quinta-feira, 6 de março de 2025

FAJÃ, UM ACIDENTE GEOMORFOLÓGICO COMUM EM TODA A MACARONÉSIA

Por A. Galopim de Carvalho

Termo de origem obscura, fajã designa uma porção de terra plana, em geral cultivável, de pequena extensão, avançada sobre o mar, constituída, nuns casos, por materiais desprendidos das arribas e, noutros ou por penetração no mar de escoadas de lava descidas da vertente. Estas últimas, designadas por “fajãs de deltas lávicos”, são particularmente resistentes à erosão do mar devido a sua natureza rochosa, basáltica, nas que conheço.

O mais recente delta lávico conhecido, encontra-se nas Canárias, na ilha de La Palma, no município de Tazacorte. Nasceu de um derrame de lava basáltica, descido da arriba, com a duração de três, início 28 de setembro de 2021, durante a grande erupção de Cumbre Vieja, permitindo mostrar com se forma uma fajã de delta lávico.

O conceito de fajã foi objecto de consagração legal, tendo o parlamento açoriano, através do Decreto Legislativo Regional n.º 32/2000/A, de 24 de Outubro, definido que se entende por fajã toda a área de terreno relativamente plana, susceptível de albergar construções ou culturas, anichada na falésia costeira entre a linha da preia-mar e a cota dos 250 metros de altitude. Este pequenos acidentes geomorfológicos são conhecidos em toda a Macaronésia, sendo muito comum nos Açores, em quase todas as ilhas, na Madeira e em Porto Santo, em muitas ilhas de Cabo Verde e nas Canárias.

Nas imagens:
o delta lávico em formação, na Ilha de La Palma, e Fajã Grande, na Ilha Graciosa, Açores.

segunda-feira, 3 de março de 2025

CLIMAS E PAISAGENS (1)

 Por A. Galopim de Carvalho

As diferentes paisagens da Terra, em qualquer momento da sua história, foram e são, em grande parte, reflexo das características meteorológicas aí prevalecentes. Esta afirmação é evidente para a generalidade dos cidadãos que, embora nunca tenham formulado esta conjectura, têm-na por adquirida. Sem saírem deste nosso rectângulo, no ocidente da Europa, todos relacionam os campos verdejantes do Minho com a maior pluviosidade anual ali verificada (2000 a 2400 mm) e as terras de sequeiro do sudeste alentejano com os menores valores dessa mesma precipitação atmosférica.

À escala mundial, a televisão mostra-nos constantemente imagens dos múltiplos visuais do nosso planeta marcadas pelo clima, sejam, por exemplo, a floresta equatorial da Amazónia, os glaciares do sul da Argentina, a pradaria norte-americana ou a estepe siberiana, a tundra boreal ou as areias escaldantes do Saara. Embora na explicação da paisagem, haja que ter em conta o enquadramento geológico regional, com destaque para a natureza das rochas (granito, xisto, calcário, etc.) que lhes servem de substrato e da respectiva estrutura (modo de ocorrência dos corpos rochosos: homogéneos, estratificados, dobrados falhados, etc.), a influência do clima é muito superior. 

Face a esta realidade desenvolveu-se um capítulo, comum à geologia e à geografia, conhecido por “geomorfologia climática”, com o estabelecimento de domínios ou regiões morfoclimáticas. “Faça sol ou faça chuva” é uma expressão vulgar de alusão ao estado do tempo, informação que diariamente nos chega através dos boletins meteorológicos, transmitidos pela televisão, pela rádio e pelos jornais. O estado do tempo, num dado lugar, é uma manifestação de uma realidade mais vasta, própria e à escala do nosso planeta, a que chamamos clima. 

Em termos muito simples, entende-se por clima um conjunto de fenómenos próprios da atmosfera, na interactividade que estabelece com os oceanos (e os lagos de maiores extensões) e com as terras emersas, nas quais a latitude, a altitude, a interioridade e a cobertura vegetal têm papel mais visível. Temperatura, humidade do ar e pressão atmosférica são factores de clima assegurados pela energia radiante do Sol. Relacionados entre si, são os responsáveis pelas situações de tempo quente ou frio, de tempo chuvoso ou de neve ou, pelo contrário, de tempo seco. São ainda responsáveis pela existência de vento, não raras vezes catastrófico, tal a intensidade que chega a atingir. O clima condiciona a alteração superficial (meteorização) das rochas, a génese e evolução dos solos, a erosão e transporte (evacuação) dos materiais erodidos (os sedimentos que estão na génese de muitas rochas sedimentares), bem como a ocupação vegetal e animal, incluindo a humana.  

São as manifestações de clima que, conjugadas com a natureza geológica dos terrenos, determinam o tipo da paisagem que nos rodeia e todas as outras de todos os lugares da Terra. Ao longo da sua história de milhares de milhões de anos, a mudança das paisagens foi uma constante. Praticamente imperceptível à dimensão temporal de uma vida humana, esta mudança tem pouca expressão no tempo histórico, sendo notável e bem testemunhada à escala do tempo geológico. 

A paisagem é um sistema dinâmico, só aparentemente estático. É como um simples fotograma de um filme, escreveu Don L. Eicher, em 1970. Processos geodinâmicos internos à escala global, com destaque para as translacções continentais e os enrugamentos orogénicos, ocasionaram mudanças de latitude e de altitude e subsequentes modificações climáticas que, por sua vez, determinaram mudanças na paisagem. " Na Terra só há alteração das rochas, formação de solos e erosão, (três aspectos modificadores do relevo e, portanto, da paisagem), porque há energia solar e porque temos uma atmosfera e uma hidrosfera, duas entidades susceptíveis de captar essa energia e de a transformar no dinamismo necessário aos processos geológicos ocorrentes à superfície e, também, aos biológicos. As massas de ar diferentemente aquecidas pelo calor solar dão origem à circulação atmosférica, processo que se traduz na existência do vento. 

Nas baixas latitudes, nomeadamente nas regiões intertropicais, a incidência dos raios solares aproxima-se e atinge a perpendicular (o Sol está a pique, como vulgarmente se diz), aquecendo o ar mais do que nas latitudes das regiões polares. Nestas, a incidência desses raios é muito oblíqua e, até, rasante, pelo que a temperatura do ar é aí muito mais baixa. Esta diferença de aquecimento faz com que o ar quente suba e o ar frio desça, sendo essa uma das causas da circulação atmosférica (outra causa é da própria rotação do planeta).  Por outro lado, a evaporação da água à superfície dos mares, rios e lagos e a resultante da transpiração da cobertura vegetal (uma realidade bem visível nas grandes florestas equatoriais, quentes e húmidas) fornece humidade suficiente para formar nuvens que o vento transporta e descarrega como chuva ou neve, consoante as temperaturas locais. É, sobretudo, a esfericidade do globo terrestre e a consequente variação da latitude que determinam a zonalidade climática de que toda a gente tem noção, ainda que sumária e empírica. 

