quarta-feira, 30 de abril de 2014

A SEGUNDA REVOLUÇÃO QUÂNTICA: TECNOLOGIA QUÂNTICA

A propósito da necessidade (ou não) de um segundo 25 de Abril, ou de uma segunda revolução francesa, global, ocorre-me escrever algumas palavras sobre a emergência de uma segunda revolução quântica [1].
A primeira revolução quântica deu-nos novas regras que governam a realidade física. A segunda revolução quântica usará essas regras para criar novas tecnologias. Tudo indica que nas próximas décadas surgirão tecnologias quânticas, tais como tecnologias de informação quântica, sistemas quânticos electromecânicos, electrónica quântica coerente, óptica quântica e tecnologias da matéria coerente.     
A primeira revolução quântica começou no início do século passado, com a tentativa e explicar os resultados de experiências envolvendo a radiação do corpo negro, e durou quase três décadas. Dessa teoria surgiu a ideia fundamental da dualidade onda-partícula: a ideia de que tanto a luz como as partículas de matéria se comportam, umas vezes como ondas, outras vezes como partículas. Esta ideia está na base de quase todos os progressos científicos e tecnológicos associados a essa primeira revolução. A química moderna e a física dos semicondutores, que é o suporte das tecnologias de informação, resultaram do conhecimento de que o electrão se comporta como uma onda. O conhecimento de que uma onda de luz tem, em certas circunstâncias, de ser tratada como partícula, levou à explicação do efeito fotoeléctrico, à tecnologia das células solares fotovoltaicas, das máquinas de fotocópia e dos lasers
A segunda revolução quântica que aí vem será responsável por muitas das tecnologias (físicas) do século XXI.  
A tecnologia quântica assenta na organização e controle das componentes de sistemas complexos governados pelas leis da física quântica, em oposição à tecnologia convencional que se desenvolveu no contexto da física clássica.   
Uma das tendências dominantes na inovação tecnológica é a miniaturização, que consiste em produzir dispositivos cada vez mais pequenos. Estamos a chegar ao tamanho dos átomos e das moléculas, com dimensões da ordem do nanómetro (um nanómetro é um milionésimo de um milímetro), em que o projecto terá de se basear nos princípios da mecânica quântica.    
A diferença entre ciência e tecnologia reside na capacidade de usar o conhecimento científico para alterar a natureza em nosso proveito e não apenas para explicar os fenómenos que nela ocorrem. Na segunda revolução quântica estamos activamente a usar a mecânica quântica para modificar, em nosso proveito, aspectos quânticos do mundo físico. Para além de explicar a tabela periódica, podemos simular átomos (pontos quânticos, por exemplo) com as propriedades electrónicas e ópticas desejadas. Podemos criar novos estados quânticos artificiais, com novas propriedades de precisão e correlação não-local, no desenvolvimento de novos computadores e sistemas de comunicação. Deste modo, a mecânica quântica, bem estabelecida como ciência, está a dar origem a uma engenharia quântica como uma tecnologia emergente. É apenas uma questão de estar no sítio certo e na altura certa para tirar proveito destes novos desenvolvimentos.        
De entre os princípios, que suportam esta tecnologia, salientam-se a quantização, o principio de incerteza, a sobreposição quântica, o efeito de túnel, o entrelaçamento quântico e a descoerência.
As ferramentas da tecnologia quântica baseiam-se numa engenharia de precisão que irá requerer medidas de alta precisão, pelo que vamos precisar de uma metrologia quântica. Precisaremos de sistemas de controle quântico, com feedback, correcção de erros, etc. Serão necessários protocolos de comunicação quântica, com novos meios de interconectividade em sistemas complexos — está à vista uma internet quântica, que irá precisar de novos protocolos de comunicação e computação quântica.
As tecnologias quânticas incluirão as tecnologias de informação quântica, com os seus algoritmos, criptografia e teoria de informação quânticos. Teremos sistemas quânticos electromecânicos, por exemplo, baseados em microscopia de força atómica de ressonânica magnéica de um só spin. Está emergente a electrónica quântica coerente, usando, por exemplo, circuitos quânticos de supercondutores. Já começou a era da fotónica quântica, da spintrónica (electrónica baseada em spins) e começa a da electrónica molecular coerente. A electrónica molecular poderá usar métodos de auto-montagem típicos dos sistemas biológicos, dando origem a uma nanotecnologia biomimética. Os novos materiais como o grafeno e os nanotubos estarão no foco dos nanodispositivos quânticos ao nível molecular, funcionando em regimes baseados quer na física clássica quer nos princípios quânticos. 
Uma listagem de tecnologias quânticas à vista incluirão certamente, com estes nomes ou com outros com significado idêntico:
  • Computadores quânticos de estado sólido
  • Óptica quântica
  • Interferometria quântica
  • Litografia e microscopia quânticas
  • Imagiologia não-interactiva por interferência (obtenção de imagens com fotões que não interactuam directamente com o objecto observado)
  • Teleportação quântica
  • Lasers atómicos (que geram feixes de átomos, ou ondas de matéria coerentes, como um laser gera um feixe de luz coerente)
Surgirão ainda novas tecnologias quânticas agora totalmente impensáveis. 
Estas tecnologias estarão brevemente à disposição da humanidade, para o bem e para o mal. Algumas dão já os primeiros passos com aplicações comerciais como a criptografia quântica já utilizada, por exemplo, na segurança de telecomunicações, como em transferências bancárias. Em Portugal há vários projectos em curso visando algumas dessas tecnologias, em particular no Instituto de Telecomunicações, onde se investiga, que me ocorra de momento, a física da informação quântica e a segurança quântica, comunicações ópticas envolvendo apenas um ou um número muito pequeno de fotões, e electrónica molecular. 

[1] Jonathan P. Dowling and Gerard J. Milburn, “Quantum technology: the second quantum revolution”, Phil. Trans. R. Soc. Lond. A 2003 361, 1655-1674


Luís Alcácer

150 obras da "Classica Digitalia"

Desde a origem da biblioteca digital Classica Digitalia que o De Rerum Natura dá conta das suas publicações que, agora atingiram o marco simbólico das 150.

É, pois, com redobrado gosto que aqui deixamos a informação de mais dois títulos em parceria com a Imprensa da Universidade de Coimbra e de um título em parceria com o Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra.

Série “Autores Gregos e Latinos” [Textos]
- Carlos A. Martins de Jesus: Baquílides. Odes e Fragmentos Tradução do grego, introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC/Annablume, 2014). 241 p.

“Conferências e Debates Interdisciplinares” [Estudos]
- Maria de Fátima Silva: Aristófanes. Rãs. Tradução do grego, introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC/Annablume, 2014). 181 p. Hiperligação: PVP: 12 € / Estudantes: 9 € Série

- Carmen Soares (coord.), Espaços do pensamento científico da Antiguidade (Coimbra, IUC, 2013). 98 p.

