quarta-feira, 11 de março de 2015

(Re)Acção! Química e Cinema! O leproso de Sinde Filipe e Domingo à Tarde de António Macedo

Domingo à Tarde (1966)
Na Sala do Carvão hoje pelas 21:30, O Leproso (1974), real. Sinde Filipe | Domingo à Tarde (1966), real. António de Macedo.

Apontamentos para um comentário aos filmes:

A lepra é uma das doenças mais marcantes na história da humanidade. São vários os episódios que envolvem doentes de lepra estigmatizados, por exemplo, na Bíblia. O conto “O Leproso” de Miguel Torga, no qual se baseia a curta metragem com o mesmo nome, foi publicado em 1944. Neste, o médico consultado por Julião (o leproso) pouco pode fazer para o ajudar, e por isso temos hoje alguma dificuldade em avaliar a real dimensão da tragédia: a lepra era uma doença desfigurante e maldita que não tinha as perspectivas de cura que tem hoje.

Por exemplo, no artigo da Enciclopédia Portuguesa-Brasileira dos anos 1940 sobre a lepra, esta doença aparece como incurável e de prognóstico fatal, sendo recomendado o isolamento dos doentes. A sulfona promin foi desenvolvida nessa década mas só depois de 1950 se começou a recorrer à dapsona, uma molécula relacionada com a primeira, que ainda hoje é usada em combinação com outros antibióticos como a rifampicina, descoberta no final dos anos 1950. Curiosamente, a dapsona havia sido descoberta anteriormente mas não foi considerada segura e eficaz. É também curioso que um medicamento maldito pelo mal que causou a recém-nascidos nos anos 1960, a tralidomida, tenha encontrado no tratamento da lepra alguma remissão. No entanto, ainda hoje morrem todos os anos cerca de duas centenas de milhar de pessoas com esse doença.

Em “Domingo à Tarde”, filme baseado num romance de Fernando Namora, Jorge é um médico cínico e azedo que conhece Clarisse, uma doente com leucemia que se recusa a dar atenção à sua doença e que o vai conduzindo em passeios e aventuras, em geral bastante inocentes mas quase sempre insólitos. A relação vai evoluindo, mas Clarisse acaba por morrer. Em 1961, ano da publicação do livro, a leucemia tinha ainda perspectivas de cura bastante reduzidas. O arsenal terapêutico era limitado e o reaparecimento da doença frequente.

No início do século xx surgiu a radioterapia e, a partir dos anos 1940, começaram a estar disponíveis alguns medicamentos quimioterápicos que só começaram a ser usados na década seguinte. Por exemplo, o metotrexato e a mercaptopurina, que são ainda medicamentos de referência, surgiram nessa altura. Mas só a partir dos anos 1970 começaram a surgir medicamentos eficazes na cura de algumas formas de leucemia. A partir dessa altura passaram também a estar disponívies outras formas de tratamento como o transplante de medula (para os quais mais uma vez a talidomida encontrou utilidade) e mais recentemene o tratamento com anticorpos monoclinais. No livro são referidos ensaios clínicos incipientes de compostos promissores obtidos a partir de uma alcachofra. Não provêm de alcachofras, mas a enzima asparaginase, obtida de uma bactéria, e a vincristina obtida de uma planta, são medicamentos ainda hoje usados.

Hoje em dia dispomos de mais medicamentos e formas de tratamento que nos anos de 1960, mas ainda há alguns tipos de cancros que resistem às terapias. O papel da química na descoberta de novos medicamentos e tratamentos continua por isso a ser fundamental.


Organização: Departamento de Química da FCTUC e Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes da FLUC   

Ciclo integrado na 17.ª Semana Cultural da Universidade de Coimbra e nas comemorações dos 725 anos desta instituição.

Sem comentários:

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...