sábado, 31 de outubro de 2015

SOBRE O ENSINO DA GEOLOGIA EM PORTUGAL

Onde a geologia permanece subalternizada nos currículos escolares e continua arredada da cultura geral dos portugueses, dos mais humildes e iletrados às elites intelectuais mais iluminadas.

Numa luta pela valorização do ensino da Geologia em Portugal que, de há décadas a esta parte, tem sido a de alguns, entre os quais me incluo, cabe aqui relatar um caso concreto que, posso afirmar por experiência própria, ilustra muitos outros no panorama nacional.

Tive, há dois ou três anos, oportunidade de analisar, em pormenor, o relatório de um trabalho sobre um tema envolvendo noções básicas de mineralogia e geologia, elaborado por um grupo de alunos do 11.º ano, de uma das Escolas Secundárias da capital. Enchendo dois volumosos dossiers com centenas de páginas, na imensa maioria fotocópias de imagens e textos acriticamente recolhidos da internet segundo um critério de escolha que deixa muito a desejar (com o único propósito de o procurar valorizar pelo volume), este trabalho permite concluir não ter tido o acompanhamento desejável por parte do(a) professor(a) da respectiva disciplina. Esta mais do que evidente falta de acompanhamento, a que se juntou a não existência de uma desejável e necessária revisão final, fica clara na deficiente correcção dos textos escritos pelo referido grupo de alunos.

Facultado por um dos elementos deste grupo, a sua leitura permitiu-me algumas reflexões que vão ao encontro de convicções que fui somando ao longos dos anos nos múltiplos encontros que tenho tido com as nossas Escolas.

O(a) professor(a) em causa, licenciado(a) em Biologia, sabe muito pouco, ou quase nada, sobre o tema do referido trabalho e desconhece elementos básicos de química que obrigatoriamente constaram da sua formação académica, deixando passar, sem reparo ou correcção, os muitos erros e imprecisões no conteúdo científico, quer nas páginas redigidas pelos alunos, quer nas que reproduzem os documentos retirados da net. Por outro lado, não se dá conta dos imensos erros de sintaxe e de ortografia do texto. Limitou-se a passar os olhos pelo trabalho, numa leitura mais do que rápida, em diagonal, lamentavelmente desinteressada. Em conclusão, este grupo de alunos, praticamente, não beneficiou do trabalho que desenvolveu.

É certo que não podemos generalizar. Nas muitas escolas que continuo a visitar por todo o país, fazendo palestras para professores e/ou alunos, participando em debates ou em outras actividades, conheço professores dignos desse nome. Conheço licenciados em Biologia, tanto ou mais interessados e competentes no ensino da Geologia, quando comparados a muitos dos seus pares licenciados para o efeito.

De há muito que venho dizendo que o ensino da Geologia nas nossas escolas não tem merecido, por parte dos responsáveis, a atenção que esta disciplina merece como motor de desenvolvimento e bem-estar e como componente da formação integral do cidadão. Continua a ser grande a iliteracia dos portugueses nesta área do conhecimento, mesmo nos seus aspectos mais gerais e essenciais à compreensão do seu lugar no mundo. E esta iliteracia é transversal à nossa sociedade desde o mais humilde dos cidadãos, que não passou sequer pelos bancos da Escola, à grande maioria dos que integram as classes sociais ditas cultas. Chamadas de atenção como esta, expendidas ao longo de décadas, por diversos elementos da comunidade dos geólogos, continuam a não despertar as desejáveis preocupações dos que temos elegido para dar destino às nossas vidas.

A. Galopim de Carvalho

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Ciência e Humanismo. A visão da ciência de Erwin Schrödinger

Meu artigo no n.º 1 da nova série da revista Biblos


 Resumo 

Erwin Schrödinger, o físico austríaco, que foi um dos principais autores da física quântica, realizou em 1950 uma série de conferências intituladas Ciência e humanismo, que estão traduzidas em português. Analisamos aqui a sua visão da ciência como parte do esforço do ser humano em conhecer-se a si próprio Debatemos a sua visão da unidade das ciências, a relação entre ciência e técnica, as raízes profundas do pensamento científico na Antiguidade Grega e, além disso, a interacção da ciência com a filosofia e a religião. Expressamos a opinião de que uma boa parte das suas reflexões são relevantes nos dias de hoje, quando se fala da crise do humanismo. Mais humanismo significa mais e melhor ciência, o que significa progresso na integração de diferentes ramos do conhecimento humano.


É muito difícil, nos tempos que correm e atendendo a todos os tempos que ocorreram desde que há escrita, ser autor de um título original. A Biblioteca de Babel do escritor argentino Jorge Luís Borges ainda não existe na realidade, mas vamos ficando com uma aproximação cada vez melhor.

Assim, confesso que fui buscar o título que encima o presente escrito a um ensaio do físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961), o autor da mais famosa equação da teoria quântica, que preside aos fenómenos microscópicos da física e da química, e um dos nomes maiores da ciência do século XX. Em 1950 ele foi convidado a proferir um conjunto de lições no Dublin Institute for Advanced Studies, na Irlanda, onde estava exilado devido à ocupação nazi da Europa Central (Schrödinger tinha tomado posições anti-nazis, em particular contra a perseguição aos judeus). O texto dessas lições está incluído no livro Ciência e humanismo, saído em 1952 (Schrödinger 1952) e republicado em 1996 (Schrödinger 1996), antecedido do texto A natureza e os gregos, também resultado de conferências públicas, desta vez proferidas no University College de Londres em 1948, com um prefácio do físico-matemático da Universidade de Oxford Roger Penrose (n. 1931). Esta última obra está traduzida em português, tendo saído entre nós com o título A natureza e os gregos e Ciência e humanismo em 1999 (Schrödinger 1999). Se for necessária uma justificação para ir buscar o título a esta obra de Schrödinger, direi que é um dos livros da minha biblioteca que saco com mais frequência da estante, sempre que sou chamado a reflectir sobre o objectivo, o significado e o valor da ciência. E foi isto precisamente o que fiz logo que recebi o desafio para escrever sobre Ciências e Humanidades para este número da Biblos.

Lembrava-me de um parágrafo sobre o valor da ciência que aqui transcrevo para que mais leitores se venham a lembrar:
Podem perguntar – têm de me perguntar agora: Qual é, então, na sua opinião, o valor da ciência natural? Respondo: O seu âmbito, objectivo e valor são os mesmos que os de qualquer outro ramo do conhecimento humano. Ou melhor, nenhum deles por si só, apenas a união de todos eles, tem qualquer âmbito ou valor e isso acontece muito simplesmente porque representa a obediência ao comando da divindade délfica: gnóthi seauton, conhece-te a ti próprio. (Schrödinger 1999: 99) 
Sobre o propósito e a relevância da ciência tudo está dito neste aforismo atribuído a vários autores gregos: Conhece-te a ti mesmo (transliterando o grego, gnothi seauton), que terá sido inscrito no pátio do Templo de Apolo em Delfos. O conhecimento do mundo, que inclui naturalmente o homem, nada mais afinal é do que conhecimento do homem.

Breve biografia de Schrödinger

Erwin Schrödinger nasceu em Viena em 1887, filho de um botânico e industrial e neto pela parte da mãe, que era semi-austríaca e semi-inglesa, de um professor de Química da Technische Hochschule Vienna [1]. O pai era católico e a mãe luterana. Depois de ter feito estudos domésticos até aos 11 anos, foi aluno brilhante do Akademisches Gymnasium em Viena, para depois entrar na Universidade de Viena, onde aprendeu Física. Obteve o doutoramento em 1910, tendo ingressado como assistente na instituição onde tinha feito estudos superiores. Os seus primeiros trabalhos foram de índole experimental. Pouco depois de ter obtido a habilitação para a docência (1914) foi chamado a servir a Áustria-Hungria na Primeira Guerra Mundial, o que fez sem sobressaltos de maior como oficial de artilharia em posições do norte de Itália e na própria Áustria. Em 1920, ano em que se casou, tornou-se assistente de outro grande físico austríaco, Wilhelm Wien (1864-1928), na Universidade de Jena, na Alemanha. Não demorou até obter um lugar em Stuttgart e, em 1921, ficou professor em Breslau, na Polónia, donde logo mudou para Zurique.