A MATANÇA DO PORCO

Imagem colhida in: doca.dos.aflitos.blogspot.com
Quando comecei a ter consciência do mundo à minha volta, já se não matava o porco em nossa casa. Isto porque havíamos mudado de residência e deixáramos de ter instalações adequadas, entre as quais a grande chaminé da cozinha, com lume de chão, para fumar os enchidos. Vivendo na cidade, tínhamos o talho onde a carne fresca e de salgadeira, chouriços, linguiças e farinheiras, estavam diariamente à nossa disposição. Não matar o porco em casa não impediu que assistisse, muitas vezes, a este ritual de Inverno, vindo da Antiguidade, através de sucessivas civilizações, em que o animal era oferecido, em sacrifício, aos deuses. Esta tradição chegou a ser, desgraçada e estupidamente, interdita por uma legislação fabricada em Bruxelas, no seio da União Europeia, pelos mesmos citadinos que assistem, indiferentes, à expansão dos fast food e de muitos outros alimentos ditos de plástico. Para salvaguarda desse património cultural, houve sempre por essas aldeias, felizmente, quem prevaricasse, aproveitando uma mais prolongada, providencial e, às vezes, combinada ausência da patrulha da Guarda. 



Depois de sangrado, chamuscado, raspado e lavado, havia que pendurá-lo, de cabeça para baixo, num chambaril suspenso de uma trave do tecto. O chambaril é uma espécie de cruzeta onde se prendiam os fortíssimos tendões das patas traseiras do animal. Aberto e esventrado de tripas e demais entranhas, aguardava-se que a carcaça secasse e arrefecesse depois de lhe passar uma noite fria por cima. 


Só ao outro dia, manhã cedo, o mesmo magarefe que o sangrara, armado de facas de vários usos, um cutelo e um serrote, vinha desmanchá-lo e dividi-lo em porções, cada qual com seu destino, que ia separando em alguidares de barro. Com parte do sangue recolhido, de mistura com vinagre, para não coalhar, confeccionava-se a rechina, no que se consumiam as fressuras. Bem aromatizada com cominhos, servia-se no próprio dia da matança, ao almoço, com sopas de pão cortadas às fatias finas e rodelas de laranja, para desenjoar, constituindo o festim dos que sempre apareciam para ajudar e, também, para comer. O sangue restante era cozido e, depois de frio, cortado às fatias e temperado com azeite, vinagre e alho.



Das lides da matança, competia às mulheres cortar as carnes para os enchidos e temperá-las de acordo com os destinos a dar-lhes, seleccionando-as para os paios, as linguiças, os chouriços e as farinheiras. Só não se ocupavam desse trabalho as que, na ocasião, estivessem menstruadas, uma crença, como muitas outras, que ninguém explicava mas que todas respeitavam.

Imagem retirada de «porcastrautarquicas09.wordpress.com»
Mantas de toucinho alto de uma mão-travessa, chispes inteiros, faceiras, orelhas e ossos eram acondicionados na salgadeira. Esvaziado do sal e dos restos amarelecidos da conserva do ano anterior, este baú de madeira, a ressumar salmoura antiga, era raspado e lavado para receber o sal novo, cristalino e branco de neve, para conservar, por mais um ano, a nova provisão.

Havia sempre quem aproveitasse o toucinho velho que, embora com um leve pico de ranço, sempre dava jeito àqueles que o levavam. Uma lasquinha deste toucinho, bem raspado do sal, e uma rodela de cebola, dentro de duas grossas fatias de pão, faziam a ceia de um pobre, dizia-se.
A. Galopim de Carvalho

HUMOR DA NET: O HOMEM INVISÍVEL


Prefácio a "Meu Dito, Meu escrito" de Maria de Sousa (Gradiva, 2014)


Prefácio da autora ao livro "Meu Dito, Meu escrito" de Maria de Sousa, que acaba de sair na Gradiva: 

Uma rara ocasião e um começo que habitualmente aparece no fim 

 Este livro não existiria sem a ajuda cuidada, generosa e preciosa de dois amigos, antigos alunos do curso de Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto: os agora médicos Dr.s Miguel Ângelo Duarte e Helder F. Araújo. Carlos Fiolhais contribuiu com uma última dedicada leitura, transmitindo a convicção infecciosa de que valeria a pena publicar este manuscrito. Todos contribuíram com tempo e preciosa atenção dedicados a encontrar no manuscrito repetições, erros ortográficos, referências por preencher e outras incorrecções várias. Helder Araújo e Carlos Fiolhais, no entanto, juntaram a essa leitura cuidada a função de autênticos editores, figura que me habituei a respeitar e reconhecer no convívio com escritores anglo-saxónicos, mas que parece não estar disponível em Portugal. O editor, neste caso o Sr. Dr. Guilherme Valente, é a figura que persiste em acreditar que um autor amador é capaz de acabar um livro. Agradecimentos e expressões de reconhecimento, que habitualmente aparecem no fim de artigos científicos, aparecem assim no começo deste livro, num prefácio escrito em Junho de 2013. Mais agradecimentos são devidos aos que me ajudaram nas últimas revisões do texto, completados em Fevereiro de 2014. Esses aparecerão no final. Pensei que o melhor agradecimento e expressão de reconhecimento de tanto trabalho e paciência seria ter acabado o manuscrito do livro. Esse dia parece ter chegado primeiro no sábado, 22 de Junho de 2013 e voltado a chegar hoje, 31 de Janeiro de 2014, depois da leitura de Carlos Fiolhais já em 2014. Creio que a paciência e persistência do editor se estendeu, pelo menos, pelos últimos 10 anos. A entrada por 2014 permitirá incluir um texto sobre a preocupação que paira no país com o futuro da Ciência, publicado no jornal Público a 29 de Janeiro de 2014.

O facto de a preparação deste manuscrito ter levado esses longos 10, 11, ou talvez mesmo 12 anos, permitiu-me chegar a uma belíssima e muito rica surpresa ainda em Junho de 2013: receber e poder celebrar ainda neste livro o aparecimento de uma obra sobre a história da Universidade de Lisboa, uma obra inspirada pelo Professor António Nóvoa, último Reitor da Universidade dita Clássica de Lisboa, e coordenada pelos Professores Hermenegildo Gonçalves (séculos xiii-xvi), Sérgio Campos Matos e Jorge Ramos do Ó (séculos xix e xx) com a colaboração de colegas da mesma universidade (Fernandes, H. (coord.), 2013. A Universidade medieval em Lisboa. Séculos XIII-XVI. Lisboa: Tinta-da-China. e Campos Matos, S. e Ramos do Ó, S. (coord.), 2013 Universidade de Lisboa. Séculos XIX-XX. Lisboa: Tinta-da-China).

