A propósito da necessidade (ou não) de um segundo 25 de Abril, ou de uma segunda revolução francesa, global, ocorre-me escrever algumas palavras sobre a emergência de uma segunda revolução quântica [1].
A primeira revolução quântica deu-nos novas regras que governam a realidade física. A segunda revolução quântica usará essas regras para criar novas tecnologias. Tudo indica que nas próximas décadas surgirão tecnologias quânticas, tais como tecnologias de informação quântica, sistemas quânticos electromecânicos, electrónica quântica coerente, óptica quântica e tecnologias da matéria coerente.
A primeira revolução quântica começou no início do século passado, com a tentativa e explicar os resultados de experiências envolvendo a radiação do corpo negro, e durou quase três décadas. Dessa teoria surgiu a ideia fundamental da dualidade onda-partícula: a ideia de que tanto a luz como as partículas de matéria se comportam, umas vezes como ondas, outras vezes como partículas. Esta ideia está na base de quase todos os progressos científicos e tecnológicos associados a essa primeira revolução. A química moderna e a física dos semicondutores, que é o suporte das tecnologias de informação, resultaram do conhecimento de que o electrão se comporta como uma onda. O conhecimento de que uma onda de luz tem, em certas circunstâncias, de ser tratada como partícula, levou à explicação do efeito fotoeléctrico, à tecnologia das células solares fotovoltaicas, das máquinas de fotocópia e dos lasers.
A segunda revolução quântica que aí vem será responsável por muitas das tecnologias (físicas) do século XXI.
A tecnologia quântica assenta na organização e controle das componentes de sistemas complexos governados pelas leis da física quântica, em oposição à tecnologia convencional que se desenvolveu no contexto da física clássica.
Uma das tendências dominantes na inovação tecnológica é a miniaturização, que consiste em produzir dispositivos cada vez mais pequenos. Estamos a chegar ao tamanho dos átomos e das moléculas, com dimensões da ordem do nanómetro (um nanómetro é um milionésimo de um milímetro), em que o projecto terá de se basear nos princípios da mecânica quântica.
A diferença entre ciência e tecnologia reside na capacidade de usar o conhecimento científico para alterar a natureza em nosso proveito e não apenas para explicar os fenómenos que nela ocorrem. Na segunda revolução quântica estamos activamente a usar a mecânica quântica para modificar, em nosso proveito, aspectos quânticos do mundo físico. Para além de explicar a tabela periódica, podemos simular átomos (pontos quânticos, por exemplo) com as propriedades electrónicas e ópticas desejadas. Podemos criar novos estados quânticos artificiais, com novas propriedades de precisão e correlação não-local, no desenvolvimento de novos computadores e sistemas de comunicação. Deste modo, a mecânica quântica, bem estabelecida como ciência, está a dar origem a uma engenharia quântica como uma tecnologia emergente. É apenas uma questão de estar no sítio certo e na altura certa para tirar proveito destes novos desenvolvimentos.
De entre os princípios, que suportam esta tecnologia, salientam-se a quantização, o principio de incerteza, a sobreposição quântica, o efeito de túnel, o entrelaçamento quântico e a descoerência.
As ferramentas da tecnologia quântica baseiam-se numa engenharia de precisão que irá requerer medidas de alta precisão, pelo que vamos precisar de uma metrologia quântica. Precisaremos de sistemas de controle quântico, com feedback, correcção de erros, etc. Serão necessários protocolos de comunicação quântica, com novos meios de interconectividade em sistemas complexos — está à vista uma internet quântica, que irá precisar de novos protocolos de comunicação e computação quântica.
As tecnologias quânticas incluirão as tecnologias de informação quântica, com os seus algoritmos, criptografia e teoria de informação quânticos. Teremos sistemas quânticos electromecânicos, por exemplo, baseados em microscopia de força atómica de ressonânica magnéica de um só spin. Está emergente a electrónica quântica coerente, usando, por exemplo, circuitos quânticos de supercondutores. Já começou a era da fotónica quântica, da spintrónica (electrónica baseada em spins) e começa a da electrónica molecular coerente. A electrónica molecular poderá usar métodos de auto-montagem típicos dos sistemas biológicos, dando origem a uma nanotecnologia biomimética. Os novos materiais como o grafeno e os nanotubos estarão no foco dos nanodispositivos quânticos ao nível molecular, funcionando em regimes baseados quer na física clássica quer nos princípios quânticos.
Uma listagem de tecnologias quânticas à vista incluirão certamente, com estes nomes ou com outros com significado idêntico:
- Computadores quânticos de estado sólido
- Óptica quântica
- Interferometria quântica
- Litografia e microscopia quânticas
- Imagiologia não-interactiva por interferência (obtenção de imagens com fotões que não interactuam directamente com o objecto observado)
- Teleportação quântica
- Lasers atómicos (que geram feixes de átomos, ou ondas de matéria coerentes, como um laser gera um feixe de luz coerente)
Surgirão ainda novas tecnologias quânticas agora totalmente impensáveis.
Estas tecnologias estarão brevemente à disposição da humanidade, para o bem e para o mal. Algumas dão já os primeiros passos com aplicações comerciais como a criptografia quântica já utilizada, por exemplo, na segurança de telecomunicações, como em transferências bancárias. Em Portugal há vários projectos em curso visando algumas dessas tecnologias, em particular no Instituto de Telecomunicações, onde se investiga, que me ocorra de momento, a física da informação quântica e a segurança quântica, comunicações ópticas envolvendo apenas um ou um número muito pequeno de fotões, e electrónica molecular.
[1] Jonathan P. Dowling and Gerard J. Milburn, “Quantum technology: the second quantum revolution”, Phil. Trans. R. Soc. Lond. A 2003 361, 1655-1674
Luís Alcácer