Aí começou o período mais produtivo da sua carreira. Em 1926, quando ensinava Física Teórica na Universidade de Zurique, na Suíça, deu uma contribuição fundamental à teoria quântica, que tinha emergido no início do século, ao propor num artigo saído nos renomados Annalen der Physik (intitulado “Quantisierung als Eigenwertproblem”, “A quantização como um problema de valores próprios” (Schrödinger 1926)), a famosa equação que tem hoje o seu nome, tendo mostrado que ela funcionava na perfeição para calcular os níveis de energia do átomo de hidrogénio. Noutros três trabalhos saídos nesse seu annus mirabilis mostrou outras aplicações, designadamente ao oscilador harmónico e ao rotor, e uma generalização para o caso dependente do tempo. Partiu da leitura de um artigo do físico suíço, mais tarde também norte-americano, de origem alemã Albert Einstein (1879-1955), no qual este citava o trabalho do francês Louis de Broglie (1892-1987) relativo à dualidade onda-corpúsculo para o electrão: se era certo que uma partícula material como o electrão tinha de ser encarada como corpúsculo em certas circunstâncias, noutras tinha de ser vista como onda, tal como sucedia com a própria radiação, que se manifestava por vezes como onda e noutras vezes como corpúsculo (Einstein tinha descoberto em 1905 que, no efeito fotoeléctrico, a luz devia ser vista como um conjunto de “grãos”, os fotões). Ora, se os electrões eram descritos como ondas, deveria existir uma equação de onda. Schrödinger encontrou essa equação nas férias de Natal de 1925, que passou na estância de Arosa, não longe de Zurique, na companhia não da sua esposa mas de uma amante cujo nome permanece incógnito (a relação conjugal de Schrödinger era muito aberta, tendo ele tido ao longo da vida suas várias amantes, por vezes co-habitando com ele e a mulher; Schrödinger fazia registos das suas aventuras amorosas, mas, como falta o livro de 1925, desconhece-se quem terá sido a sua musa inspiradora). O trabalho do físico de 39 anos foi recebido com agrado tanto por Einstein como por Max Planck (1859-1947), o fundador da teoria quântica. Já não o foi do mesmo modo por Werner Heisenberg (1901-1976), o jovem alemão que tinha criado pouco antes a “mecânica das matrizes” para explicar os fenómenos microscópicos, que se veio a revelar perfeitamente equivalente à chamada “mecânica ondulatória” de Schrödinger. O alemão Max Born (1882-1970) forneceu ainda em 1926 o significado da onda, designada pela letra grega psi, que surge na equação de Schrödinger: tratava-se de uma onda de probabilidade, isto é, só poderíamos conhecer a posição do electrão indicando uma certa probabilidade. Essa interpretação de probabilidade, adaptada pelo físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), que tinha em 1913 proposto um modelo quântico simples para o átomo de hidrogénio, e, mais em geral, pela chamada “escola de Copenhaga”, que foi ganhando terreno na comunidade científica, não foi bem aceite nem por Einstein nem por Schrödinger. A questão maior é o chamado problema da medida: para descrever uma partícula quântica usamos uma onda de probabilidade, mas detectamos essa partícula num certo sítio; portanto, a onda tem de alguma maneira de colapsar no processo de medida, sob a influência do observador. Para combater esse tipo de ideias, que se opunham à tradicional separação entre observador e objecto, Schrödinger viria a criar em 1935 uma experiência mental (Gedankenexperimente) que ficou famosa: o “gato de Schrödinger” é um felino encerrado num caixa com uma certa probabilidade de estar vivo e outra de estar morto, uma vez que a sua sorte depende de um dispositivo quântico. Será que ele morre instantaneamente quando abrimos a caixa para o observar? A explicação que hoje temos é estatística: se tivermos um ensemble numeroso de caixas com gatos, num certo número delas ele estará morto e noutras estará vivo, tomando nós conhecimento da situação apenas no momento da observação.

Graças ao impacto do seu trabalho, Schrödinger conseguiu em 1927 um lugar na Universidade de Berlim, tornando-se colega de Einstein ao ocupar a cátedra de Max Planck, entretanto jubilado. Permaneceu aí até 1933. Depois, com o advento do nacional-socialismo na Alemanha, passou para a Universidade de Oxford. Nesse mesmo ano de 1933 recebeu o Prémio Nobel da Física juntamente com o inglês Paul Dirac (1902-1984), pela descoberta da sua equação (Dirac conseguiu uma equação mais geral, por satisfazer as exigências da teoria da relatividade restrita). Em Oxford não foi fácil a aceitação da sua situação de bigamia (de facto, a sua amante, de quem tinha um filho, era casada com um outro homem). Em 1934 ensinou na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, mas, convidado para lá ficar, declinou o convite. Tal como em Oxford, não foi fácil a aceitação da sua heterodoxa situação familiar. No Verão de 1934 Schrödinger deu um curso de Verão em Santander, Espanha, e no dia seguinte fez um tour, em parte turístico, por Espanha (Sanchez-Rón 1992). Recebeu um convite para um lugar na Universidade de Madrid, que recusou (um convite semelhante tinha sido endereçado a Einstein em 1933). Em 1936 acabou por se transferir para a Universidade de Graz, no seu país natal, o que mais tarde reconheceu ter sido um erro, pois em 1938 foi apanhado pelo Anschluss: aí teve de pagar o preço pelas suas posições anti-nazis e por ter abandonado a Alemanha em 1933. A Universidade de Graz passou a chamar-se Adolf Hitler (que, lembre-se, era austríaco). Ainda ensaiou uma retractação, algo ambígua, da qual mais tarde se haveria de arrepender amargamente, mas de nada lhe valeu. Foi obrigado a fugir com a mulher de comboio para Itália. Iniciou então uma odisseia pela Europa, tendo passado pelo Vaticano (foi membro da Academia de Ciências do Vaticano), pelo Reino Unido (Oxford de novo) e pela Bélgica (Gent). Em 1940, fixou-se finalmente em Dublin, à frente do então criado Instituto de Estudos Avançados, a convite do primeiro-ministro Eamon de Valera (1882-1975), um político que tinha tido formação em Matemática. Iniciou-se assim um outro período fértil da sua vida, que durou 16 anos: tornou-se um reputado professor, convidado a fazer uma série de conferências sobre física e não só. Cada vez mais Schrödinger gostava de falar sobre assuntos filosóficos, que estavam de resto em contacto íntimo com as novidades da teoria quântica. Foi em Dublin que Schrödinger proferiu em 1943 as suas conferências intituladas O que é a vida?, que resultaram na edição no ano seguinte daquele que é talvez o seu livro mais famoso (Schrödinger 1944), no qual forneceu um contributo essencial para a interpretação físico-química dos fenómenos biológicos (ver a tradução portuguesa, Schrödinger 1989). Para ele, e tinha inteira razão, todos os fenómenos da vida, incluindo a hereditariedade, eram resultado de leis físico-químicas. Em 1948, pouco depois de se ter tornado cidadão irlandês sem perder a nacionalidade austríaca, proferiu três conferências públicas em Londres sobre A natureza e os gregos e em 1950 quatro conferências também públicas em Dublin sobre Ciência e humanismo. Só em 1956, a pedido insistente de amigos e conhecidos, Schrödinger voltou à sua alma mater, a Universidade de Viena, onde lhe foi concedida uma cátedra ad personam e, logo a seguir, o título de professor emérito. Em Viena, convidado a falar sobre energia nuclear num encontro internacional sobre esse tema, preferiu falar sobre filosofia. Nos anos finais da sua vida abandonou de vez a dualidade onda-partícula para afirmar a existência apenas e tão só de ondas, posição que não poderia deixar de escandalizar os físicos da ortodoxia quântica. Nunca aceitou a ligação entre o observador e o observado, como é defendida pela “escola de Copenhaga”, preferindo como Einstein uma posição realista, isto é, para ele a realidade deveria existir independentemente do observador e da observação. Declarou um dia num diálogo com Bohr: “Se todos estes saltos quânticos acabarem realmente por ficar, tenho de me lamentar de ter tido alguma coisa a ver com ela” (Kumar 2008:223, trad. do autor).

Schrödinger faleceu em 1961 de tuberculose, uma doença de que padeceu várias vezes. Foi sepultado em Alpbach, uma aldeia dos Alpes na sua terra natal (a sua equação está numa modesta placa na campa, onde também jaz a sua mulher, companheira de vida, apesar de o divórcio ter sido sempre um tema recorrente). O padre católico que deveria presidir à cerimónia fúnebre perdeu as hesitações que tinha quanto à realização do funeral quando lhe foi comunicado que Schrödinger, cuja vida pessoal não se regulava, como foi dito, pelos cânones da moral cristã, era membro da Academia Pontifícia das Ciências.

Era poliglota: dominava o alemão e o inglês, de infância, e falava correntemente francês, italiano e castelhano (aprendeu esta língua para visitar Espanha). Sabia os rudimentos de línguas clássicas por ter frequentado o liceu clássico. Cultivou a poesia, porque lhe era impossível expressar certas emoções de outro modo (publicou em 1949 o livro Gediche (Schrödinger 1949), de qualidade literária muito discutível). Apreciava a arte, o teatro mais do que a música. Do ponto de vista filosófico, para além dos autores antigos, foi influenciado pelo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) e, entre os pensadores seus contemporâneos, pelo britânico Bertrand Russel (1872-1970), bem como pelos espanhóis José Ortega y Gasset (1883-1955) e Miguel de Unamuno (1864-1936) e, numa fase mais tardia da sua vida, por filosofias hindus. Adiante falaremos das suas particularidades em matéria de religião.