Foram areias deste tipo e vasas finas da mesma natureza que, uma vez litificadas, deram origem a muitos calcários, entre eles os do Jurássico das nossas Serras do Sicó, d’Aire e Candeeiros, bem como do barrocal algarvio, e testemunham o posicionamento tropical destas regiões nesses recuados tempos.

O nosso satélite, embora receba o mesmo tipo de energia, não dispõe destas duas entidades, pelo que não exibe qualquer actividade erosiva para além da resultante dos antiquíssimos impactes meteoríticos. Cessado o vulcanismo que aí existiu e diminuída a intensidade de quedas meteoríticas, as suas paisagens são praticamente as mesmas desde há mais de 3000 milhões de anos. Nas imagens, o Minho verdejante e o Alentejo a caminho da desertificação.

A PARTIDARIZAÇÃO POLÍTICA DO CURRÍCULO ESCOLAR

"O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas". Constituição da República Portuguesa (Artigo 43.º - Liberdade de aprender e ensinar)

"O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas" Lei de Bases do Sistema Educativo (Artigo 2.º - Princípios gerais).

Nas leis fundamentais acima citadas, determina-se que o Estado não pode ir além das suas atribuições, as quais são de ordem pública, não de ordem privada e, muito menos, íntima. Em matéria educativa, o Estado não pode dirigir escolhas ou comportamentos nesta dupla ordem - privada e íntima -, que cabem - ou caberão um dia - aos que, no momento, são crianças e jovens. E também não as pode sugerir seja de que maneira for.

Isto é assim, mesmo que o faça em nome de (aparentes) bons princípios.

No respeitante a opções religiosas, político-partidárias, financeiras, sexuais... que se encontram legitimadas sob o ponto de vista jurídico e axiológico, o Estado democrático, de direito, deve manter-se escrupulosamente neutro. É sobre este Estado que me pronuncio, deixo de fora os que não são democráticos nem de direito. 

Não pode, esse Estado, em que nos situamos, de modo expresso ou oculto, passar, na Escola, a ideia de que uma opção religiosa, político-partidária, financeira, sexual... é preferível a outra.

Deve, evidentemente, procurar que, ao longo da escolaridade, seja robustecida, em cada um, a capacidade para discernir, por si mesmo, o que está bem, o que está certo, à luz dos valores éticos, que são universais, e de valores morais, mais localizados (desde que estes não contrariem os éticos). 

No robustecimento desta capacidade, que a todos diz respeito, que estrutura a vida pública, que consubstancia o bem-comum, o Estado não pode ser neutro. Nas palavras do filósofo Fernando Savater:

"Não pode nem deve haver neutralidade, por exemplo, no que corresponde à recusa da tortura, do racismo, do terrorismo, da pena de morte, da prevaricação dos juízes ou da impunidade da corrupção em cargos públicos, nem tão-pouco na defesa das protecções sociais da saúde ou da educação, da velhice ou da infância, nem no ideal de uma sociedade que corrija o mais possível o abismo entre opulência e miséria. Porquê? Porque não se trata de simples opções partidárias mas sim de benefícios da civilização humanizadora." (in O valor de educar)

Vem isto a propósito do recente retorno político (mais um!) à inclusão do tema "identidade de género dos alunos" na componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento: como costume, os partidos à direita insistem em que seja retirada, enquanto os partidos à esquerda insistem em que seja mantida (ver, por exemplo, aqui, aqui e aqui). 
 
A polémica foi ampliada por causa de um certo guia - O Direito a Ser nas Escolas (ver aqui) - disponibilizado na página da Direcção-Geral da Educação, que chegou ao Parlamento e aí foi objecto de discussão e de votação! 
 
Isso seria escusado por várias razões, uma delas é que essa Direcção-Geral já o havia "despublicado".

A partidarização da inclusão do tema no currículo leva-o imediatamente para o campo da ideologia, que não pode entrar nas escolas.

É a liberdade, o direito inalienável à liberdade no respeito por princípios legais e éticos que a escola tem de ensinar e, evidentemente, de assegurar nos seus espaços, na esperança de que o aprendido seja transposto para a sociedade.

Termino com palavras retiradas de um artigo assinado por Valentim Alferes, investigador da Universidade de Coimbra (ver aqui).

"...desliza-se “suavemente” dos objectivos pedagógicos (...) para a inculcação de modelos ideológicos (...). Não importa que tais modelos possam ser ditos conservadores, reformistas ou progressistas, mas simplesmente registar que a pretensa neutralidade axiológica, frequentemente afirmada em nome de objectivos educativos generosos, constitui um elemento central no dispositivo de controlo (...) dos jovens pelos grupos e actores sociais que estão em condições de definir e concretizar as finalidades da acção educativa."

domingo, 2 de março de 2025

Leitores e escritores jovens, ciência, salvação do mundo e mais além

[Escrevi o texto abaixo há vários meses e, por várias razões, ficou inédito. Lembrei-me hoje dele por ter visto jovens a ler. Talvez que num mundo que parece bastante louco ainda haja lugar para a esperança. E essa esperança são os jovens. Estamos fartos de quem critica tudo e não contribui com nada; precisamos também de (re)ler Júlio Dinis com olhos de adultos.] 

O que é que Colleen Hoover e Richard Powers têm em comum? São escritores que não pertencem à mesma divisão, claro, mas que não estão fora da realidade. Assim, as suas narrativas cruzam-se com a realidade e esta com a Ciência e a Técnica que envolvem e moldam o nosso mundo. 

Os autores de ficção atuais em que tenho notado maior visibilidade da Ciência e da Técnica são Michel Houellebecq e Richard Powers. Do primeiro, em Partículas Elementares (Alfaguara, 2022), um cientista da área da Biologia Molecular é uma das personagens centrais, e, em Serotonina (Alfaguara, 2019), a personagem principal, graduada em Agronomia, discute vários assuntos científicos. De Richard Powers, parecem-me especialmente interessantes Eco da Memória (Casa das Letras, 2008) e Assombro (Presença, 2022), sendo que, neste último, a personagem principal é um cientista. Ambos os autores têm sido traduzidos para português, mas de Powers não foi ainda, que eu saiba, traduzido Gain, no qual uma personagem refere que a Química lhe deu muitas coisas e não assina uma petição contra um produto químico. Bernadette Bensaude-Vincent e Jonathan Simon, em Chemistry: The Impure Science, referem que esta atitude é demasiado racional para ser plausível. Não é, no entanto, necessário que a ficção seja fiel à realidade, como é óbvio. Isso é até, segundo a formulação elegante de Azar Nafisi, em Ler Lolita em Teerão (Gótica, 2004), diminui-la, pois o que procuramos na literatura não é tanto a realidade mas a epifânia da verdade. 

