Meu artigo convidado que acaba de sair na revista Ingenium da Ordem dos Engenheiros:
As Nações Unidas, que surgiram
após a Segunda Guerra Mundial, têm promovido, desde os anos 50, sucessivos Anos
Internacionais centrados em diversos temas que procuram chamar a atenção da
Humanidade para algumas questões de interesse comum. Se, no início dessa
iniciativa global, cada ano era dedicado a um só tema, nos últimos anos,
atendendo à variedade de propostas interessantes oriundas dos estados membros,
cada ano tem sido dedicado a dois ou mais temas. Por exemplo, 2005 foi o Ano
Internacional da Física, mas foi também o Ano Internacional do Desporto e Educação
Física. 2008 foi o Ano Internacional do Planeta Terra, mas foi também o Ano
Internacional das Línguas. 2009 foi o Ano Internacional da Astronomia, mas foi
também o Ano Internacional da Aprendizagem dos Direitos Humanos. 2010 foi o Ano
Internacional da Química, mas foi também o Ano Internacional das Florestas.
Finalmente, o presente ano de 2015 está a ser o Ano Internacional da Luz e das
Tecnologias baseadas na Luz, mas está a ser também o Ano Internacional dos
Solos.
Se, por vezes, não é fácil
descobrir conexões entre um tema e outro de cada ano internacional (como aconteceu
com o Planeta Terra e as Línguas ou com a Astronomia e os Direitos Humanos) noutras
vezes encontram-se imediatamente relações, que permitem menções ou mesmo
eventos interdisciplinares. Foi o caso da física e do desporto (a física tem
muito a dizer sobre o desporto) e foi ainda o caso da química e das florestas
(há muita química nas florestas). E é, na actualidade, o caso da luz e dos solos:
a luz tem muito a ver com os solos.
Em primeiro lugar, a luz tem a
ver directamente com os solos porque os solos, que cobrem o nosso planeta,
estão expostos à luz solar. O aquecimento e arrefecimento devidos à presença e
ausência da luz influenciam directamente o estado de agregação dos solos. O
aquecimento provoca dilatação dos solos e o aquecimento prolongado pode mesmo
provocar o aparecimento de fissuras. Mas, em segundo lugar, é também a energia
do Sol transmitida pela luz que permite o ciclo de água, que começa com a
evaporação e continua com a condensação e queda de água, que se infiltra no
solo, renovando os lençois freáticos. Em períodos de cheia ou de seca, os solos
ficam completamente alterados.
Contudo, o efeito maior da luz
sobre os solos dá-se através das plantas. Os solos são albergues de biodiversidade
– não apenas são os sítios onde as plantas recolhem a água e sais minerais
através das suas raízes, mas também o habitat de numerosos microorganismos e
pequenos animais. Acontece que a vida em
geral está dependente da luz solar. Não poderia existir vida na Terra se não
estivéssemos à distância certa do Sol: em Vénus é demasiado quente para haver
vida e em Marte demasiado frio. É o fenómeno da fotosíntese, extraordinariamente
abundante na Terra, que permite converter a energia associada à luz do Sol,
principalmente na região visível do seu espectro, em energia química, presente
em compostos químicos como a glicose. Para isso, concorrem não apenas o dióxido
de carbono, presente na atmosfera, mas também a água presente no solo. Na
fotosíntese, essencial no ciclo do carbono da Terra, há uma rica ligação entre
luz e solos.
Os solos participam também no
ciclo do azoto, que consiste na circulação desse elemento químico, presente na
atmosfera e nos solos, graças à acção de organismos vivos. Com efeito, algumas bactérias
associadas a plantas (leguminosas) ou residentes no solo conseguem fixar o
azoto que é necessário para as plantas produzirem moléculas biológicas como
aminoácidos, proteínas e ácidos nucleicos.
Fenómenos como a erosão, a impermeabilização,
a compactação, a perda de matéria orgânica, a poluição, etc., cujos
responsáveis são em larga medida os próprios seres humanos, estão a comprometer
a disponibilidade dos solos para agricultura. A área do solo arável, que é um
recurso preciosíssimo da humanidade, está a diminuir em todo o mundo, enquanto
a população mundial continua a aumentar. Como necessitamos da biomassa dos
solos – seja para a alimentação humana e animal seja para outras aplicações
(como nos sectores da indústria energética e bioquímica) – temos de proteger os
solos de ameaças de todo o tipo.
A ligação entre a luz e os solos
lembra-nos que o nosso planeta é um sistema complexo, em dinâmica permanente,
onde os equilíbrios necessários à vida são assaz delicados. A espécie humana,
graças à ciência e à tecnologia, dispõe hoje da capacidade de manter o planeta
habitável. Mas, para a exercer, tem de juntar conhecimentos de diversas
disciplinas e aplicá-los de forma coordenada.
Carlos Fiolhais (Coordenador da Comissão Nacional do Ano Internacional da Luz)
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