Ciência e Humanismo segundo Schrödinger 

Na senda do livro de Schrödinger ao qual retirei o título, julgo que a primeira coisa que há a dizer sobre Ciência e Humanismo é que os dois conceitos não são de modo nenhum opostos. A ciência é uma forma de humanismo. É necessário uma e outra vez reafirmar o óbvio, pois nem sempre é visto como óbvio: a ciência é feita pelo homem e para o homem. É certo que a generalidade das pessoas, quando pensa em ciência, associa-a imediatamente a descobertas, invenções e à transformação da sociedade que umas e outras abundantemente permitem. Mas o valor mais fundamental da ciência não reside, como essa maioria pensa, na sua utilidade material para a sociedade, mas sim no acrescento de humanismo que ela permite. No fundo, a ciência mais não faz do que procurar responder à interrogação da Antiguidade Clássica, “quem somos?”, a qual podemos explicitar: “Donde vimos e para onde vamos?”. Se a vida tem algum sentido, ele poderá ser o de procurar responder a estas permanentes questões, que desde os gregos têm atravessado toda a história suscitando respostas que se vão acumulando. Damos, de novo, voz ao físico Schrödinger, no início do seu ensaio sobre Ciência e humanismo: 
Nasço e faço parte de um ambiente — não sei de onde vim nem para onde vou, nem quem sou. Esta é a minha situação, tal como é a vossa. Tal como é a de cada um de vós. O facto de desde sempre todas as pessoas terem vivido e continuarem a viver nesta situação não me diz nada. A nossa questão premente tem a ver com a origem e com o destino – mas tudo o que podemos investigar é o ambiente actual. Por isso temos necessidade de descobrirmos tanto quanto pudermos acerca dele. E esse esforço representa a ciência, a educação, o conhecimento. Esta é a fonte verdadeira das diligências espirituais do homem. Tentamos descobrir tanto quanto podemos acerca do ambiente circundante espacial e temporal do local em que nascemos. E, enquanto tentamos, deleitamo-nos com isso, consideramos que essa é uma actividade extremamente interessante (será que esse não pode ser afinal o objectivo pelo qual estamos aqui?). (Schrödinger 1999: 99)
Talvez esta posição de grande abertura filosófica seja inesperada, ou talvez não seja, dadas as bem conhecidas ligações entre a física teórica e a filosofia. Schrödinger foi, claramente, além de físico, um filósofo (cerca de uma dezena dos seus livros, em geral colecções de ensaios, são, de facto, mais de filosofia do que de física). Na citação anterior está todo um programa filosófico, no sentido em que a razão de ser da ciência é explicitada. A frase “Por isso temos necessidade de descobrir tudo quanto pudermos acerca do ambiente actual” ressoa ao imperativo categórico gravado na lápide no cemitério de Göttingen do matemático alemão David Hilbert (1862-1943): Wir mussen wissen. Wir werden wissen (“Temos de saber. Havemos de saber”). A aquisição de conhecimento a respeito do mundo é uma necessidade humana, uma das maiores, senão mesmo a maior das capacidades humanas, de onde se conclui que a ciência é uma actividade humana, muito humana. A ciência é uma forma de humanismo. O conhecimento de tipo científico estará até a montante de outras necessidade humanas já que, para o físico austríaco, ele é a “fonte verdadeira das diligências espirituais do homem”, quer dizer, as inquietações metafísicas surgem a partir da experiência do mundo empírico. Por último, Schrödinger, ele que pode ser considerado um hedonista, refere o prazer proporcionado pela procura de conhecimento: no parágrafo final, modestamente colocado entre parêntesis, deixa, para quem a queira apanhar, uma especulação sobre o sentido da vida, um dos problemas maiores da metafísica.

Em 1943, Schrödinger foi o primeiro, no seu ensaio O que é a vida, que conheceu ampla difusão, a propor que a matéria viva, nas suas mais diversas manifestações, não era mais do que física e química e que era no mundo molecular, nessa altura em larga medida por explorar, que tinham de ser encontrados os fundamentos da genética. O animismo ficava com essa obra definitivamente enterrado.

O físico inglês Francis Crick (1916-2004) e o biólogo norte-americano James Watson (n. 1928), leitores desse livro, haveriam de encontrar, com a ajuda de experiências de difracção de raios X, em 1953, a estrutura em dupla hélice do ácido desoxiribonucleico, ADN, repositório da informação genética. E os últimos anos de Schrödinger foram marcados, decerto para contentamento deste, pelo desenvolvimento vertiginoso das ciências biológicas e, com base nelas, da medicina. O segredo da vida deixou de ser assim tão secreto à medida que se fazia a leitura da informação contida no genoma para o fabrico da maquinaria celular. A teoria quântica está, portanto, na ascendência directa da biologia molecular.

Poderemos hoje dizer que a razão da omnipresença dos seres humanos na Terra e o poder que o saber lhes conferiu sobre o ambiente tem a ver com o facto de a selecção natural ter proporcionado ao homo sapiens sapiens especiais capacidades cognitivas. Saber é poder — já tinha dito o filósofo inglês Francis Bacon, contemporâneo da Revolução Científica (Fiolhais 1997). Conhecendo cada vez melhor o nosso ambiente, poderemos não só furtar-nos a perigos dele provenientes como tentar concretizar uma vida o mais confortável possível. A selecção teve a virtude de associar o prazer à conquista de conhecimento, fazendo com que o alargamento das capacidades mentais seja uma necessidade biológica.

Tal como o ser humano, tendo múltiplas dimensões, tem uma unidade indesmentível, também o conhecimento deve ser unido. Para Schrödinger, o conhecimento forma um todo, sendo sem valor o conhecimento especializado que não se consiga ligar a outras parcelas de conhecimento. Isso é afirmado logo na sequência da citação anterior:
 Parece simples e evidente, e contudo necessita de ser dito: o conhecimento isolado obtido por um grupo de especialistas num campo restrito não tem por si qualquer valor. Mas apenas quando se concretiza a sua síntese com todo o restante conhecimento, e apenas desde que contribua de forma efectiva nessa síntese para conseguir responder à questão: “Quem somos nós?” (Schrödinger 1999: 99-100) 
Como havia uma só questão, as respostas tinham de ser unidas. No seu ensaio tinha começado por criticar a ideia utilitária da ciência, oferecendo três tipos de argumentos.

(1) Pese embora a diversidade de metodologias, a unidade das ciências (na língua alemã ciência é Wissenschaft, que vem de Wissen, saber) obriga ao tratamento no mesmo plano das várias ciências, tanto ciências exactas e naturais como a física, a química ou a biologia, que permitem obter aplicações práticas para a nossa vida, como ciências sociais tais como a história ou a filosofia, das quais parecem não resultar benefícios materiais mas apenas espirituais. As ciências exactas e naturais são tão ciências como as ciências sociais e humanas. Escreveu a este propósito o sábio austríaco:
Pensem no estudo ou na investigação desenvolvida na história, das línguas, na filosofia, na geografia – ou na história da música, pintura, escultura, arquitectura – ou na arqueologia ou pré-história. Ninguém gostaria de associar a estas actividades, como seu objectivo principal, a melhoria prática das condições da sociedade humana, apesar de a melhoria dessas condições advir, muito frequentemente, dessas actividades. (Schrödinger 1999: 98)
(2) Por outro lado, boa parte das próprias ciências naturais não têm qualquer relevância para a vida dos terrestres: Schrödinger nomeia a astrofísica, a cosmologia e alguns ramos da geofísica. No entanto, as pessoas revelam-se em geral sedentas pelas notícias que a ciência destes domínios lhes traz. Hoje em dia as notícias relativas a descobertas no espaço são das que mais atenções atraem, na imprensa, na televisão ou na Internet. Há, de facto, um imaginário nos céus que nos atrai. O que há para além do sistema solar? E da nossa Galáxia? O que são afinal as estrelas? O que é uma supernova? O que é um buraco negro? Houve um início do Universo? O Universo é eterno? As duas últimas questões foram durante muito tempo da esfera do religioso e hoje, embora mantenham conotações religiosas, são questões que cabem completamente na esfera da ciência, uma vez que esta lhes responde de uma forma simples: o Universo começou há cerca de 13,7 mil milhões de anos, com o evento que designamos por big bang, e, não sendo eterno para trás, é provavelmente eterno para a frente.

(3) Por último, é duvidoso que a felicidade da espécie humana tenha resultado sempre das realizações tecnológicas que se seguiram ao progresso da ciência. Schrödinger foi taxativo: “Considero que é extremamente duvidoso saber se a felicidade da raça humana tem sido melhorada graças às evoluções técnicas e industriais que se seguiram ao rápido desenvolvimento da ciência natural” (Schrödinger 1999: 98).

 Isto é, nem todas as utilidades da ciência são necessariamente boas para o homem, entrando na escolha dessas utilidades um juízo de valor que naturalmente transcende a ciência. Se a ciência é uma dimensão do homem, uma parte importante do humanismo, ela não é obviamente a única dimensão do homem, não é todo o humanismo. Há, designadamente, escolhas éticas a fazer no que respeita às potenciais realizações da ciência. A ciência pode informar a respeito das possibilidades disponíveis à Humanidade, mas é um erro pensar que cabe à comunidade dos cientistas efectuar as escolhas. Nas sociedades democráticas as decisões devem ser feitas por todos, tanto quanto possível em condições de igualdade.

Schrödinger não está evidentemente sozinho na sua apreciação do valor imaterial da ciência. Em virtude desse valor, tem sido evidenciado o paralelismo entre a ciência e a arte. O matemático francês Henri Poincaré (1854-1912) exaltou em igual medida a ciência e a arte no seu livro O valor da ciência: “Não é senão pela Ciência e pela Arte que valem as civilizações” (Poincaré 1995). Noutro livro, Ciência e hipótese, descreveu a relação artística do homem com o mundo natural, microscópico ou macroscópico, do seguinte modo:
O cientista não estuda a natureza porque tal é útil. Estuda-a porque tem prazer nisso; e tem prazer nisso porque ela é bela. Se a natureza não fosse bela, não valeria a pena o conhecimento nem a vida não valeria a pena ser vivida... Pretendo significar a beleza íntima que provém da ordem harmoniosa das partes e que pode ser compreendida por uma inteligência pura. (...) É porque a simplicidade e a vastidão são ambos belas que procuramos de preferência factos simples e factos vastos; que tomamos prazer ora em seguir os gigantescos percursos das estrelas ora em escrutinar com um microscópio a pequenez prodigiosa que é também uma vastidão ora em procurar nas eras geológicas os traços de um passado remoto que por isso nos atrai. (Poincaré 1920: 15-16, trad. do autor) 
Deduz-se que Poincaré não teria sorte nenhuma com as actuais agências financiadoras de ciência, com toda a evidência muito mais preocupados com os aspectos utilitários do que estéticos. O jornalista e escritor britânico John William Sullivan, um biógrafo de Newton e Beethoven, interessado por isso tanto pela origem da criação científica como pela da criação artística, resumiu em 1919 assim as posições de Poincaré sobre a beleza do mundo: “A medida em que a ciência falha em ser arte é a medida em que é incompleta como ciência” (apud Chandrasekhar 1987: 60; trad. do autor).