A obra, que consiste de três volumes cobrindo o período medieval (séculos xiii-xvi), o século xix  o século xx, situa-se entre as celebrações do primeiro (e único) centenário da Universidade dita Clássica de Lisboa e a sua fusão com a Universidade Técnica, fusão que teve lugar em 2013, cumprindo o conteúdo do Decreto-Lei n.º 266-E/2012, de 31 de Dezembro de 2012.

Refiro esta ocasião como rara por duas razões: pela fusão de duas universidades públicas em Portugal e pelos livros agora publicados virem precisamente ao encontro da preocupação expressa nas páginas anteriores: que possamos saber melhor de onde vimos, quem somos, do que precisamos fazer para chegar, ou não, onde outros chegaram e o que outros poderão aprender com o que nós quase esquecemos. A referida obra, agora publicada com o apoio da Universidade de Lisboa e Fundação Calouste Gulbenkian, deixa registado não só aquilo que quase esquecemos mas também as razões por que talvez muita coisa nunca se saberá ao certo, sobretudo do período medieval. Esta é a primeira ilustração de uma das verdades da ciência, que o leitor virá encontrar repetidamente neste livro: O que sabemos é a mais pequena parte do que ignoramos.  (Orta, G. d’, citado em Silva Carvalho, 1934. «Garcia d’ Orta», Separata da Revista da Universidade de Coimbra, vol. XII, n.º 1, p. 120.)

 Diz Nóvoa no prefácio:

"O esforço levado a cabo marca a necessidade de compreender uma das instituições mais antigas, a Universidade, e o seu papel ao longo dos séculos. O estudo do passado e a construção da memória são passos necessários para que as instituições adquiram a espessura e capacidade crítica, dotando-se dos instrumentos necessários a uma reflexão sobre si próprias. Dedicadas ao pensamento e ao conhecimento, nem sempre as universidades criaram as condições para se poderem pensar e conhecer." (Nóvoa, A., 2013. Prefácio. In Fernandes, H., op. cit., p. 16).

No livro sobre a universidade medieval em Lisboa, aprendemos que Garcia d’ Orta, o Ervas das páginas 181 a 186 deste livro e autor da citação sobre a dimensão do que ignoramos, foi lente de Filosofia Natural entre 1530 e 1534, de Filosofia Moral em 1534, e de Súmulas em 1533-34. O trabalho, de Silva Carvalho, que voltará a ser citado mais tarde, foi escrito em 1934 precisamente para marcar os 400 anos da partida para a Índia de Garcia d’ Orta (In Orta, G. d’, op. cit). Hermenegildo Gonçalves cita dois registos no Chartularium Universitatis Portuguensis referentes a Orta:

"ambas cartas de privilégio, as duas de Abril de 1526: pela primeira concede-lhe o rei a faculdade de andar de mula, não obstante as ordenações em contrário; pela segunda dá-lhe licença para a prática da medicina nos seus reinos, depois de já ter sido examinado pelo físico-mor. Já sobre Pedro Nunes, lente de Filosofia Moral (1528‑1529), lente de Lógica (1530-1531) e lente de Metafísica (1531‑1532), portanto contemporâneo preciso do anterior, temos um conjunto de cartas régias nomeando-o cosmógrafo régio (1529), ainda enquanto bacharel, mais tarde como doutor (1534), ao mesmo tempo que o identificam em todos os casos como membro da casa do rei." (Fernandes, H., 2013. Introdução. Op. cit., p.) 

Passei, assim, a sentir um orgulho novo por me ter licenciado em Medicina na Universidade de Lisboa em 1963, 400 anos depois da publicação do grande livro de Garcia d’ Orta, num tempo que sem o privilégio de poder andar de mula, ir do Alto do Dafundo à Faculdade de Medicina onde ainda está hoje exigia muitas horas e o uso de três meios de transporte público: eléctrico, comboio e autocarro.

Por muito orgulho que tivesse sentido em poder relacionar a minha passagem pela Universidade de Lisboa com tão notáveis antepassados, o prefácio de António Nóvoa da obra agora publicada deixa-me igualmente orgulhosa por ter o seu autor como meu preciso contemporâneo.

Deixa palavras que passo a citar, em parte por serem suas, em parte por não serem muito diferentes das de outros precisos contemporâneos (aqui citados mais tarde), sobre o futuro, o presente e a palavra escrita:

 António Nóvoa:

«A perenidade conquista-se e merece-se graças a um esforço contínuo de renovação e de mudança. É a consciência aguda do tempo e da história que nos traz a responsabilidade do presente.» (Nóvoa, A., 2013, op. cit., p. 17.)

Barack Obama (p. 243):

«O futuro é nosso, a conquistar. Mas para chegar lá não podemos ficar parados. Como Robert Kennedy nos disse, ‘O futuro não é uma dádiva. É uma conquista a cumprir [achievement, em inglês]». (Obama, B., 2011. State of the Union Speech.)

 Dominique de Villepin (p. 161):

«... as palavras ficam como as únicas e verdadeiras armas desde que a imprensa deu ao discurso os meios de permanecer um presente eterno.» (De Villepin, D., 2008. La Chute de l’Empire de la Solitude 1807‑1814.Paris: Perrin, p. 477.)

Maria de Sousa

terça-feira, 29 de abril de 2014

O que 40 anos de Democracia fizeram pela Ciência em Portugal

Texto publicado na imprensa regional, elaborado a partir de um artigo do professor Carlos Fiolhais.


Comemorados os 40 anos do 25 de Abril, importa fazer um breve balanço da evolução da ciência em Portugal durante estas quatro décadas de democracia.

A história mostra que a ciência sempre evoluiu mais intensamente em sociedades livres e democráticas e isso mesmo aconteceu também entre nós. Vejamos alguns factos.

Com a implementação da democracia a 25 de Abril 1974 e com a entrada de Portugal na CEE (actual União Europeia) a 1 de Janeiro de 1986, viram-se reunidas condições para um desenvolvimento extraordinário, e sem precedentes, da ciência entre nós. A isso não é alheia a transferência para Portugal de consideráveis fundos europeus que foram usados para apoiar um crescente número de investigadores e edificar infraestruturas para a produção científica.

Neste contexto, é incontornável a criação em 1995 do Ministério da Ciência e Tecnologia e em 1996 da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Com um ministério para a ciência e com uma entidade, a FCT, para atribuir e coordenar o apoio para a investigação científica, o país assistiu a um aumento exponencial no número de cientistas a investigar em instituições portuguesas. Pode dizer-se que há mais cientistas portugueses nestes últimos 40 anos do que em toda a história de Portugal.

