Imagem retirada de www.publico.pt |
O caso do referido exame, aberrante e lamentável, questiona, não só a competência do ou dos que, ao serviço do Ministério da Educação, elaboraram o dito questionário, mas também e sobretudo, o bom nome da respectiva hierarquia.
Numa longa caminhada, tão velha quanto a humanidade, a geologia, no seu todo, foi sendo descoberta pelo Homem, que tirou dos seus ensinamentos os proveitos que lhe permitiram progredir da simples busca do sílex à prospecção e exploração de fontes de energia e de minerais estratégicos essenciais às modernas tecnologias da sociedade do presente. Nesta caminhada, estabeleceu relações de causa-efeito entre os objectos e os mecanismos que lhe foram dados observar no mundo físico que foi o seu. Experimentou o que pôde experimentar, deduziu o que conseguiu deduzir, inferiu o que soube inferir e transmitiu, aos descendentes, o saber que foi acumulando, servindo-se para tal da linguagem de que dispunha, nos primeiros milhões de anos, o gesto e, só mais tarde e progressivamente, a fala.
Num muito rudimentar esboço de ciência, tudo isto o Homem fez antes dos sumérios, chineses e egípcios terem iniciado a arte de escrever. A história desta disciplina científica radica nas mesmas origens da de outros domínios da ciência. Temos de ir buscá-la às civilizações chinesa, babilónica, egípcia e outras. Mas é, sobretudo, nos filósofos, geógrafos, astrónomos e poetas gregos e latinos que encontramos os fundamentos que deram suporte à ciência e à tecnologia de que hoje, absolutamente, dependemos.
A geologia tem crescido nestes contextos, sendo hoje um dos pilares da sociedade moderna, constituindo alavancas poderosas para o bem e também, não o esqueçamos, para o mal, ao serviço da humanidade. A geologia foi um dos domínios do conhecimento científico cuja competição e cujos conflitos com a religião (em particular, com a Igreja católica) foram mais graves e violentos. Cultivar esta disciplina em moldes científicos, nos tempos anteriores ao iluminismo nascido da elite intelectual europeia de finais do século XVIII, teve os seus riscos. E não foram pequenos.
Falar ou escrever sobre a origem da Terra e as suas transformações ou sobre o nascimento da vida e a evolução das espécies, incluindo o surgimento do homem, tinha limites impostos pelos zeladores da Fé. Fazê-lo à luz da razão e, inevitavelmente, em confronto com as “verdades” bíblicas e com os dogmas decretados pela Santa Sé, não foi uma caminhada fácil. Foi, sim, causa de perseguições, sofrimento e, não raras vezes, sacrifício da própria vida.
Basta lembrar Averrois, no século XII, Giordano Bruno, no XVI, e Galileu, no XVII, para nos darmos conta dos escolhos postos ao progresso desta e de outras ciências. Cautelosa e timidamente, os pioneiros do conhecimento geológico propunham as suas explicações, sujeitando-se ao risco de uma tal ousadia. Como é vulgo dizer-se, a ciência e a religião são como a água e o azeite. Não se misturam. Coexistem, mas cada uma no seu campo. É evidente que as atitudes de uma e de outra perante as entidades e os fenómenos naturais, são geradoras de confronto, hoje razoavelmente civilizado e pacífico nas sociedades democráticas, mas conflituoso e, tantas vezes, cruel e desumano no passado.
Na sociedade do presente a geologia já ganhou, em muitos países, estatuto de ciência de grandeza compatível com a sua real importância, o que não é o caso em Portugal, onde este ramo do saber permanece subalternizado nos currículos escolares e continua arredado da cultura geral dos portugueses, dos mais humildes e iletrados às elites intelectuais mais iluminadas.
A vida profissional permitiu-me, ao longo de décadas, conviver, algumas vezes de muito perto, com as mais altas figuras nacionais, dos chefes de estado aos dos governos central e local, com ministros da educação e outros, com parlamentares e figuras gradas dos partidos políticos, com os mais prestigiados jornalistas e comentadores dos jornais, da rádio e da televisão (quase todos gente do domínio das humanidades), e pude, salvo uma ou outra excepção, constatar esta triste realidade.
É, pois, este o panorama da geologia no nosso país, pelo que o lamentável caso do referido exame, deve ser considerado como uma consequência desta mesma realidade.
A. Galopim de Carvalho
13 comentários:
Sobre os erros em exames, fenómeno que pensava estava relativamente afastado, não compreendo como é possível que o ministro não apresente cabeças a quem lhe paga o ordenado. Não consigo entender como é que alguém cuja função é produzir 2 exames sem erros, cuja única coisa que pode correr mal é haver erros nos exames, saem exames com erro. Se quisesse fazer uma anedota com o cumulo da incompetência, escolhia este caso. Quando os ministros entenderem que estão lá para defender os cidadãos e não os funcionários, percebem que associada e esta notícia estaria sempre a notícia do despedimento dos funcionários responsáveis. Não esteve, para o ano vai voltar a acontecer.
Quanto à subalternização da geologia (a paixão que eu tinha por ela quando era novo) não posso concordar mais. Mas a verdade é que sobra muito pouco tempo para ela. Os miúdos têm que dar prioridade a ler romances do filho envolvido coma irmã, a compreender os meandros do existencialismo, não podem levar com mais ciência...
Retiro-me então com a pesada vénia de três garras nas costas.
Continuação de uma boa caminhada e que as vossas mensagens cheguem a quem não prestam vassalagem.
Cumprimentos.