Na mesma linha o grande físico suíço e norte-americano de origem alemã Albert Einstein escreveu em 1935, num texto incluído no seu livro Como eu vejo a ciência, a religião e o mundo, que a ciência detinha um duplo poder sobre os seres humanos:
 A ciência afecta os assuntos humanos de duas maneiras. A primeira é bem conhecida de toda a gente. Directamente, e mais ainda de forma indirecta, a ciência produz benefícios que transformam por completo a vida humana. A segunda maneira é de carácter educacional – age sobre a mente. Embora pareça menos óbvia, esta segunda não é menos pertinente que a primeira. (Einstein 2005: 144) 
Ciência e técnica 

Ciência e humanismo é um libelo contra o imperativo da técnica, associada de perto à hiperespecialização da ciência já muito nítida a meio do século XX e ainda mais hoje. Ele confessa ter recolhido inspiração no filósofo espanhol seu contemporâneo José Ortega y Gasset, o autor em 1930 do livro A rebelião das massas (Ortega y Gasset 1989), onde considera alguns cientistas exemplos de gente das massas, de pessoas ignorantes, prontas a ser conduzidas a qualquer lado pela mão do Estado. Hoje em dia usa-se muito a palavra “tecnociência” para designar esse domínio da técnica sobre a ciência. Confesso que não costumo usar esse conceito, embora perceba a sua razão de ser. Se é verdade que a técnica precedeu a ciência ao longo da história (fez-se fogo antes de se conhecer a química da combustão e construíram-se máquinas a vapor muito antes de se saber a ciência termodinâmica), o certo é que modernamente, digamos desde meados do século XIX, quando se deu a segunda vaga da revolução industrial associada à electrificação das máquinas, que praticamente toda a técnica vem da ciência. Foi a teoria quântica, devida a Planck, Einstein, Bohr, de Broglie, Heisenberg, Schrödinger, Born e outros, que permitiu, após a Segunda Guerra Mundial, em 1949, a invenção do transístor, um dispositivo que mudou completamente as nossas vidas, uma vez que, hoje em dia, das televisões às máquinas de lavar, dos telemóveis aos multibancos, dos automóveis aos aviões, tudo, em toda a parte, se encontra transistorizado de modo a automatizar o maior número possível de procedimentos (as máquinas que Ortega y Gasset tanto temia inundaram o mundo, embora tornando-se invisíveis e, por isso, aparentemente menos ameaçadoras). Claro que não partilho da aversão extrema de Ortega y Gasset à ciência, expressa entre outras frases violentas pelo seguinte excerto de A rebelião das massas: “(…) a ciência experimental tem progredido em grande medida graças ao trabalho de pessoas fabulosamente medíocres e até mesmo menos que medíocres” (Ortega y Gasset 1989: apud Schrodinger 1991:101).

Pode ser verdade que há pessoas medíocres na ciência, mas também as há, não sei se em maior ou menor medida, nas artes. A mediocridade, se é certo que existe, não é, um atributo exclusivo da ciência. É oportuno citar a este respeito uma afirmação provocatória do já referido Hilbert sobre a relação da ciência com a tecnologia:
Ouve-se hoje muitas vezes falar de hostilidade entre ciência e tecnologia. Não creio, meus caros senhores, que isso seja verdade. Estou absolutamente certo que não é verdade. Não pode, de facto, ser verdade. Não têm, absolutamente nada a ver uma com a outra. (apud Rosenfeld 1962: 57).
Percebe-se o que ele quer dizer com esta boutade. A ciência, mais do que mãe da tecnologia, é uma forma de humanismo. A sua verdadeira mola é a indagação, a curiosidade, pelo que podemos perfeitamente falar de ciência pela ciência. 

Schrödinger, no seu ensaio Ciência e humanismo, dirige-se a certa altura aos cientistas e professores de ciência:
Nunca perda de vista o papel que a sua disciplina em particular tem no seio do grande espectáculo que é a tragicomédia da vida humana — mantenha-se em contacto com a vida — não tanto com a vida prática mas com o pano de fundo ideal da vida, que é cada vez mais importante. E mantenha a vida em contacto consigo. Se não puder – a longo prazo – dizer a todas as pessoas o que tem estado a fazer, então o que tem feito foi inútil. (Schrödinger 1999: 102)
E, quase no final do seu ensaio, regressa à questão inicial:
 (...) considero a ciência como uma parte integrante do nosso esforço para responder à grande questão filosófica que abarca todas as outras, a questão que Plotino expressou de forma breve – quem somos nós? E, mais do que isso, considero que esta é não só uma das tarefas, mas a tarefa da ciência, a única que efectivamente tem importância. (Schrödinger 1999: 132)
Como exemplo de ligação da ciência à necessidade filosófica dos homens, Schrödinger discute ao longo do seu ensaio, que tem o subtítulo A física no nosso tempo, a questão do contínuo e do descontínuo: a teoria quântica tinha trazido o descontínuo, embora os átomos modernos não fossem semelhantes aos de Demócrito de Abdera (ca. 460-370 a. C.). Discute sobretudo sobre a antiga questão do livre arbítrio e do determinismo. Se há determinismo, como na física clássica, então, a menos que surja qualquer solução engenhosa, o livre arbítrio parece prejudicado. Se não há determinismo como propõe a teoria quântica (o determinismo é apenas estatístico, isto é, só podemos aspirar a saber como se move uma onda de probabilidade), então o livre arbítrio ainda fica mais prejudicado. Conclui afirmando que uma mudança no conceito físico de causalidade não podia ter qualquer consequência na ética humana, isto é, se a ciência estava ligada ao homem, o homem tinha preocupações e anseios que não podiam ser resolvidos pela ciência mais avançada.

O papel dos gregos

Por que razão Schrödinger se dirigiu para a Antiguidade Grega para defender o valor da ciência? Por que ele via nos gregos um interesse pela ciência como procura do saber e uma unidade da ciência, como não conseguia ver no século XX.

No texto que antecede Ciência e humanismo, A natureza e os gregos, Schrödinger fala da origem da ciência na Antiguidade Grega, defendendo a tese de que toda a nossa ciência vem dos gregos. A ciência é uma invenção dos gregos e herdámo-la dos gregos. Essa tese não é original, tendo o autor prestado preito ao classicista britânico John Burnet: “(…) uma descrição adequada da ciência é afirmar que ela é ‘pensar acerca do mundo à maneira dos Gregos’ É por essa razão que a ciência nunca existiu senão nos seio de povos que alguma vez estiveram sob a influência da Grécia” (Burnet 1932: apud Schrödinger 1999). Também o prestou ao filósofo e classicista austríaco Thedor Gomperz: “Quase toda a nossa educação intelectual tem origem nos Gregos. Um conhecimento aprofundado destas origens constitui o pré-requisito indispensável para nos libertarmos da sua influência esmagadora” (Gomperz 1911: apud Schrödinger 1999).

Foi na Grécia antiga que surgiu a ideia da inteligibilidade da Natureza: esta pode ser compreendida, no sentido em que existem causas que originam certos efeitos. É atribuído a Tales de Mileto (ca. 624-ca. 546 a.C.) um dos exemplos mais antigos dessa atitude: ele propôs que um eclipse se deve à interposição de um astro diante da luz do Sol, não sendo por isso um acontecimento mágico, ou uma “brincadeira” dos deuses.

