecção «Saber» das Publicações Europa ‑América, inspirada na francesa «Que sais je?» da Presses Universitaires de France). É no ano de 1981 que surge o primeiro volume da «Ciência Aberta»: O Jogo dos Possíveis, do biólogo francês François Jacob (Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina de 1965). Seguiu ‑se como número dois um volume que consolidou a colecção em virtude do enorme êxito que conheceu: Um Pouco Mais de Azul, do astrofísico canadiano Hubert Reeves (o título, feliz, foi retirado de um verso de Mário de Sá Carneiro, mostrando que ciência e arte podem ter pontos de encontro). E, pouco depois, apareceu o emblemático número cinco: Cosmos, do astrofísico norte‑americano Carl Sagan, associado a uma série de televisão de grande audiência (publicada em DVD, na tradução em português). Cosmos, do qual já existe uma edição em grande formato e ilustrada, continua hoje a ser procurado e lido. A colecção «Ciência Aberta», que tem sido a colecção de bandeira da Gradiva, deve ‑se ao seu editor Gui lherme Valente, desde sempre interessado pelas questões da cultura e da interculturalidade e pelas relações entre ciência e cultura. Em contraste com Caraça, que era um cientista, Valente não é um especialista de uma disciplina científica particular, mas sim um integrador dos vários saberes, que tanto na sua acção editorial como na sua acção cívica se tem revelado profundamente consciente do papel insubstituível da ciência, do seu ensino e da cultura científica, para o desenvolvimento das nações, muito em particular a nossa. A escolha cuidada de títulos e os cuidados com a tradução e a revisão científica são uma marca de qualidade da colecção que o editor soube imprimir desde o início. Não deixa de ser curioso e ao mesmo tempo sintomático que o n.º 5 da colecção da Gradiva retome o título da colecção precursora de Bento de Jesus Caraça. E que o n.º 98 da «Ciência Aberta» tenha sido a reedição dos Conceitos Fundamentais de Matemática de Caraça (além disso, na colecção «Aprender/Fazer Ciência», também da Gradiva, foram reeditadas, embora numa outra tradução, As Aventuras do Sr. Tompkins, de Gamow). Mas, ao contrário da «Cosmos», a «Ciência Aberta» incluiu, pelo menos até ao n.º 200, bastante mais traduções do que originais portugueses. E, também ao contrário da sua antecessora, não incluiu obras do âmbito das artes, letras, filosofia, ciências sociais e humanas, que encontram um lugar mais adequado noutras colecções da Gradiva, como a colecção «Trajectos». Entre 1980 e 2013, a colecção «Ciência Aberta» incluiu 200 títulos, correspondendo a uma média de seis títulos por ano, um ritmo de publicação assi‑ nalável mas aquém do da «Cosmos», mesmo que a análise se restrinja aos volumes da primeira secção, a da ciência e técnica. E, embora as tiragens, somadas ao longo de várias reedições, tenham sido por vezes grandes (casos dos referidos Um Pouco Mais de Azul, Cosmos e também, muito em especial, do verdadeiro best‑seller, aqui como em todo o mundo, que foi o n.º 27, Breve História do Tempo, do astrofísico inglês Stephen Hawking), elas não se podem igualar às dos livros de bolso da «Biblioteca Cosmos» (essa discrepância poderá explicar‑se pela diferença de preços: em dinheiro de hoje cada livro da «Cosmos» custaria cerca de dois euros). Vista com a distância que só o tempo pode proporcionar, é, de facto, notável a popu‑ laridade alcançada pelos livros da colecção de Caraça: Conceitos Fundamentais de Matemática, um livro que não se pode considerar completamente acessível ao público comum, vendeu, em quatro edições, cerca de 15 000 exemplares! Até porque não são demasiados, convém destacar, por ordem de «entrada em cena», os nomes dos autores portugueses da colecção «Ciência Aberta» até ao n.º 200, enquanto a mesma foi dirigida por Guilherme Valente: o primeiro foi o físico Jorge Dias de Deus, autor do n.º 11 Ciência, Curiosidade e Maldição, e também dos n.º 101 Viagens no Espaço‑Tempo, n.º 130 Da Crítica da Ciência à Negação da Ciência e n.º 142, Einstein... Albert Einstein (este último em co ‑autoria com a física Teresa Peña). Depois surgiu o químico Sebastião Formosinho, autor do n.º 22 Nos Bastidores da Ciência; o físico autor destas linhas, autor dos n.º 64 Universo, Computadores e Tudo o Resto, n.º 120, A Coisa Mais Preciosa que Temos, n.º 145 Curiosidade Apaixonada, n.º 190 Darwin aos Tiros, e n.º 196 Pipocas com Telemóvel, estes dois últimos em co‑autoria com o bioquímico David Marçal (o mesmo autor tem também Física Divertida e Nova Física Divertida na colecção «Aprender/Fazer Ciência» da Gradiva, dois sucessos de vendas); o médico João Lobo Antunes, autor do n.º 80 Um Modo de Ser (título que contribuiu para o prémio Pessoa do jornal Expresso); o físico João Varela, autor do n.º 83 O Século dos Quanta; o físico António Manuel Baptista, falecido em 2015, autor dos n.os 85, 97, 116 e 133, intitulados respectivamente A Primeira Idade da Ciência, A Ciência no Grande Teatro do Mundo, O Discurso Pós ‑Moderno Contra a Ciência e Crítica da Razão Ausente, o já referido Bento de Jesus Caraça; o matemático Jorge Buescu, autor dos n.