segunda-feira, 23 de março de 2015

CONSELHO NACIONAL DE DESEDUCAÇÃO


Artigo de opinião de Guilherme Valente saído há uma semana no Expresso:

Entre as várias coisas boas que este Ministro da Educação foi capaz de fazer, a melhor foram os exames. E a prova, como se previa, viu-se logo: passados um ou dois anos sobre a medida, as médias subiram em todas as escolas. Em todas, mas mais… nas públicas! Nas "más", e isso é que é importante, para dar oportunidade e esperança a todas as crianças, criando as condições para diminuir o fosso da desigualdade social. (E subiram menos nas privadas por nelas haver já mecanismos de exigência de trabalho e de ser outro, regra geral, o empenho dos pais.)

Saudada com júbilo pelos que realmente se preocupam com a qualidade do ensino e o destino dos alunos, essa subida nos resultados enervou e abalou, como se viu, os defensores do facilismo, da ideologia que serviu magnificamente aqueles que quiseram e querem inviabilizar a educação em Portugal.

E a reacção não tardou. O CNE, agora com a cobertura útil do presidente que passou a ter - as escolhas e delegações deste Ministro são, regra geral, um desastre - vem agora propor, criminosamente, o fim das reprovações, isto é, o fim dos exames a sério. Para isso invocou três "razões", todas agoniantes:

Uma, a de que as reprovações não resolvem o problema dos alunos que reprovam - e a transição sem se saber resolve? E foi por isso mesmo que desde sempre defendemos... a necessidade de apoio reforçado aos alunos reprovados. Solução que vêm apresentar agora como se fosse uma descoberta sua.

Outra razão, a de que reprovação suscita nas crianças perturbações emocionais, é hilariante, na linha de concepções e de práticas idiotas que têm conduzido à infantilização dos alunos, gerando jovens e adultos sem autonomia, personalidades frágeis incapazes de enfrentar as mínimas contrariedades que a vida a toda a gente inevitavelmente coloca.

E, última razão evocada, a de que as reprovações custam caro ao Estado. Razão hipócrita esta, por ser apresentada pelos que sempre tão assanhadamente atacaram o Ministro por "sacrificar a qualidade do ensino à poupança de dinheiro". Poupar-se-ia 900 milhões, dizem-me que terá dito o meu Amigo Eduardo Marçal Grilo – então porque não poupam tudo? Fechem-se as escolas, acabe-se com a Educação!

A proposta do CNE junta cegueira ideológica e ressentimento a uma aparente...burrice. E porquê? Por que os exames, a reprovação (a que chamam beatamente retenção), não se destinam apenas, nem sobretudo, a proporcionar aos alunos sem qualificações para transitar de ano a possibilidade de recuperarem. O objectivo e benefício dos exames a sério são sistémicos.

Isto é, promover o estudo pelos alunos todos, a qualidade do ensino (e o estudo...) pelos professores, a preocupação dos pais relativamente ao trabalho escolar dos filhos, e também o empenho e competência do aparelho do Ministério. O objectivo dos exames é, em suma, pôr toda a gente a trabalhar, a estudar, a ensinar e a educar realmente, informando e responsabilizando todos, professores, directores, escolas, ministério e pais.

Percebe-se, assim, porque precisamos em Portugal de um regime de exames bem diferente daquele de que necessitam sociedades como a finlandesa ou a japonesa, por exemplo.

Acabar com os exames, como agora vem defender o CNE determinará, rápida e inelutavelmente, que se passe a estudar menos e a ensinar pior. Voltará a descer, portanto, o nível de formação dos alunos, a crescer o abandono escolar e a indisciplina, a irresponsabilidade de estudantes e professores (e a frustração dos melhores deles), a indiferença dos pais. E os mais prejudicados seriam, serão…, como sempre foram, os mais desfavorecidos, assim se contribuindo para agravar ainda mais as desigualdades sociais. E entrariam ainda menos alunos no ensino superior, a não ser que também nesse grau de ensino viesse a verificar-se uma descida ainda mais escandalosa de exigência. Facto, infelizmente, bem provável, aliás, pois não começaram já alguns Politécnicos a decidir o fim de alguns exames – com excepção do exemplo que se esperava dos de Lisboa, Porto e Coimbra? Tudo para agravar a miséria da realidade política, cultural, económica, financeira, o pântano em que o País tem vivido.