Vem isto a propósito da Ciência, e em particular a Química, que está presente na literatura. Se aparecesse como um catálogo não seria provavelmente boa literatura (ou até poderia ser - olhe-se Júlio Dinis com olhos adultos), e nem tem de ser real ou plausível - o medicamento que a personagem principal de Serotonina toma não existe, por exemplo. É um espelho ou um ambiente envolvente que nos interroga e nos permite refletir sobre a realidade. 

Como defendi em Jardins de Cristais (Gradiva, 2014), a Ciência, e a Química em particular, está presente, direta ou indiretamente, em todas as obras literárias. E foi à conta da procura de novos exemplos que comecei a notar que os jovens “afinal liam”. A afirmação de os jovens não lerem é comum, e eu também acreditava nela. Bastava perguntar num grupo de jovens e o silêncio das respostas confirmava o meu preconceito. Mas com um estudo experimental acabei por mudar de ideias (pode ler-se aqui). Entretanto, têm aparecido notícias sobre a vendas de livros em Portugal que confirmam essa realidade. 

Mas, antes de mais, é preciso perceber o que se entende com a ideia de que os jovens “não leem”. Não leem o que achamos que poderá ser “boa literatura”, mas leem outras coisas. Com cerca de quatrocentos estudantes, de cinco escolas de todo o país, do Ensino Básico e Secundário, verifiquei isso na prática. Não porque os questionei de viva voz, mas porque lhes dei papéis para escreverem de forma anónima o que estavam a ler. E fiquei surpreso. Muitos dos livros que estes liam eu nem sequer conhecia. Muito do que liam era influenciado pelos colegas e pelo mercado; eram livros para jovens e com jovens personagens, mas também era influenciado pelos professores. Numa escola que visitei, por exemplo, vários alunos referiam o Diário de Anne Frank (Livros do Brasil, 2022). 

Ao contrário de Michel Houellebecq e Richard Powers, Colleen Hoover é uma autora muito lida pelos jovens. Que as narrativas desta autora sejam limitadas parece-me normal, pois esta tem pouca experiência de vida e objetivos curtos. Em, por exemplo, Isto acaba aqui (Topseller, 2017, de que foi feito um filme recentemente), ou Confesso (Topseller 2016), embora possa existir alguma complexidade nas narrativas, estas andam quase só à volta de amores românticos bastante vulgares, não envolvendo visões do mundo abrangentes nem desafiantes. São livros que não parecem interrogar-nos. Mas é aqui que encontro o paradoxo. Estes livros podem ser mais abrangentes ou podem interrogar-nos, não pelos seus conteúdos, mas pelas ramificações inesperadas que podem originar. Nomeadamente as referências a objetos que se relacionam com a Ciência e a Técnica.

Dou outros exemplos: A culpa é das estrelas (Asa, 2012) de John Green ou A distância entre nós (Presença, 2019) de Rachel Lippincott, Mikki Daughtry e Tobias Iaconis são também livros (de que foram feitos filmes) que nos levam a aspetos inesperados da contribuição da Ciência e da Técnica para o nosso mundo. São também “dramas” românticos como os livros de Colleen Hoover, mas podem ser mais do que isso. No primeiro livro, temos dois jovens apaixonados com cancro em que um acaba por morrer e, no outro, temos, de novo, dois jovens apaixonados, mas é ainda mais dramático. Têm ambos fibrose cística e não se podem aproximar. Mas, ao analisar a linha temporal destas doenças, verificamos que o final feliz não está na relação amorosa, mas nas possibilidades que oferece a narrativa. O cancro de que morreu a personagem do primeiro livro tem uma esperança de cura de quase 100%. E na doença do segundo livro, até aos anos 1940, a esperança de vida era mínima, mas atualmente os doentes têm esperanças de vida da ordem dos sessenta anos, devido à recente descoberta de medicamentos modeladores das proteínas e outros avanços. (Pode encontra-se aqui uma versão mais completa, relativa ao primeiro livro). A tragédia continua a existir, mas pode não ser tão dramática.

Além dos temas, gostaria também chamar a atenção para as experiências de vida dos autores e leitores. Em Lições de Química (Asa, 2022), de Bonnie Rosmus, sobre o qual escrevi também, acompanhamos as desventuras de uma jovem química que procura fazer doutoramento no mundo machista dos anos 1950. Por outro lado, A Hipótese do Amor (Desrotina, 2022) de Ali Hazelwood é uma história romântica muito menos complexa, mas que se passa nos dias de hoje, em que uma jovem a fazer doutoramento é normal. A autora, ela própria a fazer investigação, refere que este livro se baseia no seu mundo. Enquanto Rosmus, mais experiente, estudou o assunto e pediu a colaboração de cientistas, Hazelwood usa a sua biografia para compor a história. Em A Química do Amor (Quinta Essência, 2017, título original, How not to Fall) de Emily Foster, pseudónimo de uma investigadora que não é identificada, mas é doutorada e autora de um ensaio sobre sexo (diz a sinopse) parece ser também a experiência da vida que se conhece que condiciona a narrativa.   

Há jovens autores com uma profundidade inesperada como Lolita Pille, em Hell (não detetei que fosse lido pelos estudantes portugueses, nem foi editado em Portugal) que foi publicado quando esta tinha vinte anos. Mas, como é bem conhecido, toda a literatura é de certa forma autobiográfica e esta escreveu sobre as vidas de jovens parisienses, as quais conhecia bem. Podemos também lembrar Françoise Sagan que, com dezanove anos, publicou, em 1954, um livro de uma profundidade também inesperada: Bom dia, Tristeza (A Casa dos Ceifeiros, 2017). Mas, vejamos as entrevistas desta última: escreveu sobre o mundo que conhecia, melhorado pelas leituras de Proust, Dostoiévski e Wilde, entre outros. Um mundo, ainda traumatizado pela segunda guerra mundial, que acabou quando Sagan tinha cerca de dez anos, em que começava a haver liberdade sexual, mas não havia pílula anticoncepcional e o fantasma do aborto assombrava as mulheres.

E, finalmente, podemos relembrar Fernando Namora que, em 1938, com cerca de vinte anos, publicou As sete partidas do mundo (Europa-América, 1990), livro que mais tarde, em 1958, sentiu necessidade de alterar. Quando Namora escreveu a primeira versão do livro não havia antibióticos, mas, em 1958, já havia, e isso reflete-se na reescrita da obra. 

Na minha opinião, os contextos e os pormenores dão interesse acrescido às obras literárias, mesmo as consideradas menos interessantes. E, se estou agora mais convencido de que os jovens afinal leem, continuo com a convicção de que todos os livros se relacionam com a Ciência e a Técnica, as quais direta ou indiretamente envolvem e moldam o nosso mundo e nos fazem humanos.

VAMOS CONTINUAR A FALAR DE TERRAS-RARAS

Por A. Galopim de Carvalho.

E vamos fazê-lo porque as propriedades ópticas, magnéticas e químicas dos 17 elementos químicos incluídos nestas “terras”, ou seja, nestes óxidos, são fundamentais para, como já está a acontecer, darmos este salto tecnológico que nos maravilha e, ao mesmo tempo, nos assusta.