º 113 O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias, n.º 126 Da Falsificação dos Euros aos Pequenos Mundos, n.º 160 O Fim do Mundo está Próximo?, n.º 191 Casamentos e Outros Desencontros, e n.º 210 Primos Gémeos, Triângulos Curvos (Buescu, licenciado em Física, é o autor português com mais títulos de autor único na colecção: cinco até agora); o biólogo António Amorim, autor do n.º 122 A Espécie das Origens; o físico João Magueijo, professor no Imperial College de Londres, autor do n.º 127 Mais Rápido do que a Luz (tradução do original inglês; essa tradução, do físico Paulo Ivo Teixeira, valeu ao seu autor, ex‑aequo, o prémio União Latina/ Fundação para a Ciência e Tecnologia para a melhor tradução técnico‑científica em língua portuguesa no ano de 2004) e do n.º 189 O Grande Inquisidor; o físico Manuel Paiva, um português que emigrou para a Bélgica nos anos 60, autor do n.º 136 Como Respiram os Astronautas, que foi reeditado, revisto e com novo prefácio, como n.º 204; o astrofísico nascido no Brasil, Orfeu Bertolami, autor do n.º 146 O Livro das Escolhas Cósmicas; o engenheiro Joaquim Marques de Sá, autor do n.º 154 O Acaso; o físico Filipe Duarte Santos, autor do n.º 145 Que Futuro?; os químicos J. J. R. Fraústo da Silva e Armando L. da Silva, autores do n.º 171 A Química Inorgânica do Cérebro; a bióloga Luísa Pereira, que em conjunto com a jornalista Filipa Ribeiro escreveu o n.º 179 O Património Genético Português; os químicos José Lopes da Silva e Palmira Ferreira da Silva, autores do n.º+ 181 A Importância de Ser Electrão, o matemático Nuno Crato, autor do n.º 166 Passeio Aleatório; o astrofísico Nuno Cardoso Santos, que, com o historiador de ciência Luís Tirapicos e Nuno Crato, escreveu o n.º 197 Outras Terras no Universo. Entre os autores nacionais há claramente uma pre‑dominância dos físicos, tanto em número de autores como de títulos. Registem ‑se ainda volumes colectivos, que são colec‑ tâneas de palestras de divulgação: o n.o 129 Fronteiras da Ciência (coords. Rui Fausto, Carlos Fiolhais e João Queiró); o n.º 134 Teias Matemáticas (coord. Maria Paula Oliveira); o n.º137 O Código Secreto (coord. Margarida Telo da Gama); os n.os 141 e 167 Despertar para a Ciência (dois volumes de palestras promovidas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia — FCT); o n.º 149 Tempo e Ciência (coords. Rui Fausto e Rita Marnoto); e o n.º 152 Descobrir o Universo (coord. Teresa Lago). Entre os títulos traduzidos há naturalmente insistência em Hubert Reeves, o campeão da colecção com dez volumes (além de Um Pouco Mais de Azul, é o autor de A Hora do Deslumbramento, Últimas Notícias do Cosmos, Poeiras de Estrelas, O Primeiro Segundo, Aves, Maravilhosas Aves, A Agonia da Terra, este com Frédéric Lenoir, Crónicas dos Átomos e das Galáxias, Já não Terei Tempo, e Onde Cresce o Perigo, Surge Também a Salvação), e em Carl Sagan, com oito volumes (depois de Cosmos, surgiram Os Dragões do Éden, O Cérebro de Broca, O Caminho que Nenhum Homem Trilhou, Sombras de Antepassados Esquecidos, Um Mundo Infestado de Demónios — um dos mais ardentes manifestos em favor da cultura científica —, Biliões e Biliões e As Ligações Cósmicas). Outros autores com a honra de terem vários volumes na «Ciência Aberta» são o físico norte‑americano Richard Feynman, Prémio Nobel da Física de 1965 (Está a Brincar, Sr. Feynman!, O Que é uma Lei Física, Nem Sempre a Brincar Sr. Feynman!, O Significado de Tudo, e O Prazer da Descoberta, o biólogo norte ‑americano Stephen Jay Gould (O Polegar do Panda, Quando as Galinhas Tiverem Dentes, O Sorriso do Flamingo, A Vida é Bela e Full House), o já referido astrofísico Stephen Hawking (que além da Breve História do Tempo, escreveu A Teoria de Tudo, O Grande Desígnio, este com Leonard Mlodinow, e A Minha Breve História), o químico belga Ilya Prigogine e Prémio Nobel da Química de 1977 (A Nova Aliança, Entre o Tempo e a Eternidade e O Fim das Certezas). Conclui‑se da predominância, também entre os au‑ tores estrangeiros, das ciências físicas, uma tendência que é, portanto, não só nacional como internacional. No ano de 2000 a colecção «Ciência Aberta» celebrou a ultrapassagem da centena de títulos com o volume 109 Gödel, Escher, Bach — Laços Eternos, que esteve para ser o n.º 100, do cientista de computadores norte‑americano Douglas Hofstadter, filho de um Prémio Nobel da Física, Robert Hofstadter, laureado em 1961. É um volume maior que os restantes tanto no formato de capa como no número de páginas. Esse livro, prémio Pulitzer, é considerado a melhor obra de não ficção publicada no século passado. Guilherme Valente aproveitou a oportunidade desta edição a vários títulos extraordinária (designadamente, as dificuldades de tradução) para exprimir o seu reconhecimento a uma mão‑cheia de colaboradores, entre os quais «muitos amigos ligados à ciência e empenhados na cultura científica», e para publicar, com indisfarçável orgulho, o quadro de pessoal e colaboradores da Gradiva. O volume n.º 200 Ciência e Liberdade, saído no ano de 2013, da autoria de Timothy Ferris, fala da íntima relação entre ciência e democracia.