Guilherme Valente

«Expresso» de 14 Março de 2015

9 comentários:

Zé Morgado disse...

Manifestamente o Dr Guilherme Valente não entendeu ou não quis entender o Relatório do CNE. Questionar o efeito da retenção não tem rigorosamente a ver com "facilitismo". Só um pequeno exemplo, a Noruega tem taxa de retenção 0% e não consta que os seus alunos "passem sem saber". Está também por provar que os exames, só por existirem constituam a poção mágica da qualidade, medir muitas vezes a febre não a faz baixar.

Anónimo disse...

«E a reacção não tardou. O CNE, agora com a cobertura útil do presidente que passou a ter - +as escolhas e delegações deste Ministro são, regra geral, um desastre -» é uma delícia.

Em Portugal a questão da responsabilidade funciona assim: se quem está lá é nosso inimigo então é responsável, ultra-culpado e deve ir-se embora imediatamente; se quem lá está é nosso amigo, é um problema de escolhas e delegações desastrosas.

É giro. Honestidade intelectual...

Vasco Gama disse...

É pena que se recorra a uma desonestidade para se tirarem conclusões (políticas obviamente, como quaisquer afirmações que ignoram a realidade). Não é verdade que "passados um ou dois anos sobre a medida, as médias subiram em todas as escolas". Esta é uma afirmação falsa, logo desonesta, que não deveria ser usada por quem atira violentamente para a discussão com a "cegueira ideológica e ressentimento". Consultem-se por favor os (insuspeitos) dados da PORDATA.

Vasco Gama disse...

Dados da PORDATA dos exames de Português do Ensino Secundário:
https://www.pordata.pt/Portugal/M%C3%A9dia+global+dos+resultados+na+prova+de+exame+de+Portugu%C3%AAs+do+ensino+secund%C3%A1rio-2502
Os resultados desceram em 2013 e em 2014 subiram mas são ainda inferiores aos de 2009.

Vasco Gama disse...

Dados dos exames de Física e Química A:
https://www.pordata.pt/Portugal/M%C3%A9dia+global+dos+resultados+na+prova+de+exame+de+F%C3%ADsica+e+Qu%C3%ADmica+A+do+ensino+secund%C3%A1rio-2499
Os resultados desceram em 2012, subiram ligeiramente (0,1) em 2013 e subiram em 2014 mas ainda para valores inferiores aos de 2008 e de 2011.

Vasco Gama disse...

Dados dos exames de Português do Ensino Básico:
https://www.pordata.pt/Portugal/M%C3%A9dia+global+dos+resultados+na+prova+de+exame+de+Portugu%C3%AAs+do+ensino+b%C3%A1sico-2507
Os resultados desceram em 2013, subiram em 2014 mas para valores iguais aos de 2009 e inferiores aos de 2008 e 2010.

Vasco Gama disse...

Resultados dos exames de Matemática do Ensino Básico:
https://www.pordata.pt/Portugal/M%C3%A9dia+global+dos+resultados+na+prova+de+exame+de+Matem%C3%A1tica+do+ensino+b%C3%A1sico-2508
Os resultados desceram em 2011 e 2013 e subiram em 2012 e 2014 mas para valores inferiores aos de 2008 e 2009.

Vasco Gama disse...

Os resultados de Matemática A têm vindo a descer todos os anos desde 2010:
https://www.pordata.pt/Portugal/M%C3%A9dia+global+dos+resultados+na+prova+de+exame+de+Matem%C3%A1tica+A+do+ensino+secund%C3%A1rio-2497

António Pedro Pereira disse...

Logo que saiu o artigo do Papa Anti-eduquês no Expresso, salvo erro a 14, vim aqui vezes sem conta para confirmar que seria, de imediato, publicado.
Estranhei, não aparecia.
Estive uns dias sem cá vir e agora deparo-me com ele, posto no dia 23.
Sacrilégio: 9 dias de incerteza para os crentes da Igreja deste Papa.
Finalmente a ordem divina foi reposta.

"O PODER DA LITERATURA". UMA HISTÓRIA, UM LIVRO

Talvez haja quem se recorde de, nos anos oitenta do passado século, certa professora, chamada Maria do Carmo Vieira, e os seus alunos do 11....