Preocupa-o, no início desse ensaio, o antagonismo entre ciência e religião, que ele diz compreender uma vez que a religião sempre procurou preencher os interstícios da ciência: quando havia um mistério por resolver atribuía-se a sua origem aos deuses (mais tarde a Deus). Mas, para os gregos, era possível discutir tudo o que acontecia no mundo. Um jovem, segundo Schrödinger, podia falar com Demócrito tanto sobre os átomos como sobre a Terra, a moral, a alma ou sobre os deuses:
Sou da opinião de que a filosofia da Antiguidade grega é atraente para nós nesta altura, porque nunca antes ou nunca desde então, em parte alguma do mundo, se estabeleceu algo de parecido com o sistema de conhecimento e de especulação tão avançado e tão articulado daquela época, sem a divisão fatídica que nos embaraça há séculos e que actualmente se tornou insuportável (…). Mas não havia qualquer limitação quanto aos temas acerca dos quais um homem instruído tinha a permissão de outros homens instruídos para dar a sua opinião. (Schrödinger 1999: 25)
Schrödinger enumera os motivos para regressar ao pensamento holístico da Antiguidade. Para ele no mundo moderno a ciência estava afastada do homem, havendo que os aproximar:
E depois fico muito surpreendido por a imagem do mundo real à minha volta ser muito deficiente. Ela fornece muitas informações factuais, ordena todas as nossas experiências de forma extraordinariamente consistente, mas é terrivelmente silenciosa no que diz respeito a todas as coisas que estão realmente próximas do nosso coração, as coisas que realmente têm importância para nós. Não nos consegue dizer uma única palavra acerca do vermelho e do azul, do amargo e do doce, acerca da dor física e do prazer físico. Não sabe nada acerca do belo e do feio, acerca do bom e do mau, acerca de Deus e da eternidade. A ciência por vezes faz de conta que responde a questões nestes domínios, mas as respostas são muito frequentemente tão disparatadas que nos sentimos inclinados a não as aceitar como sérias. (Schrödinger 1999: 89)
A respeito do objectivo e do subjectivo, Schrödinger analisa problemas da física contemporânea, para a qual tinha dado contributos essenciais. O sujeito, que é o observador, põe-se de fora do mundo observado, num esforço de objectivação. Mas com a teoria quântica, pelo menos na acepção de escola de Copenhaga, havia uma interpenetração entre a pessoa do observador e a coisa observada. Ora, toda a tradição da nossa ciência desde o tempo dos gregos provinha da separação entre sujeito e objecto, que ele considerava por isso basilar:
(…) Não pertencemos a este mundo material que a ciência idealiza para nós. Não estamos nele, estamos fora dele. Somos apenas espectadores. A razão pela qual acreditamos que estamos nele, que pertencemos à imagem, é porque os nossos corpos estão nela; os nossos corpos pertencem-lhe. Não apenas o meu próprio corpo, mas os dos meus amigos e também o do meu cão, gato e cavalo, e de todas as outras pessoas e animais. E este é o meu único meio de comunicação com eles.
(…) Em particular, e mais importante, esta é a razão pela qual a mundivisão científica não contém em si própria quaisquer valores éticos, quaisquer valores estéticos, nem uma palavra acerca do nosso próprio âmbito ou destino, e pela qual não tem, se quiserem, qualquer Deus. De onde vim e para onde vou? 
A ciência não nos consegue explicar os motivos que fazem com que a música nos dê prazer, nem o motivo de uma velha canção nos provocar o choro. (Schrödinger 1999: 89-90)
Quase no fim, afirma ao mesmo tempo a consciência dos limites da ciência e a confiança nas suas possibilidades:
O mundo é enorme, grandioso e belo. O meu conhecimento científico dos acontecimentos que se verificam nele abrange centenas de milhões de anos. Porém, de outra forma, restringe-se manifestamente a uns pobres 70, 80 ou 90 anos que me são concedidos. Um pequeno espaço no tempo incomensurável ou mesmo nos milhões e milhões finitos de anos que aprendi a medir e a avaliar. De onde venho e para onde vou? Esta é a grande e insondável questão. A mesma para cada um de nós. A ciência não tem qualquer resposta para ela. Contudo, a ciência representa o nível mais elevado que jamais fomos capazes de descobrir para atingir o conhecimento seguro e incontroverso. (Schrödinger 1999: 90)
Eis o sábio Schrödinger, em toda a profundidade da sua sabedoria. Por um lado, estava consciente do profundo valor da ciência e, por outro, mostrava-se céptico de a ciência ser o único meio de chegar à compreensão do mundo. Remata o seu ensaio com uma expressão de confiança no futuro da espécie humana, que era também o futuro do pensamento:
“a vida durará mais alguns milhões de anos no futuro. E por causa de tudo isso sentimos que qualquer pensamento que possamos concretizar durante este tempo não terá sido em vão” (Schrödinger 1999: 91). 
De que serve o nosso pensamento baseado no que os outros pensaram antes de nós? Pois serve, muito simplesmente, para que os outros venham a pensar.

Consciência e visão religiosa 

O autor de O que é a vida (Schrödinger 1944, 1989) termina, após debater a origem material da vida, por discutir o que é a mente, ou se se quiser o espírito, a propósito da magna questão do conflito entre determinismo e livre arbítrio, à qual haveria de voltar em Ciência e humanismo. No epílogo de O que é a vida o autor vai muito mais longe do que saber o que é a vida, ao avançar uma especulação sobre o que é a mente: avançou a tese, obviamente muito controversa (não admira que tenha sido alvo de uma tentativa de censura por parte de um clérigo irlandês que fazia a revisão de provas), de que a mente tem poder sobre os átomos, sendo assim o Eu uma espécie de Deus.

De algum modo, portanto, O que é a vida? foi premonitório do desenvolvimento das modernas neurociências. De facto, após a emergência da biologia molecular, seria a vez das neurociências conhecerem um percurso ascendente. Os segredos do cérebro deviam ser indagados, uma vez que o cérebro era, reconhecidamente, ao albergar a mente, o reduto da consciência. Na linha do epílogo de O que é a vida?, Crick foi ele próprio estudioso das neurociências. No seu livro de 1994 intitulado A hipótese espantosa (Crick 1998) com o subtítulo A busca científica da alma, defende que as neurociências já dispunham do instrumental para decifrar os fenómenos da consciência. Essa discussão prossegue nos dias de hoje.

As especulações filosóficas de Schrödinger sobre a consciência encontram filiação não apenas no pensamento de alguns antigos gregos mas também em ideias do pensamento oriental, do hinduísmo, que pouco contacto teve com o pensamento grego e que pode, por isso, ser visto como complementar deste. As ideias schrödingerianas sobre a origem e significado da consciência haveriam de ficar mais nítidas no ensaio Espírito e matéria, publicado em 1958, que está colado a O que é a vida? na edição portuguesa. Nesse livro, o autor fala da união das mentes humanas, formando uma espécie de espírito universal, Deus se se quiser. É muito claro a respeito dessa consciência universal: “Há, obviamente, apenas uma alternativa, designadamente a unificação das mentes ou consciências. A sua multiplicidade é apenas aparente, na verdade existe apenas uma mente” (Schrödinger 1989: 126).

Na continuidade da ideia da unidade biológica, revelada pelo código genético, atreve-se, portanto, a afirmar que o espírito é também universal. Se já em O que é a vida? tinha afirmado que a consciência individual não devia ser mais do que uma forma da consciência global que impregnava todo o Universo, essa ideia sai claramente reforçada em Espírito e matéria. Está aqui muito próximo da esfera da religião. A questão da religião de Schrödinger é particularmente interessante. Originário de um país católico e existindo na sua família uma linha de tradição luterana, ele afirmou-se várias vezes ateu. Mas, mesmo assim, foi um ateu muito particular, atraído por uma certa forma de panteísmo. Fala no seu texto A natureza e os gregos da:
questão da grande Unidade – o Ente único de Parménides – da qual todos nós de alguma forma fazemos parte, à qual pertencemos. O nome mais popular para ela na actualidade é Deus, com um “D” maiúsculo. A ciência é normalmente estigmatizada com a noção de que é ateísta. Depois de tudo o que dissemos este facto não é surpreendente. Se a mundivisão da ciência nem sequer contém o azul, o amarelo, o amargo e o doce — a beleza., o prazer e a piedade —, se a personalidade é excluída por consenso, como é que poderia conter a noção mais sublime que se apresenta perante a mente humana? (Schrödinger 1999: 90) 
Schrödinger continuou a sua jornada em busca do sublime. No seu livro final Meine Weltansicht (“A minha visão do mundo”), de 1961, ano da sua morte e portanto uma espécie de testamento intelectual, entra declaradamente no campo das filosofias orientais que já antes o tinham seduzido, em particular o Vedante do hinduísmo: “O Vedanta ensina que a consciência é singular, que todos os acontecimentos se passam numa só consciência universal e que não há uma multiplicidade de eus” (Schrödinger 1961: 5, trad. autor)

O espírito, sendo um, está por todo o lado. Tal como acontecia com o seu amigo Einstein (Fiolhais 2005), a visão de um Deus pessoal, como aparece nas “religiões do livro”, parecia-lhe demasiado naïve, embora admitisse a existência, numa forma pouco comum, de um ente transcendente. Porém, não se pode deixar de considerar Schrödinger como um homem religioso, uma vez que ele, reconhecendo a necessidade de transcendente, o procurou até ao fim da vida.

As humanidades e as ciências no mundo de hoje

Que podemos dizer hoje sobre o legado de Schrödinger? A sua equação mantém-se válida, sendo a base, por exemplo, de poderosas simulações moleculares que permitem por exemplo obter novos medicamentos. A descrição probabilística da realidade, negada por Einstein e Schrödinger, continua a prevalecer, à falta de melhor. O genoma humano foi já completamente sequenciado e estão todos os dias a ser estabelecidas relações com enfermidades. O problema da consciência, pesem embora os enormes avanços das neurociências, permanece por resolver. E, do ponto de vista da filosofia, se há contribuições, sempre acumuladas, da física, da química e da biologia, o certo é que as grandes inquietações continuam.

Hoje, passados 53 anos sobre a morte de Schrödinger, num mundo onde a ciência, sempre íntima da técnica, continuou a crescer, multiplicam-se as queixas sobre o défice das humanidades. Vivemos num mundo impregnado pela ciência, onde a ciência está invisível. E onde a compreensão da ciência é manifestamente escassa, limitada a alguns especialistas, poucos deles imitando Schrödinger no esforço de divulgação. Grandes questões filosóficas enfrentadas por ele, como o determinismo e o livre arbítrio, a consciência humana, a existência de Deus, continuam a colocar-se no mundo de hoje. E elas clamam, hoje como ontem, pela unidade dos saberes.

A ciência é vista com alguma desconfiança pela gente das humanidades, tal como no tempo de Ortega y Gasset. Creio que há que quebrar essa divisão, afirmando uma e outra vez, as vezes que forem precisas, mostrando com exemplos da história, que a ciência, o conhecimento, é humanismo. Conheço e apoio no essencial o discurso em defesa das humanidades, feito, entre nós, por exemplo entre outros por Vítor Aguiar e Silva, em As humanidades, os estudos culturais, o ensino da literatura e o a política de língua portuguesa: “As Humanidades, tanto as clássicas como as modernas, têm sofrido ao longo do século XX uma prolongada e perturbadora crise de identidade e legitimidade disciplinares” (Silva 2010: 71).