A colecção «Ciência Aberta» após o n.º 200

Após o n.o 200 procurou ‑se acima de tudo dar con‑ tinuidade à linha editorial da colecção (o que é bem revelado pela presença de Reeves e Hawking), mas inovou ‑se no sentido da inclusão de um maior número de autores portugueses, o que era possível pela extraordinário incremento da ciência em Portugal proporcionado pela política prosseguida pelo ministro José Mariano Gago. Assim, dos 12 volumes publicados em dois anos após o n.º 200, mais de metade (sete), são de autores portugueses: além dos já referidos Manuel Paiva e Jorge Buescu, incluíram‑se obras do químico Luís Alcácer (O Diabo no Mundo Quântico), do biólogo marinho José Xavier (Experiência Antárctica), do químico Sérgio Rodrigues (Jardins de Cristais — Química e Literatura), do físico José Tito de Mendonça (Uma Biografia da Luz, que assinala 2015 — Ano Internacional da Luz) e do jornalista Nuno Galopim (Os Marcianos Somos Nós, sobre as relações entre ciência, literatura, cinema, música e banda desenhada a propósito do planeta vermelho. É a segunda vez, após Filipa Ribeiro, que é publicado um livro de um jornalista, algo que é prática corrente na cena internacional. Ressalta no conjunto dos 213 volumes saídos até agora a maior presença das ciências físicas, seguida das ciências biológicas, ficando em lugar secundário a matemática (que na Gradiva dispõe de uma colecção própria, «O Prazer da Matemática»), as ciências da terra e as tecnologias).