Verificou-se também uma grande internacionalização. Exemplo disso foi a adesão de Portugal a vários organismos científicos internacionais como o CERN - Centro Europeu de Pesquisa Nuclear, a ESA - Agência Espacial Europeia e o ESO - Observatório Europeu do Sul.

Foram criados vários Laboratórios Associados de excelência. O primeiro foi o Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNCUC) a que se seguiram outros.

Mostremos alguns indicadores da evolução de se fala. O investimento em investigação e desenvolvimento cresceu de 0,3% no início dos anos de 1980, para 1,5% em 2012 (dados da PORDATAbase de dados de Portugal contemporâneo da responsabilidade da Fundação Francisco Manuel dos Santos).

Em 1981 doutoraram-se 110 pessoas, sendo que em 2012 esse número aumentou cerca de vinte vezes para 2209. O número de publicações científicas em revistas indexadas, que foi de 3,9 por cem mil habitantes no ano de 1982 passou para 156,7 por cem mil habitantes em 2012, cerca de 40 vezes mais!

A cultura científica também se democratizou e desenvolveu entre nós. A editora Gradiva, com a colecção Ciência Aberta criada no princípio dos anos 80, tem feito um trabalho de divulgação científica através do livro, tendo publicado mais de 200 títulos.

Com a democracia, os órgãos de comunicação social começaram a dedicar espaço à Ciência como nunca o tinham feito antes. Recentemente, através do programa Ciência na Imprensa Regional, tem também aumentado significativamente a difusão de cultura científica através destes periódicos.

A Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, criada em Julho de 1996, tem promovido a cultura científica junto dos cidadãos através da criação e apoio a vários centros ciência viva espalhados por todo o território nacional.

Em resumo, a ciência evoluiu em Portugal como poucas outras áreas da nossa sociedade. Apesar disso, ainda não atingimos valores da média europeia pelo que é muito importante não se diminuírem os apoios à actividade científica nas suas diversas componentes. Não devemos dar-nos ao luxo de perder o que conseguimos nestes 40 anos. É que o conhecimento, neste caso o científico, é a nossa maior riqueza.

António Piedade

segunda-feira, 28 de abril de 2014

O enigma da matéria escura

Informação chegada ao De Rerum Natura.

Na próxima 4.ª feira, dia ​30 de Abril de 2014, pelas 18h00 realiza-se no RÓMULO - Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra a palestra intitulada O enigma da matéria escura, com a Professora Doutora ​Isabel Ferreira Lopes, do Departamento de Física da Universidade de Coimbra. 

Esta palestra insere-se no Ciclo de palestras Cosmos, ​organizado pelo Bioquímico António Piedade.

Público em geral.
Entrada Livre e Gratuita.

sábado, 26 de abril de 2014

Em ciência, não há coincidências: só em televisão…



Alguns dias à volta do 25 de abril estimularam-me a escrita: se já tenho tendência para ligar coisas improváveis, fico deveras perturbado quando a coincidência me bate à porta.
Os factos, primeiro: facto 1, a infelicidade que é, para muitos, ver estremecer a excelência do Serviço Nacional de Saúde; facto 2, uma conversa de Carlos Fiolhais com Medina Carreira; 3, a presença de quatro senhoras no mais recente Expresso da 1/2 noite; 4, a sintonia de posições de Joana Amaral Dias e Henrique Medina Carreira quanto a alguns aspetos do exercício da opinião; e 5, o facto de, na qualidade de professor, acabar sempre a puxar a brasa à minha sardinha.
O comentário, agora:
1—A política de restrições orçamentais já produziu resultados incómodos em serviços de saúde que, julgávamos nós, teriam atingido uma fasquia de excelência que ninguém esperava baixar. O ministro da saúde tem mais qualidades do que a maioria dos outros, mas é aplicado na redução de despesas, e os especialistas da área começam a achar que as restrições já afetam o funcionamento de hospitais, estruturas de assistência, e rotinas normais das áreas de medicamentos. Maria José Morgado comentou, no Expresso da 1/2 noite, que o Serviço Nacional de Saúde é um milagre—o que, a julgar pelo funcionamento do resto do país, pode ser encarado como uma descrição exata.
2—Carlos Fiolhais e Henrique Medina Carreira entretiveram-se a concordar educadamente um com o outro, ao longo do programa Olhos nos olhos, mas percebia-se, volta, não volta, o facto de estarem em fundamental desacordo. Judite Sousa, que não é distraída, fez questão de sublinhar o desacordo, e fez muito bem: Medina Carreira acha que qualquer tentativa de manter a percentagem do orçamento do Estado aplicada na investigação é errada, porque não há dinheiro; Carlos Fiolhais entende que, ao contrário, é importante reforçá-la, porque é insuficiente face ao investimento da média dos países europeus; e que deve ser feito um esforço suplementar na colocação profissional dessas pessoas, estimulando, em concreto, a modernização e qualificação do setor empresarial, por exemplo. Tudo isso multiplica o tal dinheiro. E mencionou, a propósito, as boas realizações de algumas empresas modernas intimamente ligadas às estruturas universitárias donde emergiram. O debate acerca da inutilidade de muitos diplomas existentes dividiu-os, mas, de facto, terá cumprido uma missão anunciada por Medina Carreira: foi pedagógico, porque deu aos espetadores critérios para alimentar melhor a opinião.
3—No Expresso da 1/2 noite, a cientista Maria de Sousa sublinhava, de forma particularmente expressiva, que a Ciência não deve ser apoiada para reforçar a economia de um país: a formação científica deve ser incentivada para incorporar a cultura de um país. É, sobretudo, um projeto de investimento cultural—traz, entre várias virtudes, a capacidade de duvidar e fazer perguntas—que, admitamos, tem consequências económicas visíveis sempre que calha. (Só não se sabe quando e onde calha…) Entretanto, quando Maria José Morgado se pôs a falar da corrupção, e dessa outra cultura que é a da não prestação de contas, foi interrompida por Joana Amaral Dias, que considerou a apreciação generalista e perigosa: lá podem vir uns a dizer que os políticos são uma classe horrível, e que com o António de Oliveira Salazar é que estávamos em paz e quentinhos. Mais adiante, Maria José Morgado, falando do desastre que são os tribunais, acrescentou que só a educação parecia estar pior. Referiu o livro A sala de aula, de Maria Filomena Mónica (afirmando que, finalmente, percebeu tudo sobre a crise do ensino), depois de dizer várias coisas sobre a estrutura da justiça e a corrupção (mostrando que já há muito tempo percebeu tudo sobre essa crise)—e foi interrompida de novo por Joana Amaral Dias: é perigoso dizer estas coisas, porque depois vem aí o José Manuel Durão Barroso falar sobre os anos de escola dele, que eram muito catitas—manifestamente, produziram-no a ele—, e vêm outros, a afirmar que o caos do ensino público acaba… acabando o ensino público.
4—Henrique Medina Carreira já manifestara um susto semelhante, de sinal contrário: não interessa nada falar em bons resultados—também é perigoso—, porque, depois, as pessoas desatam a afirmar que tudo está muito bem, e não corrigem o que está mal: serve para que os aldrabões enganem a sociedade. Bom: Henrique e Joana—a mesma luta.
5—No fundo, é tudo a mesmíssima guerra, vista com óculos diferentes. Como tenho andado a aprender coisas sobre a Finlândia, recordo-me de ler que, na crise profunda que atravessaram no final do século passado, nunca abrandaram no investimento no ensino, com qualidade repetida na escolha e preparação de um corpo docente extremamente qualificado, e gratuidade de todo o sistema até ao fim dos estudos superiores. Os níveis elevados de investimento na formação científica e investigação foram, ao longo da crise, deixando muitos responsáveis com o coração na garganta: e se estavam errados? Os primeiros resultados do PISA, no ano 2000, vieram surpreendê-los, muito para além das expectativas mais otimistas: estavam no topo da escala!  E a indústria e a Nokia continuavam a crescer…
Podemos daqui inferir que quaisquer cortes na formação científica dos portugueses são cegueira: não podemos desinvestir, por muito que tenhamos de poupar—exatamente porque temos de poupar. Negociemos PPPs, façamos contas a assessorias, parques automóveis desmedidos, gastos supérfluos de representação. Combatamos a corrupção, organizemos a justiça para não deixar impunes patifarias que saem caras ao país. Mas deixemos a formação científica e a investigação em paz—ou, ainda melhor, façamo-las crescer mais um pouco. E invistamos a sério na formação dos melhores professores que conseguirmos produzir, já que boa parte dos problemas deste país ainda é de ordem cultural: basta olhar para a câmara dos representantes para perceber isto. O ex-ministro Miguel Relvas também pode servir de exemplo.
O Serviço Nacional de Saúde não é só um milagre, como diz Maria José Morgado: é um resultado da concentração de gente com formação científica numa tarefa, em área onde abundam cientistas. É um corpo criado e meticulosa e insistentemente aperfeiçoado por pessoas com sólida formação científica, noção dos objetivos, sentido das finalidades; com momentos de tentativa e erro, modéstia nas emendas, e uma clara e cívica ética de serviço público. Joana Amaral Dias atribui-o a políticos: o impulso legislativo, a institucionalização do fenómeno, sim; mas a ossatura e os vários tecidos que o constituem, e lhe dão rosto, são um claro exemplo do que podem fazer especialistas com formação de ciências, tão esclarecidos na prática da assistência médica como Maria José Morgado na da justiça. São os frutos da escola e da reflexão que, penso eu, faltam na jurisprudência e no ensino, onde o raciocínio científico talvez esteja demasiado ausente.
Não; não há coincidências, em ciência. Se calhar, bem vistas as coisas, nem em televisão…
António Mouzinho