Não raro, a supremacia da técnica é considerada responsável por essa crise. Por vezes, fala-se também do primado das ciências exactas e naturais em detrimento das ciências sociais e humanas. Na linha de Schrödinger, devo dizer que o défice de humanidades nos dias de hoje é o défice de todas as ciências, quer dizer, o défice da unidade da ciência, de comunicações entre os seus ramos. Precisamos não só de mais ciência como também de melhor ciência. E para isso é mister um melhor ensino das ciências, todas as ciências. Se as línguas gregas e latinas desaparecem dos currículos escolares em Portugal, com prejuízo dos estudos clássicos, também a física quântica quase não aparece nos liceus e, nas universidades, está acantonada nos cursos de física e de química. Só o diálogo entre as ciências, que deve começar por um diálogo entre os cientistas, só um diálogo entre as ciências e outras actividades humanas (ver os meus ensaios sobre o diálogo com as artes (Fiolhais 1994, 2008, 2013) e sobre o diálogo com a religião (Fiolhais 2005, 2011, 2014)) poderão minorar o nosso défice da humanidade. As universidades, fazendo jus ao nome, deveriam ser um dos primeiros palcos a pôr em cena esse diálogo.

[1] As principais biografias são Moore 199 2, 2003; Gribbin 2012; em português Piza 2013.

Bibliografia 

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Fiolhais, Carlos (2005). “Einstein e a Religião”, Estudos, Nova Série n.º 4, 323-329
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Fiolhais, Carlos (2011), Em busca de sentido: Ciência e Religião, in Em busca de sentido: Ateísmo e Crença na Cnstrução da pessoa que ama, Coimbra: Gráfica de Coimbra, 45-61.
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Gribbin, John (2012). Erwin Schrödinger and the Quantum Revolution. London: Bantam Press. Kumar, Manjit (2008). Quantum. London: Icon Books.
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 Poincaré, Henri (1995) {1905]. O valor da ciência. Trad. Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Contraponto..
Poincaré, Henri (1920). Science et Méthode, Paris, Ernest Flammarion.
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Schrödinger, Erwin (1961), Mein Weltansicht, ?Wien: Paul Zsolnay.
Schrödinger, Erwin (1989). O que é a vida? Espírito e matéria. Trad. M. L. Pinheiro. Lisboa: Fragmentos.
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A ESTRANHA NATUREZA DA LUZ

Meu artigo no último As Artes entre as Letras:


A luz tem duas caras: tanto aparece na forma de partícula como na forma de onda. Uma maneira de descrever esse seu comportamento dual consiste em dizer que viaja como uma onda mas é observada como uma partícula ou grão de luz, ao qual se deu o nome de fotão. A teoria quântica permite conciliar esses dois aspectos aparentemente contrário, pois uma onda está espalhada por todo o lado ao passo que uma partícula está localizada num ponto do espaço.

Para o físico inglês Isaac Newton, que há 350 anos começou a fazer experiências de óptica, aproveitando a luz que lhe entrava pela janela do quarto e um prisma, a luz era formada por partículas. Pois não se sabia desde a antiguidade que os raios, fossem eles do Sol ou de outra fonte, viajam em linha recta, como é próprio de um projéctil? Para o grande sábio inglês a luz branca era desdobrada em luz de várias cores no interiro do prisma simplemente porque ela era composta por corpúsculos de tamanhos diferentes. Os maiores viajavam mais lentamente no vidro, ao passo que os menores viajavam mais rapidamente.  As cores do arco-íris que apareciam no vidro e continuava quando o feixe saía estavam associadas ao diferente tamanho das partículas. Newton acertou em cheio quando afirmou que o branco tinha todas as cores e quando explicou o  desdobramento das cores  pela diferente velocidade das partículas, embora tivesse falhado quando imaginou partículas de diferentes tamanhos.

A teoria corpuscular da luz foi contraditada por grandes sábios da época como o inglês Robert Hooke, que escreveu a Newton apontando inconsistências à teoria newtoniana. Foi numa resposta que Newton escreveu a sua famosa frase: “Se consegui ver mais longe foi porque estava aos ombros de gigantes.” Os historiadores de ciência ainda hoje não sabem se era uma metáfora sobre a construção da ciência ou se era antes um dito jocoso, dada a pequena estatura de Hooke. A autoridade de Newton, que foi durante muitos anos Presidente da Royal Society de Londres, parecia ter imposto de início o conceito corpuscular de luz mas o fenómeno da difracção observado no mesmo ano de 1665, quando Newton criava o arco-íris em sua casa, por um padre jesuíta em Bolonha, o italiano Francesco Grimaldi, continha em si uma crítica muito forte à teoria de Newton.  A difracção consiste no espalhamento da luz quando ela atravessa um pequeno orifício. Um projéctil iria simplesmente a direito, mas a luz, como é próprio de uma onda, espalha-se nessa circunstância em todas as direcções.

Porém, só no início do século XIX a teoria de Newton foi descartada. Uma experiência com passagem de luz por dois orifícios efectuada pelo médico inglês Thomas Young mostrava, sem apelo nem agravo, que a luz era um fenómeno ondulatório. Verifica-se não apenas difracção em cada orifício, mas também interferência – isto é sobreposição construtiva ou destrutiva - da luz que provinha dos dois. Há 200 anos o francês Augustin-Jean Fresnel descrevia matematicamente as ondas de luz, que se manifestavam na experiência de Grimaldi ou de Young.  Mas uma onda é a propagação de uma perturbação de alguma coisa? O quê?  Há 150 anos, o esccês James Clerk Maxwell, num golpe de génio, esclareceu que ondas eram essas: eram perturbações  dos campos eléctrico e magnético, sempre associados um ao outro. A luz eram ondas electromagnéticas. O alemão Hienrich Hertz mostrou no seu laboratório, alguns anos volvidos, que era possível emitir e recolher luz invisível de comprimento de onda muito maior do que a luz visível. Essas ondas foram chamadas ondas hertzianas ou ondas de rádio. Parecia que a teoria corpuscular de Newton estava morta e enterrada.

Mas, em 1905, o físico suíço Albert Einstein havia de a ressuscitar. Ao tentar interpretar um outro fenómeno estudado por Hertz, sem relação directa com as ondas hertzianas, chegou à conclusão que a luz é afinal formada por partículas. O fenómeno era o efeito fotoeléctrico. Luz invisível muito energética conhecida por luz ultavioleta , ao incidir numa placa metálica, conseguia arrancar electrões que fechavam um circuito: de algum modo a energia da luz era convertida em energia eléctrica. O choque da luz com os electrões só podia ser explicado pensando que um grão de luz batia num electrão. Não foi Einstein que chamou fotões a esses grãos, mas sim mais tarde o químico norte-americano Gilbert Lewis. Einstein chamou-lhes, em alemão, Lichtquanta (quantidades de luz). A palavra quanta é o plural de quantum, que significa quantidades. O conceito de quanta tinha sido introduzido em 1900 pelo alemão Max Planck ao descrever o chamado “problema do corpo negro”, a distribuição da intensidade da radiação dentro de um forno aquecido pelo conjunto de  comprimentos de onda. Planck, embora de forma algo relutante, propôs a extraordinária hipótese quântica: a luz é emitida ou absorvida pelas paredes do forno em quantidades discretas, os tais quanta ou pacotes de luz. Mas Einstein foi mais longe, ao afirmar que a luz não só era emitida e absorvida em pacotes, mas também existia em pacotes, ou pelo menos manifestava-se em pacotes noutras circunstâncias, designadamente quando interagia com electrões. Ganhou o Prémio Nobel da Física de 1921 por essa sua hipótese.

Eisntein estava certo e agora só faltava conciliar os opostos, isto é, desenvolver uma teoria consistente que permitia explicar o carácter dual da luz. A teoria iniciada por  Planck e Einstein acabou por fazer o seu caminho, ficando pronta em 1926, com artigos do alemão Werner Heisenberg e pelo austríaco Erwin Schroedinger. A teoria quântica permite-nos hoje descrever a  luz e a interacção da luz com a matéria. Pode parecer esquizofrénico, mas a luz é por vezes partícula – o fotão – e, por vezes onda. Tudo depende do dispositivo  e do modo de observação.

O físico português José Tinto de Mendonça, no seu recente livro “Uma biografia da luz. Ou a triste história do fotão cansado” (Gradiva, Colecção Ciência Aberta, , n.º 211) fala assim da estranha natureza da luz: “Há nomes de pessoas que são estereótipos de esquizofrenia: Ortega y Gasset, Costa e Silva, Cotton-Mouton ou Cohen-Tannoudji, o sábio de Tunes. Dois personagens numa só pessoa. O mesmo dilema se encontra na luz, que não sabe se é onda ou se é partícula. E tem, que ser as duas coisas ao mesmo tempo.”

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

To fuck, or not to fuck: that is the question


Com o prazer de sempre, e agradecendo o respectivo envio, do critico literário Eugénio Lisboa se transcreve um seu texto polémico saído no “Jornal de Letras” sobre uma recente entrevista de António Lobo Antunes (na imagem) em que o escritor se refere à influência da vida sexual na qualidade da escrita pessoana: 

O ratio literacia/iliteracia é constante, mas, 
nos nossos dias, os iletrados sabem ler e escrever”. 
Alberto Moravia

Peço, desde já, que me perdoem o tom desenfastiado desta prosa, a começar pelo título: paráfrase libertina de um solilóquio célebre. Vou usar, como verão, vocábulos desataviados ou mesmo crus: o culpado disto tudo é o escritor António Lobo Antunes que, numa entrevista recente – das muitas que ele não gosta de dar mas vai dando – sugeriu o mote, ao afirmar o seguinte, referindo-se a Fernando Pessoa: “Eu me pergunto se um homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor.”

Não é a primeira vez que o autor de Memória de Elefante nos serve este mimo. Provavelmente, ao tê-la, gostou tanto da ideia, que não se cansa de no-la servir, faça chuva ou faça sol. Reajo a ela, não tanto pela crueza vicentina do tom (e do glossário), como pelo facto de me não parecer cientificamente sustentável.

