Crónica da escritora Cristina Carvalho:
Tanta
ovelha, tanta cabra e mais galinhas daquelas que põem ovos de vários calibres
que vão do S ao XL, muitos porcos, muito gado variado - uns a relinchar outros,
outros a balir, a cacarejar, uma barulheira dos infernos! Muita couve, muita
cenoura, muita alface, muita flor, muito saco de plástico e o mau cheiro, muito
mau cheiro como se acordássemos neste terreiro por volta de 1740 no tempo em
que Lisboa, essa luminosa sereia das águas do Tejo, era conhecida pela fermosa estrebaria e que se não fosse o
terramoto, se calhar ainda estávamos a chafurdar numa ensolarada e muito bem
conservada praça-monumento, sala de visitas da capital. É que vamos ter,
novamente, o já célebre e afamado Picnicão do Continente! Lembro-me do ano
passado, de ler no jornal e ver na televisão como esta praça se transformou,
logo a seguir ao famoso picnicão, num
belo e arejado jardim do lixo. Cascas de amendoim, cascas de tremoço, o caroço
da azeitona e as garrafas de cerveja, papéis lustrosos, brilhantes, de variadas
marcas de bolachas e de chocolates, beatas aos milhões – refiro-me a pontas de
cigarros, bem entendido! – lenços de papel amarfanhados, caricas, rolhame de
garrafas de vinho, escarros secos no chão, folhas de couves, fruta apodrecida
cheia de nódoas negras pelos pisões que levou, os carrinhos das bifanas mais
seu aroma a subir, a subir em espirais de fumo azulado direito ao céu limpo de
Lisboa. Foi então que finalmente, nesta tarde de bem-querer, apareceu Tony
Carreira a cantar num palco grande e amplo e toda a gente a vibrar num delírio
de espantar!
Isto
sim! Valeu a pena, sim senhora, entrar nessa camioneta, viajar tanta auto
estrada, levantar de madrugada, enrouquecer ao sol pôr, de tanto e tanto
cantar! De tanto e tanto aplaudir chega a doer-me mãos, seca-se-me a boca
antiga, mas que festa! Maravilha! É isto que a gente quer, tudo o resto não
interessa, alguém faz com que eu me esqueça, alguém quer só que eu me esqueça,
é tudo para o nosso bem. Esganiçarmo-nos como os galos, espreitar a fruta e o peixe,
bom convívio, salutar, e lá por trás o Continente sempre e sempre a zelar! É
tudo a zelar por nós, dos teus pais aos teus avós. Mesmo o cheiro pestilento
não tem importância nenhuma, amanhã é outro dia, o tal de dia
a seguir, sabes lá! Nem imaginas! Estive ali mesmo pertinho, quase, quase o
apalpei, eu bem quis mas não cheguei, o Tony é tão simpático, a fruta estava
barata, o peixe mesmo a saltar, os porcos a relinchar, os cavalos a roncar, as
galinhas a balir, as cabras cacarejando, eu já estou toda trocada, tal é esta a
excitação de uma cena irrepetível! Vi Lisboa de corrida, não passei da sua
entrada e senti-me uma rainha, alguém que conhece a vida, digo-te agora eu a
ti, digo a ele e digo a ela, foi um dia inesquecível, mas regresso à Bobadela,
vou para o Porto e para a Arrentela, já lá vou na camioneta, já aqui vou
adormecida, cansada mas satisfeita, os olhos quase a fechar e tudo numa visão,
que pena já acabou, resta-me a Seleção que vai salvar Portugal e resta-me a
sensação de que a vida não tem fim, que tudo valeu a pena, que todos velam por
mim.
E
novo ano chegou e com ele o Picnicão! Quero mais! Quero muito mais! E quero
arroz para os pardais e peru assado à mesa. Tudo com delicadeza e que viva o
Continente mais o seu picnicão! Só por isto vale a pena ter nascido portuguesa!
Irra!!!
CRISTINA
CARVALHO
1 comentário:
Este texto está um mimo.
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