sexta-feira, 25 de abril de 2014

"Tudo pode acontecer"

Pensava eu numa forma de expressar a minha apreensão acerca da possibilidade de liberdade neste "caldo de pensamento social" em que vivemos (que dada a sua estranheza e mistificação, não sei se consigo entender bem) quando vi uma pequena entrevista a Luísa Costa Gomes, realizada em 1994. As suas palavras são obviamente mais esclarecedoras do que as minhas poderiam ser, aí ter optado pela sua transcrição:
"Os 20 anos do 25 de Abril são uma época de plena reacção ao 25 de Abril, que começou em plenos anos oitenta (...) o sistema em que vivemos agora instalou-se nessa altura.
Tenho uma certa dificuldade, para ser inteiramente sincera, de falar do 25 de Abril. Porque acho que é uma coisa muito vaga, aconteceram muitas coisas, aconteceram muitas coisas antes, durante, depois. O 25 de Abril é uma coisa que cristalizou num conceito que, para mim, é bastante vago, o conceito de liberdade.
Cada vez mais a História me demonstra que não há progresso, que há avanços e recuos permanentes. Não sei porque razão. Neste caso, eu acho que não se trata de regressão, no sentido que, bem ou mal, nunca vamos regredir para o pré 25 de Abril, vamos provavelmente, progredir para uma coisa talvez bastante pior.
Não me parece uma coisa muito fora da realidade. Se (...) me disserem que amanhã irá haver uma revolução e em que as pessoas se recusam a ser não-valores e em que tudo isto vai ser alterado também acredito, não ponho absolutamente nada de lado, não há razão nenhuma para isso. Tudo pode acontecer."
Maria Helena Damião

"No Limite da Dor"


Ana Aranha é autora, realizadora e produtora de um conjunto de entrevistas que estão a ser emitidas desde Janeiro na Antena 1 da RTP e que constituem um precioso documento histórico, social e psicológico.

O título - No limite da dor - não poderia traduzir melhor a essência dessas entrevistas que recolhem testemunhos de muitos ex-presos políticos, das mais diversas facções, que foram torturados durante o antigo regime.

A dor que todos dizem ter sentido é muito mais do que física, é da alma; a coragem que se percebe que tiveram não decorre apenas da vontade, é da consciência.

Ao ouvir o primeiro testemunho lembrei-me imediatamente do terror que percebi num taxista do Porto quando, passados quase trinta e cinco anos da queda do regime, lhe pedi para me levar a um local perto da sede da PIDE. Disse-me que durante muito anos não conseguiu passar por aquela rua e que tudo ainda fazia para a contornar. Os gritos que ouviu e o que viu não o abandonavam nem ele queria que o abandonassem pois as memórias que o atormentavam eram a única reverência que podia fazer às pessoas que tiveram a força que ele não teve para enfrentar o que tinha de ser enfrentado.

Pode o leitor ouvir o programa a que me refiro a partir daqui ou na Antena 1, nos sábados às 09h08 com repetição às 23h08.

E pode também, muito em breve, ler o livro com o mesmo título, da autoria de Ana Aranha e Carlos Ademar. O lançamento será no próximo dia 27 de Abril, às 17 horas, no Forte de Peniche, cenário da tantos depoimentos.




25 de Abril de... 1953


O 25 de Abril de 1953 foi um grande dia para a ciência: foi o dia da publicação na "Nature" do artigo de
Watson e Crick que revela a estrutura em dupla hélice do ADN. Logo a seguir foram também publicados os artigos de Wilkins e de Franklin. Deu-se um passo de gigante na compreensão da "natureza das coisas" vivas. Sem o 25 de Abril nem a biologia nem a medicina teriam sido o que são hoje!