Um parêntese para lembrar que a descoberta do oxigénio, nos primeiros anos da década de 70 do século XVIII, pelo inglês Joseph Priestley (1733-1804), em 1772 e, separadamente, pelo sueco Carl Wilhelm Scheele (1741-1786), em 1774, levou a que a composição química das rochas passasse a ser expressa em óxidos e que estes pioneiros da Química davam o nome de “terras” a esses óxidos de metais.

Estes 17 elementos têm aplicações nas chamadas tecnologias verdes, nas bio e nanotecnologias, na agora tão falada inteligência artificial, na medicina, na robótica, na indústria aeroespacial, nas telecomunicações, equipamentos militares, entre outras. Vistos sob um outro ângulo, eles são essenciais para assegurar a sustentabilidade, entendida como o equilíbrio entre a disponibilidade dos recursos naturais e o seu uso pela sociedade, tentando aliar o uso dos recursos naturais e a conservação da natureza. Aliança difícil senão, mesmo, impossível numa sociedade desenvolvimentista como é a que estamos a viver.

As novas tecnologias, muitas e sempre a surgirem, podem libertar-nos da queima de combustíveis fósseis, sendo, portanto, essenciais à transição energética e à chamada revolução digital. Sendo vitais para o desenvolvimento económico da sociedade, a procura dos minerais que contêm estes 17 elementos químicos tornou-se uma prioridade e o seu abastecimento está longe de ser assegurado, dada a dificuldade da sua extracção e, ainda, por motivos geopolíticos, como os que já estão, de forma bem visível, nos últimos anos, a “virar do avesso”, de forma inexorável, a cena mundial liderada, sobretudo, pela China.

Com efeito, dados tornados públicos pelos Serviços Geológicos dos EUA, a China detinha, já em 2019, mais de 60% da produção mundial de terras-raras. Segundo outras fontes, este gigante asiático alcançava cerca de 95% da sua refinação, razões pelas quais está na vanguarda deste sector decisivo da sociedade e explica a competição a que se assiste entre a chamadas grandes potências mundiais.

Na imagem: cristal de monazite um dos minerais (o mais conhecido) das terrras-raras, de que falarei num próximo post.

TERRAS-RARAS

Terras-raras é hoje um tema actualíssimo no discurso a circular nos media, sem que muitos dos que falam e escrevem e muitos mais dos que ouvem e leem, tenham conhecimento do que são. Podia não ser assim, mas lamentável e tristemente é esta a nossa realidade. Há décadas que a nossa escola tem vindo a dar diplomas, nas não deu e continua a não dar cultura, seja humanística, seja a científica. É claro que há exceções, mas é da generalidade que estou a falar.

Acontece que, em finais do século XVIII, quer para os químicos como para os mineralogistas, os óxidos da maioria dos metais constituíam um grupo então designado por “terras”, “jorden”, para os suecos, “Erde”, para os alemães, “earth”, para os ingleses, e “terre”, para os franceses. Nós, os portugueses, continuávamos distraídos e já, nessa altura, éramos um povo atrasado, na cauda da Europa. 

Face ao qualificativo “raras”, toda a gente será levada a pensar que se trata de substâncias que ocorrem em quantidades ínfimas, mas não é o caso. Por serem de difícil separação e por serem apenas conhecidos em minerais oriundos da Escandinávia, foram então (estamos a falar de finais do século XVIII, nos alvores da Química e da Mineralogia) considerados "raros", qualificação ainda hoje utilizada, apesar de alguns deles serem relativamente abundantes na crosta terreste. Todos eles são mais abundantes do que metais como a prata e o mercúrio, por exemplo.

Os metais destas “terras”, ou seja, destes óxidos, são, de acordo com o que a Química nos ensina, um grupo de 17 elementos da Tabela Periódica dos Elementos Químicos, dos quais, 15 pertencem ao grupo dos chamados lantanídeos, isto é, os que ali vão do lantânio ao lutécio, aos quais se juntam o escândio e o ítrio, todos eles elementos que ocorrem nos mesmos minérios e apresentam propriedades físico-químicas semelhantes. 

As principais fontes com interesse económico para serem exploradas são alguns minerais relativamente raros (cujos nomes, para quem quiser saber, se indicam no final do texto) e certas argilas ricas em óxido de ferro, qualificadas de lateríticas.

Apesar da sua abundância relativamente elevada, como se disse atrás, os minerais das terras-raras são mais difíceis de explorar do que os minerais de metais como o cobre, o chumbo, o zinco e muitos outros. Esta dificuldade torna os metais das terras-raras relativamente caros, pelo que o seu uso industrial foi limitado até serem desenvolvidas técnicas de separação de alto rendimento, tais como, cristalização fraccionada, troca iónica, em meados do século XX.

As terras-raras têm aplicação em grande variedade de modernas tecnologias de ponta, mais que evidente interesse económico, justificativo duma procura que ressalta nos noticiários de todos os dias.

Para os geólogos, as terras-raras ajudam a conhecer as fontes magmáticas de certas rochas, permitem datar alguns minerais, entre os quais, certas granadas, através da abundância relativa do par neodímio/samário. Mas o seu interesse científico não fica por aqui. Alarga-se a determinados campos da Biologia, da Medicina e outros.

Estima-se que grande parte das terras-raras esteja localizada na Ásia, com especial destaque para a China.

Cientistas de finais do século XVIII, a que se refere o texto acima:

Karl Wilhelm Scheele, (1724-1786), químico sueco;
Torbern Olof Bergman (1749-1817), químico e mineralogista sueco;
John Lukas Woltersdorf (1721-1772), mineralogista alemão;
Joseph Priestley (1733- 1804), químico inglês);
Antoine Lavoisier (1743-1794), químico francês.

Principais minerais com elementos da terras-raras: 

monazite, bastnasite, xenothyme e loparite. Se quiser saber o que são, procure facilmente na net, 

O grupo das terras-raras inclui os seguintes elementos químicos:

Lantânio, Cério, Praseodímio, Neodímio, Promécio, Samário, Európio, Gadolínio, Térbio, Disprósio, Hólmio, Érbio, Túlio, Itérbio, Lutécio, Escândio e Ítrio.
___________________
Nota
: A Tabela Periódica é uma disposição sistemática de pouco mais de uma centena de elementos químicos, iniciada pelo químico russo Dmitri Mendeleev, em 1869.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

O ENSINO ONLINE NÃO PODE SER SOLUÇÃO PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA

O Conselho Nacional da Educação é um órgão consultivo independente, no qual participam representantes de diversas entidades do país com ligação ao sistema de ensino. A sua principal função é contribuir, dentro das atribuições que lhe estão alocadas, para melhorar o sistema. Presume-se que, quando o Presidente do órgão se pronuncia, veicula uma sensibilidade colectiva do que é o melhor, do que beneficia os aprendizes que estão no sistema. Posto isto, deixo aqui um apontamento elaborado a partir de uma notícia da Agência Lusa do dia 25 deste mês (ver aqui).