Esta é uma nota de rodapé de um texto do Professor Sebastião e Silva:
"Tenha-se em vista o caso de Evaristo Galois. Trata-se, evidentemente, dum caso único na História. Mas a verdade é que este exemplo veio lançar uma luz intensa e trágica sobre os vícios dum sistema de ensino."
Professor Galopim de Carvalho, são os vícios de um sistema que o senhor Professor deveria denunciar, e não denuncia, mas que era importantíssimo que o fizesse, neste seu texto.
Porque o senhor não o faz? não sei, o que me parece-me que é verdade é que, as "mais altas figuras nacionais" não se interessam pelo exemplo de Evaristo Galois..., e que o ensino está contaminado por alguns fervorosos herdeiros do espírito do professorado do tempo de Galois, como aqui se têm assistido em certos comentários.
O caso de Evaristo Galois, se devidamente compreendido, seria um grande contributo para o desenvolvimento da Ciência no País.
Cordialmente,
Interessante este modo de clareza do pensamento do professor A. Galopim de Carvalho. Cá de meu país o Brasil de quando a história é ligada a Geologia estaria por moderar desta profundidade.
Inclusive do que integra humanidade.
As minhas sentidas e gratas felicitações ao Professor Galopim de Carvalho.
A minha pergunta directa aos professores universitários de biologia do meu país: quando se vão pronunciar sobre as aberrações constantes e repetidas das perguntas (agora chamadas itens) sobre biologia nos exames nacionais? Não dão por nada?...
Por mim tenho feito sempre o meu protesto por escrito dando-o para publicação - o mais recente saiu no jornal Diário do Minho no passado dia 28 de Junho. Parte do subtítulo desse artigo reza assim: "Convém que quem elabora as provas não inclua nelas assuntos que não é possível abordar nas aulas". E a última linha desse texto diz o seguinte: "Importam-se de ouvir (ou de partir...), senhores fazedores de provas?
Debalde.
Sobre a prova da segunda fase, inenarrável, optei por nem me pronunciar. Não tenho palavras...
Ainda se os que elaboram as provas soubessem escrever? A mim parece-me que eles nem sabem que não sabem.
Mas, que sei eu?!
Errata: na segunda linha do segundo parágrafo do meu comentário anterior, onde escrevi ..."aberrações constantes e repetidas das perguntas"... devia ter escrito ..."aberrações constantes e repetidas nas perguntas"...
Professor Galopim de Carvalho;
O senhor escreve, "É, pois, este o panorama da geologia no nosso país, pelo que o lamentável caso do referido exame, deve ser considerado como uma consequência desta mesma realidade."
Eu creio que o problema é mais profundo e complexo que a ligação que o senhor Professor estabelece no caso do exame e a realidade.
Senão, imagine-se, que era o zé baptista quem fazia o referido exame! não teria havido certamente caso!!! como se depreende pelo comentário acima do zé, não é assim?!
E então, o problema que o Professor Galopim de Carvalho nos trás ficava, ipso facto, resolvido, bastaria para o solucionar, o zé batista!
..."nos trás"
Será a parte com que certos indivíduos pensam?
Ora, haja quem dê lições a humildes professores!
..."traz" assim é que é.
Obrigado zé. Toda a gente conhece os seus dotes de escrita, e a humildade de sua alteza,... o que nós desconhecíamos era que os professores que fazem os exames nacionais de Geologia, não sabem escrever, e nem tão pouco sabem que não sabem escrever... também já se tinha ficado aqui a saber, por si e pelo dr. Guilherme Valente, que existem alunos do secundário que não sabem ler!!! que coisa esquisita não é, até parece absurdo! mas não, se os senhores já aqui o afirmaram é porque conhecem esses alunos, que mais ninguém conhece, digo eu!!!
Oh! zé, encontrar alunos do secundário que não sabem ler não deve ser coisa para qualquer um! só para ti, qual exímio garimpeiro, que deixas na sombra os melhores examinadores de Evaristo Galois...
Vou-te transcrever alguma coisinha, acerca dos examinadores de Galois, para que te estimule nesse mister, e para te elevar a auto-estima... para que tenhas a certeza que em nada és inferior a eles...
"(...) o examinador de Física declarou no seu relatório - «É o único aluno que me respondeu mal; não sabe absolutamente nada». Mas o que é mais extraordinário ainda é a declaração do de Matemática - «Disseram-me que este aluno tinha capacidade para as Matemáticas, o que muito me admira porque do seu exame sou levado a concluir que tem fraca inteligência ou, pelo menos, que a escondeu de tal maneira, que me foi impossível descobri-la»." [retirado de "A Vida e a Obra de Evaristo Galois" Bento de Jesus Caraça.
Nota: O combate aos zé's batistas deste país na defesa de outros "Galois" deveria ser feito por Professores excepcionais que exerceram e exercem tarefas importantes no ensino. Mas não é assim. Não vá as altíssimas figuras nacionais ficarem incomodadas, e os zé's batistas ofendidos na sua sabedoria e autoridade. O texto do Professor Galopim de Carvalho é um bom exemplo.
aditamento: na Nota, quando refiro "outros "Galois"" pretendo referir-me aquelas inteligências excepcionais que existirão no pais e que não se aproveitam. Galois é, evidentemente, um caso único na história da Ciência.
Olá, sou um dos administradores da página / site Projeto Plêniades ( http://www.projetopleiades.com ), gostaria de saber vocês teriam interesse numa parceria para melhor de divulgação de ambos os sites, por meio de troca de links entre os sites. contato: contato@projetopleiades.com
Ora Viva,
Parabéns pelo excelente blog.
Cumprimentos do blog mktvendas.blogspot.com
Enviar um comentário