Carlos Fiolhais

LÁSTIMA

O artista António Barros convida, a propósito do 25 de Abril, a ver as sias variações em torno da letra P sobre um cravo, a que intitulou Lástima:


GRAVAR ZECA POR CIMA DE RAVEL


Texto de Galopim de Carvalho, de recordação e homenagem ao 25 de Abril:

Nesse tempo, há precisamente 40 anos, ainda conservava o hábito, que me ficara da juventude, de estudar até tarde, pela noite fora, com música de fundo num rádio-gravador portátil. Fora assim também em Paris, na preparação do doctorat en Sédimentologie e, mais tarde, em Lisboa, com a redacção da tese que me casou com a Universidade. Era o contrário do que faço agora, que acerto o horário pelo das galinhas, sendo na solidão e no sossego da madrugada que gosto de escrever. De igual entre esse tempo e o de agora, só a rádio com música de fundo.

Se fosse hoje, tinha sido dos primeiros a ouvir «Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas…», o comunicado do Movimento dos Capitães. Mas ouvi “E depois do Adeus”, pelo Paulo de Carvalho, por mero acaso, numa daquelas muitas rodagens do botão do condensador, em busca do tal fundo musical. Porque sempre apreciei a sua belíssima voz, detive-me a ouvi-lo, na íntegra, sem saber que estava atento à senha que “abriu Abril”. Mas não ouvi a “Grândola Vila Morena”, pois já sintonizara uma qualquer música a contento. Recordo-me que estava a escrever um texto que foi inserido no livro de homenagem ao professor Orlando Ribeiro. Fruto de um trabalho que me proporcionou um prazer imenso, nessa noite eu estava a redigir uma análise comparada das fisionomias da Terra e da Lua, desenvolvida a partir das respectivas situações e características planetárias, no contexto do Sistema Solar. E, como de costume nesse tempo, deitei-me tarde.

Dormia profundamente, quando a Isabel me acordou, excitada

 - Acorda! Parece que há um golpe militar. Telefonou-me agora uma aluna. Diz que há tropas a entrarem na cidade, mas que não sabe de que lado estão.

Instantes depois, preparava-me para pegar no telefone em busca de respostas, quando este voltou a tocar. Era um amigo.

- Liga a rádio! - exclamou, entusiasmado. – Desta vez é a valer! São dos nossos!

 - Tens a certeza? Não será uma golpaça dos ultras?

 - Não! Garanto-te que são dos nossos!

 E ele lá tinha as suas razões.

 Daí a momentos, ouvia-se a voz inconfundível do Luís Filipe Costa a ler o referido comunicado, aos microfones do Rádio Clube Português, logo seguida do inesquecível “On the waves”, que nos ficou como uma das marcas musicais mais profundamente gravadas dessa madrugada e dos dias de regozijo colectivo que se lhe seguiram, em festejo do fim do sufoco que foi a vida dos portugueses da minha geração.

 Sucediam-se os comunicados, intercalados por marchas militares e por aquelas cantigas, até então proibidas, do Zeca, do Mário Branco, do Luís Cília. Atento, eu ouvia e gravava, saltando de estação em estação. Como não tinha cassetes disponíveis, disse adeus ao Daphnis e Cloé, de Ravel, à Missa nº 1, de Bruchkner, e às Quatro Estações, de Vivaldi.

 Ainda conservo estas gravações e na primeira, cuja etiqueta não apaguei, em vez dos acordes melodiosos do poema sinfónico do compositor francês, ouvem-se as passadas firmes e cadenciadas do grupo coral alentejano a iniciar a libertadora “Grândola, Vila Morena”.

 Às nove horas saí de casa em busca de jornais e de convívio. As certezas da vitória avolumavam-se e a rua era uma romaria a crescer. Daí a pouco os cravos vermelhos floriam nas espingardas dos soldados, radiantes, fraternos e orgulhosos, e começava a ouvir-se «o povo, unido, jamais será vencido!». Recordo os risos, as lágrimas e os abraços dessa manhã radiosa.

Nesse dia eu deveria receber, das mãos do Reitor da Universidade, o meu diploma de doutoramento e o anel de pedra azul celeste (uma espinela sintética a fingir água-marinha), a cor de Ciências, com as insígnias da Universidade, um martelo, uma trilobite e um dinossáurio gravados no ouro. A cerimónia, como não podia deixar de ser, foi adiada. Em casa, frente à televisão e com o rádio-gravador ao alcance da mão, e cassetes novas que fora comprar, gravei tudo o que me foi possível, relatos, comunicados, declarações, músicas libertas da proibição, auxiliado pelo Nuno, que ainda não tinha sete anos mas já manejava, à perfeição, estes equipamentos. O Rui, a caminho dos cinco, fazia bases e naves espaciais no meio de um mar de peças de lego espalhadas no chão.

Galopim de Carvalho

(Texto retirado do livro do autor, “FORA DE PORTAS – Memórias e Reflexões”, Âncora Editora, Lisboa, 2008)

quinta-feira, 24 de abril de 2014

GRANADAS (2)

Continuação do texto Granadas 1.

Grossulária
A grossulária é uma espécie de granada de cálcio e alumínio, de fórmula Ca3Al2(SiO4)3, na qual o cálcio pode ser parcialmente substituído por ferro ferroso e o alumínio por ferro férrico. Espécie típica do metamorfismo de contacto de calcários, a grossulária ocorre geralmente associada a vesuvianite, diópsido, wollastonite e wernerite. O termo radica no nome latino da groselha, Ribes grossularia, em alusão à cor verde da variedade tsavorite. A variedade de cor laranja é conhecida por hessonite, e a rosa, geralmente opaca, por rosolite. A variedade translúcida a opaca, com água na composição, toma o nome de hidrogrossulária.


Tsavorite 
Hessonite

Rosolite

O piropo é uma espécie de granada alumino-magnesiana, de fórmula Mg3Al2(SiO4)3, na qual o magnésio pode ser parcialmente substituído por cálcio e/ou ferro ferroso. Embora já fosse conhecida há mais de 4000 anos, no antigo Egipto, o nome foi-lhe proposto, em 1250, por Alberto, o Grande, com base no grego, pyropos, que significa flamejante. Ocorre habitualmente em rochas vulcânicas e em depósitos aluviais, podendo, juntamente com outros minerais, indicar a presença de rochas portadoras de diamantes. Os exemplares transparentes são usados como gemas.

Piropo

A rodolite é uma variedade importante de piropo descrita como uma solução sólida entre piropo e almandina, de cor roxo avermelhada, originária do condado de Macon, na Carolina do Norte.



Rodolite

A variedade de rodolite de cor vermelha de sangue, transparente, comercialmente conhecida por granada da Boémia, ocorre em depósitos sedimentares nas montanhas da Boémia, a norte de Praga (República Checa), conhecendo-se registos mineiros e a sua utilização em joalharia desde o século XVI. A sua popularidade foi muito significativa em finais do séc. XIX. Actualmente, a produção é algo limitada, destinando-se, principalmente, a joalheiros locais.