Reconhecendo a gravíssima falta de professores no sistema, registada em diversos documentos produzidos pelo Conselho, nomeadamente no ainda recente Relatório do Estado da Educação 2023 (ver aqui), numa recente audição na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, o referido Presidente

"... sugeriu que o ensino ‘online’ pode ser uma das respostas para mitigar o impacto nas aprendizagens da falta de professores (...). «Não sei se já estamos a explorar devidamente as potencialidades da formação ‘online’, se não necessitaremos de pensar mais acerca desta matéria».

A ideia de "apoiar os alunos que estão sem aulas" parece sensata: na verdade, sabemos que a sua aprendizagem fica comprometida nessa circunstância. Mas, devemos perguntar: 

- que alunos serão "apoiados"? Por certo aqueles que estão na escola pública, e em zonas do país onde a falta de professores é mais acentuada. Além disso, a palavra "apoiar" não traduz, de modo algum, o direito constitucional que todos têm à educação escolar, em igualdade de oportunidades;

- se as máquinas não funcionam sozinhas, quem será responsável pelo seu funcionamento? Professores não, que os não há. Mas há fundações e empresas (privadas) dispostas a "ajudar", sendo que algumas delas já estão a "ajudar" dentro do próprio sistema, individualmente ou interligadas. O certo é que se estão a dar passos seguro para legitimação destes "parceiros"

Na notícia diz-se também que, na perspectiva do mencionado Presidente,

"a aposta na formação inicial de professores não permite responder ao problema a curto prazo".

Estando, desde há longa data, implicada nessa formação não posso concordar com esta declaração, que considero conformista. De modo propositado ou por mero desleixo, o Ministério mas também as instituições responsáveis pela formação deixaram que a situação chegasse aos níveis a que chegou; situação que não é, de resto, exclusiva do nosso país. A promessa de "fazer mais com menos", recorrendo às novas tecnologias digitais, é deveras aliciante e não podemos, portanto, excluí-la dessa situação, ela deverá ser escrutinada.

Ministério, Conselho Nacional de Educação, Universidades e Institutos Politécnicos deveriam ter a mesma vontade de superar a falta de professores e coordenar esforços para a fazer valer: envolver potenciais candidatos a professores e proporcionar-lhes uma formação digna desse nome. Apelando tanto à inovação e à criatividade, esta é uma ocasião que justifica o materializar destas palavras.

Haverá (tem de haver) solução para tão grave problema. Essa solução não pode, no entanto, deixar de preservar a essência do ensino e da aprendizagem em sala de aula, no quadro da relação pedagógica, absolutamente essencial na constituição do humano.

Podemos não conseguir encontrar uma solução no imediato, para este mês, para este ano; mas temos obrigação moral, ética de encontrar uma solução a curto prazo, sim. É que o que está em causa é demasiado importante para ser deixado para depois e/ou entregue a máquinas. Afinal, como disse José Morais dizer numa conferência realizada em 2017 na minha Universidade: "o futuro da humanidade depende de nós, dos que têm alguma responsabilidade na educação".

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

QUANDO ESTOU SENTADO, FRENTE AO COMPUTADOR, NÃO TENHO IDADE.

Por A. Galopim de Carvalho 

São raros os meus familiares, amigos e colegas de trabalho que continuam a resistir à gadanha do tempo. Já quase todos partiram e, sem dramatismo, isso diz-me aquilo que todos nós sabemos. 

O meu Bilhete de Identidade perpétuo (já não me foi passado o Cartão de Cidadão) diz que sou um velho de 94 anos. Isso é mais que evidente e, todas as manhãs, o espelho da casa de banho o confirma. Mas a minha alma não envelheceu e eu tenho plena consciência disso. 

Mantenho, a um tempo, a ingenuidade e a transparência da criança feliz que fui, a insatisfação, ousadia e aventureirismo da adolescência, a energia e positivismo da idade madura e a ponderação, tolerância, paciência e resignação dos velhos. Não perdi o sentido de humor e o amor à vida. O corpo e, em especial, as pernas é que não ajudam.

Mas, aqui, sentado, frente ao monitor, a dedilhar no teclado as palavras ditadas pelo pensamento, não tenho idade nem as dores do corpo dos velhos. Continuo a trabalhar e tenho a felicidade de o poder cumprir no que me dá prazer. 

Faço-o ao limite das minhas capacidades físicas, tenho consciência de que o produto do meu trabalho continua a ter utilidade e isso encoraja-me a continuar.

sábado, 22 de fevereiro de 2025

UM TIPO DE CENSURA DE LIVROS AINDA SEM DESIGNAÇÃO

Não sabemos ao certo, mas podemos colocar a hipótese, muito plausível, de a censura da expressão humana, nas suas mais diversas concretizações, ser tão antiga quanto essa mesma expressão.
 
Por razões e/ou interesses diversos, organizações ou pessoas desaprovam, reprovam, condenam manifestações de outrem. Tendo poder para tanto, em nome da salvaguarda de valores que, num determinado contexto, se afiguram estimáveis, afastam, escondem, proíbem, destroem essas manifestações. E isso pode acontecer de diversas maneiras, menos ou mais institucionalizadas.
 
A arte tem sido um campo particularmente visado pela censura, estando os livros no topo das suas prioridades. Religiões e Estados, independentemente das orientações que assumem, aproximam-se nos mecanismos censórios que adoptam e na persistência com que os usam. A estas duas organizações, mais óbvias, podemos acrescentar, no presente, grupos sociais cujo cimento são ideologias bem marcadas e cujos mecanismos não são menos eficazes, nem a sua acção menos persistente.
 
Nas última décadas, a "censura beneficente" (evito a designação "censura do politicamente correcto"), de matriz anglo-saxónica, tem "cortado a direito" em livros que entram ou podem entrar na escola, nem Sócrates ou Kant ficam inteiros (ver, por exemplo, aqui, aqui, aqui, aqui). Os manuais escolares são delineados, em parte, pela sua bitola e, ainda assim, certas editoras têm tido sarilhos.
 
Contra essa censura, está a formar-se uma outra que, parecendo ir em sentido contrário, é exactamente da mesma natureza. Vem dos Estados Unidos, da presente administração político-partidária, que, em escassos dias, produziu dois memorandos a que o sistema educativo fica obrigado, sendo um deles vinculativo para os doze anos de escolaridade no que toca, em concreto, aos livros a que os alunos podem ter acesso (ver aqui e aqui).
 
Dizem as notícias acerca desta censura que julgo ainda não ter designação (ver, por exemplo, a do The Guardian, aqui):

O Departamento de Defesa divulgou um memorando no qual se afirma estar a examinar os livros “potencialmente relacionados com a ideologia do género ou com temas discriminatórios da ideologia da igualdade".

