Carta aberta do Prof. Galopim de Carvalho ao ministro da Educação sobre o ensino da
Geologia nas nossas Escolas Básicas e Secundárias:
Quem, a nível
político, tem decidido sobre o maior ou menor interesse das matérias
curriculares referentes à disciplina de Geologia, mostrou desconhecer a real
importância deste domínio do conhecimento como motor de desenvolvimento e
bem-estar, mas também como componente da formação cultural dos portugueses
Escrevi há dias e
insisto em afirmar que, no panorama das nossas escolas e com as sempre
necessárias e honrosas excepções, esta disciplina limita-se a um conjunto de
matérias desarticuladas e desinseridas de um contexto unificador, tidas por
desinteressantes e, até, fastidiosas. São muitos os professores mal habilitados
que as debitam sem entusiasmo, por dever de ofício. São muitos os que, sem
capacidade crítica, seguem o estereotipado e igualmente acrítico manual
adoptado, que o aluno decora por obrigação de um programa de mérito discutível,
e que lança no caixote do esquecimento, passado que foi o exame final.
Tem sido este o quadro
nas nossas escolas, onde a Geologia sempre foi subalternizada. Foi este o
quadro em que cresceram e se formaram a imensa maioria das mulheres e dos
homens que hoje temos na política, na administração, nas empresas, na cultura,
na comunicação social, o cidadão comum.
É preciso e urgente
olhar para esta realidade do nosso ensino. É preciso e urgente que o Ministério
da Educação chame a si meia dúzia de professores desta disciplina capazes de
proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o
ensino desta área curricular, a começar nos programas, passando pelos livros e
outros manuais adoptados, pela formulação dos questionários nos chamados pontos
de exame e, a terminar, na conveniente formação dos respectivos professores.
Imenso e tido por
inabarcável, ao tempo dos descobrimentos marítimos, o nosso Planeta começa a
dar preocupantes sinais de agressão já evidentes na poluição do ar que
respiramos, da água que bebemos e dos solos onde, é bom não esquecer, radica
toda a cadeia alimentar que nos sustenta. Sendo a geologia uma disciplina
científica que nos fornece o essencial dos conhecimentos necessários à defesa
do ambiente natural e à protecção da natureza, é fulcral atribuir-lhe, ao nível
da Escola, a importância que, realmente, tem. Da exploração racional dos recursos geológicos e mineiros, todos eles não
renováveis (e são tantos) e das águas subterrâneas à protecção do ambiente e à
prevenção de catástrofes naturais, a geologia faculta-nos os conhecimentos
indispensáveis.
Apesar de ínfima no
contexto da biodiversidade, esta criatura, a última de uma linhagem evolutiva
de milhares de milhões de anos, a que foi dado o nome de Homo sapiens, só por
si e desde o advento da Revolução Industrial (finais do século XVIII, começos
do XIX), tem vindo a atentar, a ritmo exponencial, contra o meio físico que a
todos rodeia, atingindo, no presente, níveis alarmantes que justificam, entre
outras reuniões internacionais, a COP 21, que terminou ontem em Paris.
Na sociedade de
desenvolvimento, tantas vezes descurando os bem conhecidos preceitos de
sustentabilidade, privatizam-se os benefícios da produção e distribui-se pelos
cidadãos a subsequente poluição. À desenfreada procura de lucro de uns poucos,
tem de opor-se a necessária cultura científica por parte desses mesmos
cidadãos. E a Escola tem, forçosamente, que fornecer essa cultura em
articulação harmoniosa e inteligente com os saberes de outras disciplinas. Não
o molho de definições que (salvo honrosas excepções) tem sido a sua praxis.
Sendo certo que a
capacidade de intervenção de cada indivíduo, como elemento consciente da
Sociedade, está na razão directa das suas convenientes informação e formação
científicas, importa, pois, incrementá-las. E incrementá-las é facultar-lhe
correctamente o acesso aos conhecimentos que, constantemente, a ciência nos
revela.
Com os respeitosos
cumprimentos.
António Marcos Galopim
de Carvalho
Professor catedrático
jubilado
(Departamento de
Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa)
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