O piropo sul-africano, conhecido por rubi do Cabo, é uma pedra de cor vermelha mais clara do que a do piropo da Boémia.

A uvarovite é uma espécie de granada de cálcio e crómio de fórmula Ca3Cr2(SiO4)3, de cor verde esmeralda, usada com gema, cujo nome é uma homenagem ao conde Sergey Uvarov (1786-1855). É a mais rara das granadas, surgindo em pequenos cristais de cor verde associados a serpentina.

Uvarovite
Finalmente, a kimzeíte é uma granada rara, com zircónio e cálcio

YAG

Granadas sintéticas

Produzida artificialmente e conhecida comercialmente como GGG, a “granada de gadolínio e gálio”, de fórmula Gd3Ga2(GaO4)3 tem uso na indústria informática. Igualmente sintética, a “granada de ítrio e alumínio”, de fórmula Y3Al2(AlO4)3, é uma gema conhecida como YAG. Quando contém neodímio é utilizada na focagem de lasers.


A. Galopim de Carvalho

A PRAXE VOLTA A MATAR


Volta a haver uma tragédia estudantil. Vidas na flor da idade são, mais uma vez, interrompidas. A academia volta a estar de luto.  Há meses, quando ocorreu a tragédia da Praia do Meco, propus que os próprios estudantes, em sinal de luto, interrompessem todas as praxes por um tempo. Não o fizeram. E mais uma brincadeira acabou mal, muito mal mesmo.

Numa chamada "guerra dos cursos" (repare-se na abstrusidade do nome!) alguns estudantes subiram para cima de um muro onde, evidentemente, era perigoso estar. Não se percebe por que razão o muro foi usado como "palco", aparentemente para cânticos e saltos de alunos de um curso contra outro. Veja-se na foto reveladora que fui buscar ao "Correio da Manhã" que o muro, com uma pequena plataforma por cima e destinado mais a albergar caixas de correio do que a suster um terreno com uma árvore, estava muito mal construído, exibindo uma inclinação próxima da da Torre de Pisa. O muro não deve ter caído naturalmente, o que até poderia um destes dias vir a acontecer, mas sim provavelmente devido aos impulsos dos três os quatro estudantes que subiram para cima dele. As leis da Física mandam que a o muro rode desabando. Por baixo estavam colegas que, infelizmente, morreram, deixando as famílias e todos nós em profunda dor. A investigação apurará e só se espera que seja mais rápida que a da praia do Meco.

Ninguém parece ter aprendido com a tragédia do Meco: certas brincadeiras, sejam com ondas sejam com muros, são perigosas. Fez muito bem o reitor da Universidade do Minho em proibir praxes dentro do campus da Universidade do Minho. O Presidente da Câmara de Braga talvez possa proibir praxes no perímetro da cidade. Mas o melhor seria os estudantes interromperem as praxes ou todas as brincadeiras aparentadas a praxes (haverá sempre alguém, imagino, que dirá que aquilo não são praxes). E tem de ser agora, quando se aproximam as festas académicas, que num ambiente enlutado não fazem qualquer sentido. Não haverá líderes estudantis que saibam sobrepor o luto à festa?

COMENTÁRIOS AO PROGRAMA "OLHOS NOS OLHOS" DE MEDINA CARREIRA ONDE ESTIVE

O programa "Olhos nos Olhos" da TVI24, de Medina Carreira e Judite de Sousa, que passou em directo na passada 2.ª feira, no qual procurei defender a educação superior e a ciência do rótulo de inutilidade que alguns lhe atribuem, tem sido alvo de alguns comentários na Net (além de outros, mais pessoais, que me fizeram chegar e que tenho agradecido pessoalmente). Deixo aqui alguns comentários públicos:






Agradeço estes comentários, que, no geral, apoiam a defesa que fiz do ensino superior e da ciência.


O GABINETE DAS MARAVILHAS

Informação recebida da Torre do Tombo. Esta exposição, realizada em colaboração com as Edições Moleira (que faz facsimiles de obras antigas muito perfeitos... e caríssimos), parece imperdível. Do press release tirei o "Vossa Excelência" antes do Secertário de Estado da Cultura pois já passaram 40 anos depois do 25 de Abril.


"O Arquivo Nacional da Torre do Tombo acolherá entre os próximos dias 29 de Abril a 21 de Junho a exposição “O gabinete das maravilhas: atlas e códices dos melhores arquivos e bibliotecas do mundo”, que reunirá as obras-mestras da cartografia portuguesa da época dos descobrimentos e os tesouros bibliográficos mais relevantes do Património histórico europeu do período compreendido entre os séculos VIII e XVI.

Entre as três dezenas de obras incluídas na exposição, destacam-se especialmente as jóias da cartografia portuguesa e universal: o Atlas Miller, o Atlas Universal de Diogo Homem de 1565, o Atlas Vallard e o Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado que felizmente, e ao contrário aos anteriores, mantém-se em Portugal, concretamente no Arquivo Nacional.

O ato de inauguração da exposição terá lugar no dia 29 de abril às 18h na Torre do Tombo, com a conferência “O Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado: a aliança entre o conhecimento científico e a arte”, a cargo dos mais conceituados especialistas e académicos portugueses na área da cartografia. Presidirá ao acto o Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier.

Tanto a exposição como a conferência são de entrada gratuita. No caso da conferência, devido à lotação ser limitada, é necessário confirmar presença ou enviando um email para berenice@moleiro.es ou por telefone para 0034 932 402 091."

Para mais informações, clique aqui

Leia e veja as notícias do 25 de Abril - na época

Para recordar o 25 de Abril não perder a exposição sigital dos jornais e noticiários da época que a Hemeroteca Municipal de Lisboa disponiobiliza (grande trabalho de servço público que a Hemeroteca, pela mão de Álvaro Matos está a fazer!). Veja aqui.

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/EFEMERIDES/25Abril40Anos/25deabril40Anos_entrada.htm

No Diário de Lisboa de 25 de Abril pode ler-se um artigo de António Manuel Baptista sobre Marconi e, no suplemento literário, um artigo sobre um livro de Natália Nunes, a mulher de Rómulo de Carvalho.


CIÊNCIA POLAR PORTUGUESA

Informação do Ciência Viva sobre o lançamento do livro de José Xavier que escolhi para a colecção Ciência Aberta É já no próximo sábado, dia 26 de Abril, pelas 17h, no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa:

Que sons ouvimos na Antárctida? Qual a sensação de estar rodeado de milhares de pinguins? Podemos salvar o Albatroz-Gigante? Estas são algumas das questões que o biólogo marinho José Xavier aborda no seu livro Experiência Antárctica - Relatos de um Cientista Polar Português, que será lançado no próximo Sábado, 26 de Abril, às 17.00, no Pavilhão do Conhecimento.