Um dos livros é assinado por uma famosa actriz e, tanto quanto pude perceber, pouco terá a ver com essas "ideologias". Mas, como se sabe, a censura, quando se instala, leva tudo a eito. Eis a história contada em pouco mais de um minuto:


 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

SOPAS DE CARNE

Por A. Galopim de Carvalho

 
Foi num dia quente e seco de Julho, nos finais dos anos 40 do século que passou, com o sol quase a pino, na Herdade das Cortiçadas, ali para os lados de São Sebastião da Giesteira. Eu, o meu irmão Mário e mais dois companheiros calcorreávamos os campos amarelecidos do restolho da última ceifa, nesse tempo, ainda feita a braços de homem e mulher, de foice numa mão e dedeiras de cana a proteger os dedos da outra mão.

Vencida uma suave colina, deparava-se-nos, na planura que se abria aos nossos olhos, a locomóvel fumegante, accionando a grande debulhadora de madeira e ferro, há algum tempo e à distância, anunciada pelo matraquear cadenciado daquela espécie de locomotiva do século XIX. Concebida para se deslocar de seara em seara, ano após ano, sempre no pino do calor, fazia a debulha do trigo de várias herdades e encharcava a camisa da dezena de homens que andavam com ela.

Era a grande azáfama à nossa frente, ruidosa, escaldante e poeirenta, lançando no ar nuvens de moínha amarelada que inflamava os olhos de quem os não protegesse com uns óculos rudimentares, próprios para esse trabalho. Enquanto uns homens iam alimentando, com molhos, a voracidade da máquina, outros iam empilhando os fardos de palha que dela saíam a um ritmo alheio ao seu cansaço.
 
Não longe desta cena, à sombra de uma velha azinheira, a cocaria era uma correnteza de panelinhas de barro aconchegadas ao brasido ali atamancado, entre pedras, com a lenha que havia à mão. Uma mulher, cuja tarefa era vigiar este cozinhado colectivo, ia dando, a cada panelinha e de vez em quando, a conveniente volta, operação que consistia em pegar-lhe pela asa e dar-lhe uma sacudidela rápida e certeira, fazendo com que o que estivesse por baixo passasse para cima e que o que estivesse por cima fizesse o invés. Estava ali, aferventando baixinho, quase pronto, à espera do jantar dos homens, ao apitar do meio-dia. A meio daquele alinhamento, destacava-se uma panelinha maior. Era a dela e do marido ali ao lado, na debulha.
- Ora então, bom dia! - Disse um dos meus companheiros, quando nos aproximámos, de olhos postos no cântaro encostado ao grosso tronco da árvore, fazendo adivinhar frescura, sob a única sombra ao nosso alcance.
- Bom dia é como quem diz. - Respondeu a mulher plena de bom humor e em jeito de bom acolhimento. - Já estamos quase na boa tarde.

Deu-nos água fresca com o delicioso sabor a barro e satisfez-nos a curiosidade no respeitante aquela cozinha ali improvisada no chão.

- Nós chamamos-lhe “cocaria”. Já no tempo do meu avô era assim que se dizia. Cada um traz a sua panelinha e o avio que quer ou pode. A maioria traz um naco de toucinho e outro de chouriço e, às vezes um pedacito de carne da salgadeira. Junta-lhes uma cabeça de nabo, uma batatita e uma ou outra verdura com que fazem, chama-lhes a gente, umas “sopas de carne”. Migam-lhes pão à medida da vontade que têm e, depois, alguns deles estendem-se por aí, à sombra, e dormem a sesta até que o ganhão os acorde para acabarem a jorna até o sol-pôr. 
O resto da tarde ficámos a conviver e, até, a ajudar naquilo que pudemos. Montámos, ali mesmo, acampamento, ceámos do que tínhamos e passámos o serão a conversar com o trabalhador que ficou de guarda às máquinas.  Quando demos por terminada a confraternização, o meu irmão comunicou:
- Amanhã vou à venda a São Sebastião da Giesteira comprar o que for preciso para fazermos sopas de carne.
- E não te esqueças do raminho de hortelã. – Disse um dos companheiros, mas que o sono não me permitiu saber qual deles.
________________
Na segunda imagem (cuja autoria desconheço) vê-se, em primeiro plano, a mulher que toma conta do "jantar" (no Alentejo, o jantar era a refeição do meio-dia) dos trabalhadores. Atrás dela a "aguadeira" com o cântaro de barro, numa mão, e o cocharro de cortiça, na outra.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

ADEUS PROFESSORES, BEM VINDOS LÍDERES EMPRESARIAIS

Em 2015, foi enviada à comunicação social uma carta aberta assinada por pais de alunos do ensino básico na qual contestavam o doutrinamento dos seus filhos, em contexto escolar, na ideologia do "empreendedorismo". Clara Viana, jornalista do Público falou com alguns deles. O resultado foi o artigo abaixo identificado e que se pode encontrar aqui. Eis um extracto do mesmo:

“«Não fomos informados previamente, não nos pediram autorização, o que deveria ter sido feito dado o conteúdo gravíssimo deste programa, onde a sociedade é apresentada como sendo exclusivamente regida por relações económicas e que exclui tudo o que sejam relações de solidariedade» [isto] «vai contra o que tenta ensinar ao filho» [e também contra] «os valores da escola pública» (…). «Não queremos que a escola pública obrigue os nossos filhos a serem empreendedores competitivos obcecados pelo sucesso». Contestam o que consideram ser «um programa altamente estruturado de formatação ideológica».”

Passados quase dez anos poderemos dizer que esta iniciativa, com respaldo na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo, foi atendida pela tutela, pelas autarquias, pelas escolas e, em última instância, pelos seus directores e professores?

De modo algum.

De então até ao presente, a escola pública escancarou as suas portas, janelas e postigos a esta entidade que continua imparável na sua marcha evangelizadora, a todas as empresas que declaram querer ajudar os "mais desfavorecidos", com especial destaque para os sectores de banca e das seguradoras, que andaram muito tempo associados. 

Disto tenho dado exemplos neste blogue. O que se segue é apenas mais um, ainda que represente maior elaboração em termos de abrangência e abordagem do que alguns anteriores: trata-se de um tipo de coligação que passou a ser frequente entre empresas, fundações e ONG, todas partilhando o interesse em chegar aos alunos e às suas famílias. No caso, segundo a notícia, ao lado identificada e que se pode ler aqui, a iniciativa partiu desta última entidade, bem estabelecida no sistema educativo com reconhecimento da tutela.

Mais uma vez, entidades não educativas e com interesses privados entram na escola pública para "dar uma aula". Ora, quem "dá aulas" são os professores! 

Abrirmos a porta a alguém - "líderes empresariais" - que ocupa indevida e ilegitimamente o nosso lugar. Alguém que ainda tem a veleidade de explicar que o "objectivo é o de valorizar o trabalho dos professores!

