terça-feira, 15 de outubro de 2013

"Mais por si"

Confesso que não sabia que o Governo de Portugal tem, on line, um Portal do Cidadão, cujo slogan é "Mais por si". Descobri-o hoje. Confesso, como cidadã, a minha falta.

Centro-me no slogan e, de imediato, penso que talvez seja bem conseguido: três pequenas palavras dão a entender que uma entidade tão importante, como o Estado de um país, preocupa-se com cada um dos seus cidadãos. Reconforta.

Entende-se que é com todos os cidadãos que o Estado se preocupa, mas, destaca-se que é (só) "comigo", que o Estado se preocupa. Reconforta mais ainda.

O cidadão sente-se no centro de alguma coisa: é a "mim" e parece que "só a mim" que o Estado se dirige. E, depois (ou antes) há a palavra "mais": o Estado faz "mais" por "mim". Não se sabe o quê, mas faz, e o que faz não é menos; é mais! Reconforta absolutamente.

"Embalado" neste raciocínio, pode o cidadão descansar adormecer ou... estremecer

Estremecerá (eu estremeci) se perguntar de si para si: um Estado deve dirigir-se a cada um ou a todos? Deve ser impreciso ao ponto de usar um slogan que, em rigor, nada diz? Deve prometer, ainda que imprecisamente, o que a realidade diz que não pode ou não quer cumprir?

E estremecerá ainda mais se se detiver no índice desse tal Portal.
Eu e...
         a minha Casa
         o meu Emprego
         a minha Educação
         os meus Impostos e Contribuições
         o meu Veículo
         a minha Família
         a minha Segurança
a minha Cidadania
         Eleições
         Vida Associativa
        Ambiente
        Consumo
         Legislação e Regulamentação

os meus Documentos
os meus Tempos-Livres
o meu Dinheiro
a minha Saúde
Reparará o leitor que esse Estado, que promete "mais por si" e "mais por mim", usando sempre a primeira pessoa do singular, para que assumamos cada tópico por referência a nós mesmos, infiltra-se, na nossa casa, no nosso emprego, na nossa educação... na nossa família, nos nossos tempos livres, no nosso dinheiro... infiltra-se na nossa privacidade...

E isto sem que, como Estado, cumpra os deveres públicos fundamentais que lhe cabem para com todos os cidadãos.

A mistificação é uma marca dos tempos. Quanto a isso não sei o que se poder fazer.

4 comentários:

regina disse...

Dra. Helena Damião
Genericamente leio, com muito agrado, os seus textos aqui publicados. Hoje não resisto a agradecer-lhe o ter-nos brindado com esta mensagem (bem como com a anterior).
Regina Gouveia

perhaps disse...

Pode-se demiti-los se não cumprem com as funções, se vivem de palavras vazias, se confundem a realidade com a retórica, se, enfim, não são políticos.

Por que há-de representar a Pólis quem não a serve e foi eleito para servi-la? Não é esta a era da eficácia e da ciência? Não temos nós todos de cumprir objectivos que nem sequer delineámos, com que não concordamos? Os deles estavam definidos à partida. Falharam. RUA!

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Dever público é fundamental .

Agostinho disse...

a democracia refina teias de escravidão!
paulatinamente uma sombra cobre o chão
rouba o sol desta terra onde cumpro meus dias.
na subserviência de formulários inócuos
alimento o monstro por labirínticas vias


ganho comodidades funcionais. não pensar
a cada manhã, sete dias! a roupa que levar
se está frio ao sair à rua nas estúrdias
liberdades: respirar, existir ajustado
amanhã, vender-me-à ouro em fantasias.



e dir-me-à num arroubo de bondade
se almoço ou janto, ébrio de liberdade.

AJ

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...