E, neste ponto, faço apelo ao que, de ciência, ainda reste na cabeça do outrora psiquiatra Lobo Antunes. Antunes propõe, em suma, que a falta de tesão de Pessoa não é compatível com o equipamento profissional de um bom escritor, ou, de maneira menos crua: a castidade não leva à criação poderosa.

Ora bem: quando se põe, em ciência, uma hipótese de trabalho, esta só se mantém de pé, até ao preciso momento em que um novo facto conhecido a vem desmentir (ou falsificar, como diria Popper). Pois o que não faltam são factos que perturbam, abanam e fazem desmoronar a atrevida asserção de Lobo Antunes – os tais factos que Ronald Reagan apelidava de “estúpidos”, porque contrariavam as suas fantasias primárias.

Isaac Newton, incontestavelmente o maior cientista de todos os tempos, morreu virgem ou, se Lobo Antunes assim preferir, não consta que alguma vez tenha fodido – o que não o impediu de sondar, como ninguém, os enigmas do universo. Também não creio que um dos maiores artistas e inventor prodigioso de artefactos tecnológicos – Leonardo da Vinci – tenha fodido por aí além.

Estes dois exemplos, só por si, bastariam para foder irremediavelmente a hipótese científica do ex-aprendiz de psiquiatra doublé de ficcionista, que dá pelo nome de Lobo Antunes. É certo que nenhum destes personagens que citei é, exactamente, um escritor e Lobo Antunes referiu-se apenas à incapacidade de um casto escrever boa literatura.

Vejamos, então, do lado dos escritores. Os exemplos – os tais factos “estúpidos” – não faltam. Henry James, por exemplo, não consta que alguma vez tenha ido para a cama, com menina ou menino. Walpole bem quis, um dia, seduzi-lo para o seu leito (desconfiado que andava de tanta reticência mais própria de solteirona ressequida), mas o autor de Portrait of a Lady recuou. Houve até uma mulher que se suicidou por ele a ter rejeitado ou não ter descodificado bem os passes que ela lhe andava a fazer, mas nada o levaria a fazer aquilo que Lobo Antunes considera fundamental para uma fecunda vida literária: foder, nem que seja só um bocado.

James deixou uma obra monumental e Graham Greene só se lhe referia, chamando-lhe, com uma vénia, “the Master”, mas Lobo Antunes é de opinião que a obra do grande ficcionista americano ficou completamente fodida por o seu autor não ter fodido.

Jane Austen, que conseguiu o milagre de agradar simultaneamente ao grande público, aos cineastas e aos “high-brows” universitários, também não fodeu. Viveu solteira e virgem e produziu, no meio da mais impertinente castidade, uma meia dúzia de obras-primas. Assim ajudando a foder consideravelmente a hipótese antunesina.

John Ruskin, que tão bem escreveu sobre arte, merecendo até a glória de ser traduzido para francês por Marcel Proust – que Lobo Antunes tanto e com tal exclusividade admira! – também não chegou a foder, embora tenha tentado: na noite de núpcias, os pelos púbicos da noiva – coisa que, pelos vistos, nunca tinha contemplado – de tal forma o horrorizaram, que deixou a pobre rapariga intacta e nunca mais repetiu a tentativa. Fodido, não é?

A poetisa americana Emily Dickinson ficou igualmente para tia, o que justifica, segundo Antunes, uma reavaliação da sua poesia, à luz de tanto não foder.

Por outro lado, Edgar Poe, o da literatura policial – com o inesquecível Dupin, ínclito precursor de Sherlock Holmes – mas também o mago da literatura fantástica e de horror – que Baudelaire admiravelmente traduziu – e o poeta romântico que Pessoa verteu para português, Poe, dizia eu, cometeu o que Antunes classificaria como o mais hediondo dos crimes: casou com a priminha de 13 anos, Virginia Clemm, sem ter chegado, porém, a fodê-la. Nem a ela nem a nenhuma outra, que se saiba.

O grande poeta Gerard Manley Hopkins, padre, ficou também casto (não sei se por ser padre, mas a verdade é que ficou), o que obrigará, em breve, a organizar-se todo um colóquio douto, para reavaliação da sua obra: quem esforçadamente não fode, escrever bem não pode, garante Antunes a quem o queira ouvir.

Também o emérito Yeats, um dos grandes da poesia do século XX, permaneceu casto até aos trintas e, durante este período de espartano “no fucking”, escreveu e publicou bastante poesia.

E, já agora, para terminar, desconfio bem que o nosso ternurento António Nobre, precursor indiscutível da nossa poesia moderna e “a nossa maior poetisa”, segundo a perfídia mansa do grande Pascoaes, também não era particularmente dado às fornicações que Antunes considera fundamentais ao acto da escrita.

Por fim, ainda na referida entrevista, o autor de Os Cus de Judas dá a Virgílio o que é de Horácio, quando alude desastradamente às odes de Ricardo Reis: assim fode, sem apelo nem agravo, a erudição vigente. É caso de se dizer que, se quem não fode escrever não pode, não é menos certo que quem pouco manuseia o antigo não logra ver além do postigo.

Abrégé do texto acima, com tese (minha): quando se trata de escrever, tanto faz foder como não foder. O importante é ter que dizer e saber o modo de o fazer. Simples?

Eu diria mesmo mais: fodidamente elementar, meu caro Watson!
Eugénio Lisboa

CREME DE MOGANGO COM CARIL

Mais uma receita deliciosa que nos foi enviada pelo Professor Galopim de Carvalho e que muito agradecemos.

1200 g de mogango (abóbora)
3 a 4 cebolas 6 dentes de alho
1 malagueta de piripiri
0,5 dl de azeite
½ colher de chá de açafrão da Índia (curcuma)
1 colher de chá de pó de caril
Coentro
Pimento encarnado
Sal a gosto

Amoleça em azeite, os alhos e a cebola depois de picados, juntamente com o piripiri. Acrescente a abóbora cortada em fatias finas, cubra-a com água e deixe a cozer.

Bata com a varinha mágica e, se necessário, adicione água na quantidade suficiente para dar ao creme a espessura desejada.

Acrescente o caril, a curcuma e o pimento encarnado cru, cortado em pequenas tirinhas muito finas e sirva bem quente.

Leve ao lume, de novo, a abrir fervura, junte o coentro picado e sirva bem quente.

Desejando, pode aveludar o creme com natas frescas.

Um outro complemento, facultativo, consiste em, ainda ao lume com o caldo a ferver, verter, aos poucos, um ovo bem batido ao mesmo tempo que mexe com o garfo de modo a obter fios,

Coloque na mesa um recipiente com cubinhos (0,5 cm) de pão frito, a fim de que cada conviva se sirva na quantidade desejada.

Bom apetite e dias felizes!

A. Galopim de Carvalho

AINDA HÁ CONDES DE ABRANHOS



Meu artigo no Publico de hoje

O novo governo, anunciado há dias, parece que tem não apenas data marcada para o parto mas também ocasião afixada para o óbito. Apesar desse mais do que provável desenlace fatal, julgo que Cavaco Silva fez bem em indigitar Passos Coelho para primeiro-ministro. Não se trata, como alguns defendem, de uma perda de tempo, mas do cumprimento escrupuloso da Constituição: o Presidente exerceu a sua função ao escolher o chefe do governo, tendo em conta os resultados das eleições para a Assembleia da República e consultando os partidos nela representados. Fez sentido – e não se trata apenas de manter uma tradição - convidar Passos Coelho, o líder do maior partido da lista mais votada, a formar governo. Mas há uma formalidade essencial, que consiste em verificar se o novo governo dispõe, como o anterior, do apoio da maioria dos votos da Câmara, um apoio imprescindível caso surja uma moção de rejeição. A democracia funcionará em pleno quando for feita essa votação, que responsabilizará todos, tanto os deputados que votem contra essa moção como aqueles que votem a favor, a quem competirá naturalmente apresentar alternativas. Cavaco Silva terá então de optar entre manter um governo de gestão, o que parece insensato (se escolher a insensatez julgo que pouca gente ficará admirada, uma vez que o próprio já preparou esse caminho), ou convidar o líder do segundo partido mais votado a formar governo. Após um governo de quatro anos, teremos agora um dos executivos mais curtos de sempre. Vamos ver quanto tempo durará a segunda vida de Passos Coelho. Para efeitos de comparação, Adelino da Palma Carlos chefiou um governo durante 63 dias, Alfredo Nobre da Costa 85 e Pedro Santana Lopes 238. O que vem a seguir? Eu que nunca esperei ver um “elefante a voar” (foi o nome que dei, antes das eleições, a um acordo entre o PS, o BE e o PCP) cá estarei para assistir, se Cavaco deixar. Em política há surpresas.

Se o segundo governo Passos Coelho findar depressa, terá, no meu entender, a sorte que merece. É, ao fim e ao cabo, uma mera continuação do primeiro, que foi recusado nas urnas pela maioria dos portugueses. O executivo que cessa funções quebrou consensos que existiam, como por exemplo aquele que unia os portugueses em prol do fortalecimento do sistema nacional de ciência. Não penso aliás que Passos Coelho tenha feito tudo o que estava ao seu alcance para obter acordos à esquerda em matérias em que eles eram altamente desejáveis. Na carta que escreveu ao PS com propostas avulsas, não incluiu o recuo na inacreditável “poda” de 50 por cento que fez na rede de ciência e tecnologia, baseada numa avaliação eivada de erros que Nuno Crato lamentavelmente caucionou. E houve enormes “podas” noutros domínios vitais para o país. Nem antes nem depois das eleições Passos Coelho admitiu ceder de forma significativa no seu programa ultra-austeritário, que afectou negativamente a ciência e a educação, mas também a saúde e a justiça. Foi ele aliás que disse que as duas principais propostas nas eleições eram muito distintas, sendo "importante apostar num resultado que dê maioria absoluta, mesmo que seja ao PS” (Jornal de Negócios, 23/7/2015). Agora dá a ideia que se prepara para ser oposição, esperando uma eventual convocação de eleições pelo próximo Presidente da República.