Leia-se a notícia (os destaques são meus):

A Teach For Portugal (TFP) lançou o desafio a líderes empresariais para darem uma aula a alunos do segundo ciclo em escolas que servem contextos desfavorecidos. O objectivo é o de valorizar o trabalho dos professores que trabalham diariamente para que todos os alunos tenham a oportunidade que precisam para atingir o seu máximo potencial (...) Os líderes empresariais estão a preparar aulas em conjunto com professores e mentores TFP, adaptando o conteúdo às necessidades e perfis dos alunos (...) vão partilhar a sua experiência directamente em sala de aula, promovendo uma conexão entre o sector empresarial e o educativo. Através desta iniciativa, os alunos terão acesso a uma aprendizagem prática e colaborativa, enquanto os líderes empresariais conhecerão de perto a realidade diária das escolas públicas portuguesas.

DO LABORATÓRIO À COZINHA

Por Galopim de Carvalho

Vinte e quatro anos depois da jubilação, eis-me a publicar mais um livro em que se fala de açordas, migas e outros comeres, como diziam os rurais alentejanos no tempo em que, como adolescente, pude conviver com eles. Nos três anteriores, “Com Poejos e Outras Ervas”, “Açordas Migas e Conversas” e “Com Coentros e Conversas à Mistura”, além de receitas culinárias, fala-se “de tudo e mais alguma coisa”, da crónica à ficção, da mineralogia e geologia à história e à filosofia, das artes à sociologia. Neste, síntese dos anteriores, a que se acrescenta o que fui editando na minha página do Facebook apenas das muitas confecções aprendidas e criadas, todas elas da gastronomia alentejana ou nela inspirada.
 
Durante quarenta e quatro anos, primeiro como aluno, depois como docente e investigador nas Universidades de Lisboa e de Paris, no domínio das rochas sedimentares e dos seus minerais, o laboratório, com recursos à química e à física, foi uma constante na minha vida. Um laboratório foi, ainda, o que, respondendo a uma solicitação do saudoso professor Orlando Ribeiro, criei no Instituto de Geografia da Faculdade de Letras de Lisboa, onde a investigação em sedimentologia estava na base da geomorfologia.

Quando o limite de idade me arrumou, contra minha vontade, na “prateleira dos reformados e pensionistas”, toda a parafernália laboratorial que por amor à arte, por assim dizer, me entrara no coração, parece ter encontrado continuidade e conforto na da cozinha. Gobelets, provetas e erlenmeyers viraram tachos, panelas e frigideiras; cloretados, oxidados e sulfatados tomaram o lugar dos refogados, guisados e estufados; átomos e iões foram substituídos por bagos de ervilha e por feijões; a torneira com água fria e quente é a mesma, os queimadores de gás do fogão passaram a bicos de Bunsen e o forno fez as vezes da estufa.

Acontece que, em criança de 9,10 e 11 anos, era eu que, a mando de minha mãe, ia ao talho e ao mercado municipal, com o recado bem metido na cabeça, comprar o peixe, as hortaliças e a fruta. Ia também à mercearia, em busca do arroz e das massas, do feijão e do grão, do açúcar e da farinha, da manteiga e do azeite, nesse tempo, tudo a granel, aos quilos e meios-quilos, litros e meios-litros. Com essa experiência aprendi a relacionar os produtos que trazia para casa com as confecções que vinham à nossa mesa, numa família de pai, mãe, seis filhos e uma tia viúva, irmã da minha mãe, uns 18 anos mais velha do que ela. Acontece, ainda, que muito cedo ganhei interesse pela cozinha e que a minha mãe teve gosto e paciência para me ensinar os rudimentos que me permitiram caminhar “pelo meu pé”, descobrir o que fui descobrindo e criando o que o acaso fez surgir, sempre inspirado na cozinha tradicional alentejana.
 
Nos anos em que fui profissional a tempo inteiro, mais precisamente, entre 1961 e 2001, sempre gostei de, aos fins-de-semana, feriados e períodos de férias, me entreter na cozinha. Nos outros dias trabalhei naquilo em que me tornei profissional. E com que gosto! Com tanta a entrega e tanta a obsessão que costumava dizer estar sempre em férias, modo eufemístico de dizer que nunca me lembrava delas. Nos três anos que vivemos em Paris, no 5ème arrondissement, Rive Gauche, a Isabel e eu, alugámos um apartamento com uma pequena, mas funcional, kitchenette, íamos ao mercado na Rue Mouffetard, tal como os nossos vizinhos, e cozinhámos o tempo todo, ora um, ora outro.

Este outro livro, certamente o último que farei, encaro-o como um poema à gastronomia alentejana, como arte colectiva e ancestral de um povo que aprendeu a tirar das ervas, que a Natureza pôs à sua disposição, os aromas e os sabores que a caracterizam.

Importante atractor do já chamado turismo gastronómico, a gastronomia regional é um pilar da identidade da área territorial a que se refere e um património cultural que valoriza a relação entre a mesa e a sociedade locais. A gastronomia oferece ao viajante verdadeiras experiências muito pessoais e autênticas dos locais por onde passa, uma vez que, sentar-se à mesa para almoçar ou jantar, é uma necessidade de todos os dias. E a verdade é que quem viaja procura, cada vez mais, experiências que liguem os locais visitados ou a visitar às respectivas raízes culturais, e os “sabores” são uma parte importante dessas raízes. É por isso que, no dizer do colunista gastronómico espanhol Xavier Domingo (1929-1996), «Los libros de cocina son materia prima para historiadores, sociólogos, psicólogos, filósofos e incluso – termina com humor - para cocineros”. Sabemos que a gastronomia representa uma fatia importante do turismo cultural e também sabemos que este está intimamente ligado ao turismo rural, pela relação que tem com a agricultura e a pecuária que estão na base dessa mesma gastronomia.
 
Quem me conhece sabe que cozinhar tem sido para mim um hobby, à semelhança de outros, como a bricolage, a escultura, a pintura e, ultimamente, a escrita. Não sendo gastrónomo, gosto de ler sobre gastronomia, a «nona arte», como a distinguiu o conhecido gastrónomo, escritor e jornalista, Albino Forjaz de Sampaio (1884-1949), além de que aprecio, e muito, os bons sabores e gosto de «pôr as mãos na massa», no dizer de José Quitério (1942-), o jornalista fundador da secção de gastronomia do semanário Expresso.

Revejo-me nas palavras de Alfredo Saramago (1938-2008) que escreveu, em 1994, «O homem que gosta de cozinhar é um ser social por excelência». E é isso mesmo que eu sei que sou. Com efeito, é em confraternizações de amigos e familiares que mais gosto de cozinhar. “Do Laboratório à Cozinha” é um apanhado de ideias e sugestões passadas a escrito, cujo objectivo é dar a conhecer confecções caseiras, muito simples, vindas de pais e avós, amigos e conhecidos, citadinos e rurais, quase sempre com a marca mais ou menos visível da grande província que é a minha. Não indica quantidades nem tempos, nem se preocupa com os modos de preparação. Neste propósito, destina-se a toda aquela ou todo aquele que conheça os rudimentos da cozinha, deixando a cada um a liberdade de fazer delas o que melhor entender. 
__________________
Capa de Francisco Bilou, com base em uma fotografia de Jerónimo Heitor Coelho

ESTÁ O DINHEIRO FIXO EM EXTINÇÃO?