José Xavier partilha connosco a sua experiência de nove meses nos gelos da Antárctida. Neste diário que se "lê como um livro de aventuras recheado de boa ciência", conduz-nos por paisagens deslumbrantes onde, apesar do clima inóspito, a biodiversidade surpreende. No lançamento do livro Experiência Antárctica - Relatos de um Cientista Polar, publicado pela Gradiva na colecção Ciência Aberta, o cientista português vai contar-nos alguns dos episódios que mais o marcaram e mostrar um filme das suas expedições científicas. A apresentação está a cargo de Carlos Fiolhais, do Departamento de Física da Universidade de Coimbra e actual director da Colecção Ciência Aberta da Gradiva, e de David Carlson, que foi director do programa do Ano Polar Internacional de 2007 a 2009.

José Xavier é doutorado pela Universidade de Cambridge, Reino Unido, investigador do Instituto do Mar da Universidade de Coimbra e da British Antarctic Survey, de Cambridge. Estuda o comportamento de predadores de topo - pinguins, albatrozes e focas - no Oceano Antárctico em relação às alterações climáticas, fazendo investigação na Antárctida desde 1997. É o representante de Portugal nas reuniões do Tratado da Antárctida e em vários comités da Scientific Committee for Antarctic Research (SCAR), além de fazer parte do comité executivo de vários programas científicos internacionais. Foi o mais jovem investigador a ganhar o prémio internacional Marta T. Muse pelo seu trabalho de excelência em ciência e política na Antárctida. Tem coordenado vários projectos educativos na área das ciências polares apoiados pela Ciência Viva e foi um dos vencedores da competição de ensaios sobre ciência da reputada revista New Scientist e da fundação Britânica Wellcome Trust.
 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

QUARENTA ANOS DE CIÊNCIA EM PORTUGAL



Meu texto acabado de sair no jornal cultural do Porto "As Artes entre as Letras" (na imagem, instantâneo da Revolução de 25 de Abril):

A revolução de 25 de Abril de 1974 e a entrada de Portugal na União Europeia a 1 de Janeiro de 1986 permitiram desenvolver em extraordinária medida a Ciência. Consideráveis fundos europeus foram usados para apoiar bolseiros e infraestruturas de Ciência. Pode falarse de uma verdadeira explosão nesta área do conhecimento.

Em 1995 foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia e em 1996 a FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que sucedeu à JNICT – Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, que por sua vez tinha assumido o papel do INIC, o Instituto Nacional de Investigação Científica. Com a abertura à Europa e ao mundo a ciência portuguesa internacionalizou-se como nunca tinha acontecido antes, com a saída do País de muitos cientistas em várias áreas e também com a entrada de estrangeiros. Começou uma avaliação regular da actividade de investigação. Construíram-se edifícios, montaram-se estruturas, incluindo alguns grandes equipamentos. O País passou a fazer parte de vários organismos científicos internacionais como o CERN - Centro Europeu de Pesquisa Nuclear, a ESA - Agência Espacial Europeia e o ESO - Observatório Europeu do Sul. As áreas das ciências sociais e humanas conheceram particular expansão, abrindose a ramos novos do conhecimento, como por exemplo a sociologia. Perante a dificuldade de as universidades absorverem rapidamente e de modo adequado os recursos postos à disposição pelo Estado (em larga medida vindos da União Europeia), foram criadas instituições privadas de interesse público, sem fins lucrativos, que foram chamadas Laboratórios Associados por analogia com os Laboratórios do Estado, como o Laboratório de Veterinária, o Instituto Ricardo Jorge e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que já existiam. Foi o caso do CNCUC - Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, na Lusa Atenas, e do IPATIMUP - Instituto de Patologia e de Imunologia Molecular da Universidade do Porto, na Cidade Invicta (que está agora a fazer 25 anos). Essas instituições cresceram rapidamente em contraste com alguns dos Laboratórios do Estado, que não se desenvolveram na medida das expectativas. Surgiu, além do Instituto Gulbenkian de Ciência, forte na área da biologia, que remonta aos anos 60, em 2010 um outro centro de investigação na área da biomedicina em busca de reputação internacional, este apoiado pela Fundação Champalimaud

O investimento na Ciência e Tecnologia aumentou até ter atingido 1,6% do Produto Interno Bruto nos anos de 2009 e 2010, em reflexo do aumento do número de investigadores e da actividade destes. Uma medida desse crescimento é o enorme incremento do número de doutoramentos feitos no País ou fora dele (cada vez mais no País), reconhecidos cá. Também aumentou, em consonância, o número de publicações científicas, assim como impacto destas, que é medido pelo número de citações. Basta consultar a PORDATA, base de dados de Portugal contemporâneo da responsabilidade da Fundação Francisco Manuel dos Santos, para verificarmos esses factos. O investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) cresceu de 0,3% no ano de 1982 (o primeiro ano mostrado na série temporal da PORDATA – esse ano corresponde politicamente, com a revisão constitucional e o fim do Conselho da Revolução, à normalização democrática)  para 1,5% em 2012.  Dois indicadores indesmentíveis sobre os resultados do sucesso desse investimento em ciência são o número anual de novos doutorados formados e o número de novas publicações científicas. Em 1982 obtiveram o diploma de doutor  230 pessoas, mas em 2012 já foram 2209, quase dez vezes mais. O número de publicações científicas em revistas indexadas, que foi de 3,9 por cem mil habitantes no ano de 1982 passou para 156,7 por cem mil habitantes em 2012, cerca de 40 vezes mais. Ainda não atingimos valores da média europeia, mas poucas coisas subiram tanto em Portugal em tão pouco tempo!

A cultura científica também alastrou. A editora Gradiva, com a colecção Ciência Aberta iniciado no princípio dos anos 80, tem feito um trabalho de difusão científica através do livro, tal como nos anos 40 a Biblioteca Cosmos de Bento de Jesus Caraça. Os media começaram a falar de Ciência como nunca tinham falado antes. A Ciência Viva – Agência Nacional para Difusão da Cultura Científica e Tecnológica alargou o interesse pela divulgação científica, designadamente com a criação e apoio a vários centros de ciência no País, o maior dos quais é o Pavilhão do Conhecimento em Lisboa.

Estando vivos a maior parte dos protagonistas mais recentes, é ainda cedo para fazer a história deste período da ciência portuguesa, ainda que se possa desde já dizer que, apesar de algum retrocesso muito recente na expansão da ciência em Portugal,  estamos, aparentemente, perante um novo período de luz depois dos períodos localizados no século XVI e no século XVIII, associados respectivamente aos Descobrimentos e ao Iluminismo. Mas falta ainda a devida distância histórica para podermos provar que foi isso mesmo o que aconteceu.


O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...