Epílogo

A colecção «Ciência Aberta», actualmente, está bem e recomenda ‑se, tendo já ultrapassado de longe o número de volumes publicados na colecção «Biblioteca Cosmos». As tiragens poderão ser agora menores, sinais dos tempos, mas continua um público muito interessado. O propósito é decerto o mesmo: vulgarizar esse invulgar empreendimento humano que é a ciência. A diferença entre o tempo da última guerra mundial e os dias de hoje é, decerto, o maior desenvolvimento científico da ciência no mundo e em Portugal. Neste início do século XXI o panorama do cultivo da ciência é, entre nós, bem diferente do que foi nos anos 40, em que nem sequer soubemos aproveitar a oportunidade da presença no nosso país de cientista judeus, em fuga ao nazismo. Muitos jovens portugueses, espalhados por numerosas escolas, institutos e laboratórios, integram hoje o esforço humano e internacional de compreender melhor o mundo em que vivemos. Por várias razões, que entroncam todas na situação política que então se vivia no nosso país, a colecção «Biblioteca Cosmos» não conseguiu gerar um movimento que elevasse a ciência portuguesa. Mas, num clima de liberdade, a colecção «Ciência Aberta» conseguiu, tem conseguido, e há‑de conseguir ainda mais, formar a chamada «geração Gradiva», uma plêiade de jovens leitores, que em grande parte é responsável pelo presente e em larga medida tem nas suas mãos o futuro da ciência portuguesa. Este facto recente, ocorrido no nosso país, se outros não houvesse, bastaria para mostrar que a cultura é tão indispensável à ciência como a ciência é indispensável à cultura. Por causa da colecção «Ciência Aberta», o editor Guilherme Valente recebeu em Novembro de 2012 o primeiro Grande Prémio Ciência Viva, atribuído pela Agência Nacional para a promoção da Cultura Científica e Tecnológica, uma distinção justíssima.


Referências

1. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, 2.a edição revista e aumentada, Editora Nova Fronteira, 1986.
2. «Biblioteca Cosmos. Um Projecto Cultural do Prof. Bento de Jesus Caraça», Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001 (fac ‑símile de sete livros da «Biblioteca Cosmos», com uma introdução de J. Moreira Araújo).

1 comentário:

Ildefonso Dias disse...

Duas Observações ao texto:

1. “Em contraste com Caraça, que era um cientista,...”
Parece-me que se insiste propositadamente em Portugal em afirmar, erradamente, o significado de ciência e o de investigação. É evidente que para se ser um cientista têm de se fazer investigação, (condição necessária, mas não suficiente) ora esse não foi o caso do Professor Caraça, como não o é o de muitos outros que se querem fazer passar por cientistas e nem investigação fazem (a propósito, Mariano Gago não foi um cientista, os seus trabalhos de investigação não o elevaram a essa categoria, foi essencialmente um politico).

O Professor Sebastião e Silva no depoimento “Bento Caraça, e o ensino da matemática em Portugal” é quem descreve o que foi Caraça.
“ … Na verdade, ele não foi um investigador, isto é, não foi um criador de ciência. E como poderia sê-lo, tendo sido nomeado assistente aos 18 (!) e professor catedrático aos 28, numa Escola da Universidade Técnica, onde grande parte da massa discente entrava com uma preparação deficientissima em matemática? O que devemos admirar, sim, é o seu esforço de autodidacta, as suas invulgares qualidades de trabalho, de que as «Lições de Álgebra e Análise» são um dos frutos. E sinto-me inclinado a admitir que, sob este aspecto, a sua actividade foi realmente criadora; isto é, sou levado a pensar que Bento Caraça criou, efectivamente, um estilo de ensino da matemática, de que eu próprio sou beneficiário.”

2. “Conceitos Fundamentais de Matemática, um livro que não se pode considerar completamente acessível ao público comum...”

Senhor Professor Carlos Fíolhais, observações de igual cariz acerca dos Conceitos foram feitas ao Professor Caraça, uma muito instrutiva resposta acerca pode o senhor ler no livro de Alberto Pedroso “Bento de Jesus Caraça – Semeador de Cultura e Cidadania – Campo das Letras, pags 161/2” nela está a resposta de B. Caraca a quem afirma, firmemente, acerca dos Conceitos Fundamentais da Matemática “Para os que pouco sabem de Matemática, não percebem o livro; para os que sabem, o livro não lhes dá novidades!»

P.S.: Sebastião e Silva, inicia o depoimento que referi acima com especial cuidado! Diz ele, “É óbvio que a acção pedagógica de um professor só poderá ser devidamente apreciada no contexto da época e do meio em que viveu.” As analogias feitas no texto do professor Fiolhais são sem sentido... faltou aquele cuidado!

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