Basta olhar para a composição do novo governo para verificar que o futuro ex-primeiro-ministro, acastelado no seu reduto, não quer mudar praticamente nada. Deixou incólume o núcleo duro da anterior governação, incluindo o “irrevogável” vice-primeiro-ministro. Dos 17 novos ministros, 12 eram antes ministros ou secretários de Estado. São, na maior parte, militantes partidários e os que não são circulam em órbitas do PSD e CDS. Não vejo em que é que este governo é melhor do que o anterior, que já tinha muitas debilidades. Era preciso um elã que as eleições não deram.

Entre os promovidos e os novatos alguns nomes surpreenderam-me. Há sempre alguém para ministro. Ocorreu-me o Conde de Abranhos, a novela satírica de Eça de Queirós, em que o principal personagem é o Conde, poeta amador, que entra num governo por pouco tempo como ministro da Marinha. O ministro Abranhos torna-se um estadista que a pátria teima em reconhecer. A quem o emendou na Câmara assinalando que Moçambique não ficava na costa ocidental de África, respondeu: “-Que fique na costa ocidental ou na costa oriental, nada tira o que seja à doutrina que estabeleço. Os regulamentos não mudam com as latitudes!” Escreve Eça, ou melhor Z. Zagalo, o secretário e confidente do Conde: “Esta réplica vem mais uma vez provar que o Conde se ocupava sobretudo de ideias gerais, dignas do seu grande espírito, e não se demorava nessa verificação microscópica de detalhes práticos, que preocupam os espíritos subalternos.” Ainda há Condes de Abranhos.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O MEU COM DEBATE COM JOSÉ DOS SANTOS LOPES: CIÊNCIA E FALSA NA MEDICINA

Fica aqui o vídeo, registado pela Saber Viver Lisboa TV, do meu debate com José dos Santos Lopes, presidente da Associação Portuguesa de Homeopatia, que decorreu na biblioteca Municipal de Oeiras no dia 15 de Outubro, no âmbito do ciclo "Conversas na Aldeia Global", dinamizado pelo jornalista Vasco Trigo.

A minha apresentação inicial:



A apresentação inicial de José dos Santos Lopes:



O debate:

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

BEIJO TÉCNICO E OUTRAS HISTÓRIAS


Aprensentação do novo livro de Fernando Venâncio

quinta-feira, 29 de Outubro, às 18:30

Livraria do Miguel de Carvalho
Adro de Baixo, 6

Coimbra 

Diálogo com Gonçalo Waddington

Informação recebida do escritor Luís Carmelo - Cursos Ícone, em Lisboa:

No próximo sábado, dia 31 de Outubro (14.30 - 18.15h), terá lugar a quinta sessão dos Cursos Ícone - IV com a presença de Carlos Fiolhais e de Gonçalo Waddington (ver aqui os dados biobibliográficos dos autores http://escritacriativaonline.net/autores/carlos-fiolhais/ - http://escritacriativaonline.net/autores/goncalo-waddington/ ).

No caso específico da sessão de 31 de Outubro, está em causa um formato a dois que propõe um debate (ilimitadamente) aberto, baseado nos contrastes/ligações entre a obra que Gonçalo Waddington escreveu muito recentemente (Albertine, O Continente Celeste - a partir de Proust e da teoria da relatividade) e as obras de difusão científica (para o grande público) que Carlos Fiolhais tem vindo a criar. Em  ambos os casos, temos a tradução como tema chave (traduzir conceitos/ideias para linguagens e públicos segundos). Trata-se, pois, de explorar territórios de interdisciplinaridade entre a arte, a literatura, a ciência e a escrita. Um debate que promete!

Deve referir-se que a sessão está praticamente esgotada.

Deixamos aqui o plano das sessão dos Cursos Ícone-IV:
14.30h » 15.30h – Exposições Iniciais.
15.30h » 16.15h – Interacções e Debate.
16.15h » 16.45h – Pausa.
16.45h » 17.45h – Parte da sessão dedicada às influências que marcaram os autores.
17.45h » 18.15h – Interacções e Debate.

As sessões dos Cursos Ícone-IV decorrem na sede da EC.ON (Rua do Possolo, 16-1º, Lisboa – http://escritacriativaonline.net/sobre/espaco/).

CURSOS ÍCONE - IV
03/10 - João Paulo Cotrim.
10/10 - Gonçalo M. Tavares (Literatura e imaginação / sessão I).
17/10 - Gonçalo M. Tavares  (Literatura e imaginação / sessão II).
24/10 - Almeida Faria.
31/10 - Carlos Fiolhais + Gonçalo Waddington.
28/11 - Bruno Vieira Amaral.
05/12 - Nuno Camarneiro + Cristina Carvalho.
12/12 - Nuno Júdice.

Cursos Ícone: o laboratório experimental da EC.ON

Os Cursos Ícone - IV abrem-se como um leque de interrogações sobre a criatividade e os processos que conduzem à descoberta expressiva. As perguntas habituais dos Cursos Ícone (“Como crio? Como descubro? Como invento?”) aplicam-se e alargam-se, nesta sua quarta edição, à ciência, à poesia, ao romance e a outros testemunhos e tensões que se situam na fronteira entre a inventividade estética e os territórios do quotidiano.

AJUDA A ESTUDANTES SÍRIOS EM COIMBRA


FORUM DO FUTURO NO PORTO


VÍDEO SOBRE A RECENTE EXPERIÊNCIA DE DELFT QUE CONFIRMA A TEORIA QUÂNTICA

REVISITAR VIEIRA


O programa do Simpósio Internacional "Revisitar Vieira no século XXI" já se encontra disponível no site do simpósio e pode ser consultado no menu "Programa": http://www.simposiovieira21.org
Devido à elevada quantidade de comunicações porpostas e aceites para integrarem o programa deste evento científico, foi necessário antecipar o seu início para dia 7 de janeiro.

Comissão Organizadora
Simpósio Internacional "Revisitar Vieira no século XXI"

ANO ZERO - BIENAL DE COIMBRA



FERNÃO MENDES PINTO EM BD


O Centro Nacional de Cultura recebe José Ruy para o lançamento da 4.ª Edição da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. A obra será apresentada pelo Prof. Guilherme d’Oliveira Martins. A sessão, que abrirá com a projecção do videograma «Por esta Peregrinação Acima», de José Ruy e Fausto Bordalo Dias, terá lugar no dia 26 de Outubro, segunda-feira, com início às 18:30 horas, na Galeria Fernando Pessoa do Centro Nacional de Cultura, Largo do Picadeiro n.º 10 – 1.º (ao lado do Café No Chiado), Lisboa.

 SINOPSE
FERNÃO MENDES PINTO – Nasceu em Montemor o-Velho, em 1510. Durante 21 anos efectuou uma aventurosa viagem pelo Oriente, vindo a escrever a Peregrinação entre 1570 e 1578, no Pragal, em Almada. Em 1614 foi postumamente publicada, com cortes feitos pela censura de então. Na capa dessa primeira edição, impressa em Lisboa, pode ler-se: «PEREGRINAÇÃO de Fernão Mendes Pinto Em que dá conta de muitas e muito estranhas coisas que viu e ouviu no reino da China, no da Tartária, no do Somau que vulgarmente se chama Sião, no do Calaminhão, no Pegú, no de Martavão, e em outros e muitos reinos e senhorios das partes orientais, de que nestas nossas do ocidente há muito pouca ou nenhuma noticia. E também dá conta de muitos casos particulares que aconteceram assim a ele como a outras muitas pessoas; e no fim dela trata brevemente de algumas coisas e da morte do Santo Padre Mestre Francisco Xavier, única luz e resplendor daquelas partes do Oriente e nelas Reitor Universal da Companhia de Jesus».

A PEREGRINAÇÃO, de Fernão Mendes Pinto, é uma das obras-primas da literatura portuguesa do final do século xvi, excelentemente adaptada por José Ruy para banda desenhada e agora reeditada na comemoração dos 400 anos da sua publicação.

 SOBRE O AUTOR
José Ruy nasceu na Amadora em Maio de 1930. Cursou Artes Gráficas na Escola António Arroio, onde foi discípulo do Mestre Rodrigues Alves, e frequentou habilitação a Belas Artes. Iniciou-se como autor de textos e desenhos com 14 anos, tendo publicado 79 álbuns, 48 dos quais em banda desenhada, com destaque para Os Lusíadas, Aristides de Sousa Mendes, Humberto Delgado e História da Amadora, e também em língua mirandesa, Ls Lusíadas, João de Deus e Mirandés. Tem colaborado em diversos jornais e revistas, nomeadamente em O Cavaleiro Andante e Selecções BD. Editou e dirigiu a 2.ª série do jornal O Mosquito. O rigor na investigação e a qualidade dos seus trabalhos têm sido apreciados de norte a sul do país, com múltiplas homenagens e a atribuição de 25 prémios. Expôs com sucesso em vários países da Europa, na China, no Japão e no Brasil. Primeiro autor a ser galardoado com o Prémio de Honra do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, em 1990. No ano seguinte foi distinguido com a Medalha Municipal de Ouro de Mérito e Dedicação da sua cidade natal, onde o seu nome foi atribuído a uma escola e a uma avenida. Seis dos seus livros, publicados na Âncora Editora, são recomendados pelo Plano Nacional de Leitura: João de Deus, A Magia das Letras

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...