O Professor Mário Frota responde à questão colocada em título numa entrevista concedida ao jornalista João Nuno Pinto, no programa “Isto é o Povo a Falar”, da K – TV. O ponto de partida é a recusa de um restaurante que labora em Portugal em receber dinheiro vivo como forma de pagamento.
 
 
Ver: Associação Denária Portugal (ver aqui e aqui

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Daniel Completo - Porque não cai a Lua - No Reino dos Porquês - Luísa Du...

GUERRA E LITERATURA: DOIS LIVROS DE RUI DE AZEVEDO TEIXEIRA APRESENTADOS EM COIMBRA


 

A ARTE DE GOSTAR DE LER: LIVRO DE CARLOS GRANJA APRESENTADO EM COIMBRA

RUA DO ARSENAL: LIVRO DE ANA PAULA JARDIM APRESENTADO EM COIMBRA

ESTAÇÃO ELEVATÓRIA DE COIMBRA BIBLIOTECA CARLOS FIOLHAIS - PROGRAMA 1.º TRIMESTRE 2025




O protocolo estabelecido entre a Sociedade CoimbraPolis e a Câmara Municipal de Coimbra, em 2007, permitiu recuperar, dinamizar e devolver à cidade a antiga Estação de Captação de Água. Desde então, este edifício, datado de 1922, tem sido um local dedicado à educação ambiental e um ponto de diálogo entre a empresa municipal Águas de Coimbra e a comunidade.

A criação da Estação Elevatória de Coimbra - Biblioteca Carlos Fiolhais marcou um novo ciclo para este espaço, em 2024. Para concretizar este projeto, foi assinado um protocolo entre a Câmara Municipal de Coimbra, a empresa municipal Águas de Coimbra e Carlos Fiolhais, investigador, físico e um dos mais destacados divulgadores científicos, em Portugal. Com este acordo, Carlos Fiolhais formalizou a doação ao Município de Coimbra da sua biblioteca, composta por mais de 40 mil documentos, permitindo o acesso público a esse espólio.

O projeto de adaptação do interior do edifício, da autoria do arquiteto João Mendes Ribeiro, estará concluído em 2025. Contudo, a Estação Elevatória de Coimbra – Biblioteca Carlos Fiolhais iniciou a atividade em outubro de 2024, tendo já realizado tertúlias e debates que convidam à reflexão sobre temas essenciais da ciência e da sociedade atual.

Da mesma forma, este espaço já acolheu o lançamento de diversas obras literárias e promoveu atividades pedagógicas dirigidas aos mais jovens.

PROGRAMA 1.º TRIMESTRE DE 2025

5 DE FEVEREIRO 14H30

Apresentação do livro infantil “No Mundo dos Porquês. A Ciência Cantada e Contada”, com espetáculo musical, de Daniel Completo e Carlos Fiolhais, para público infantil. Estação Elevatória de Coimbra - Biblioteca Carlos Fiolhais

21 DE FEVEREIRO 18H00 Apresentação do livro de poesia “Rua do Arsenal”, de Ana Paula Jardim, por Carlos Fiolhais. Estação Elevatória de Coimbra - Biblioteca Carlos Fiolhais

28 DE FEVEREIRO 18H00

Apresentação do projeto “Ephemera”, com José Pacheco Pereira e moderação de Carlos Fiolhais. Estação Elevatória de Coimbra - Biblioteca Carlos Fiolhais

7 DE MARÇO 18H00

Palestra-debate “Ainda vamos a tempo de salvar o nosso futuro na casa comum?”, com Viriato Soromenho Marques e moderação de Carlos Fiolhais. Estação Elevatória de Coimbra - Biblioteca Carlos Fiolhais

12 DE MARÇO 18H00

Palestra-debate “Ser Humano na Era da Inteligência Artificial”, com António Dias Figueiredo e moderação de Carlos Fiolhais. Estação Elevatória de Coimbra - Biblioteca Carlos Fiolhais

26 DE MARÇO 18H00

Conferência comemorativa do Dia Mundial da Água - “A gestão da água no contexto das alterações climáticas”. Auditório Laginha Serafim – Departamento de Engenharia Civil, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra

27 DE MARÇO 18H00

Palestra-debate “Pacto Nazi-Soviético”, com Manuel Fonseca e moderação de Carlos Fiolhais. Estação Elevatória de Coimbra - Biblioteca Carlos Fiolhais

2 DE ABRIL 18H00

Palestra-debate “Psiquiatria e Literatura”, com Carlos Braz Saraiva e Cristina Robalo Cordeiro, e moderação de Carlos Fiolhais. Estação Elevatória de Coimbra - Biblioteca Carlos Fiolhais

3 DE ABRIL 18H00

Palestra “Os Mistérios da Água”, por Carlos Fiolhais, dirigida a alunos do ensino secundário.Estação Elevatória de Coimbra - Biblioteca Carlos Fiolhais

Está também prevista uma exposição sobre arquitectura na Serra da Estrela.

CIÊNCIAS E ARTES NA ESCOLA

Meu artigo no livro "Artes e Educação. Antologia de autores portugueses", recentemente saído na Imprensa Nacional:

A dicotomia entre ciência e artes foi discutida na famosa polémica que se seguiu à conferência que o físico-químico e romancista inglês Charles P. Snow proferiu em 1959 em Cambridge, no Reino Unido, sob o título As Duas Culturas [1]. No mundo do pós-guerra, claramente dominado pela ciência e pela tecnologia, Snow tinha chamado a atenção para a separação cada vez mais arreigada entre a ciência e a tecnologia, por um lado, e as humanidades, incluindo as artes, por outro, protestando talvez de um modo exagerado contra os “intelectuais literários” que ignoravam a ciência e tecnologia. 

Pese embora todas as numerosas e por vezes bem sucedidas tentativas de aproximação, tal dicotomia permanece tão entranhada nos dias de hoje que alguns alunos não podem deixar de ser vítimas dela. Há casos de conflitos interiores quando são obrigados a fazer uma escolha, no ensino secundário em Portugal, entre “ciências” e “letras”. Nesse nível de ensino, é assaz reduzido o trabalho interdisciplinar e, no nível do ensino superior, as escolas continuam a dificultar a interacção entre as várias disciplinas, aprofundando cada vez mais a especialização disciplinar. Deste modo, poucos alunos se poderão aperceber das fecundas intersecções e confluências entre ciências e artes. 

Acontece, porém, ao contrário do que muitos julgam, a ciência é uma forma de humanismo, pois é parte integrante da vasta e diversificada cultura humana. De facto, vendo bem, não há “duas culturas”, mas uma só, embora plural nas suas dimensões. Essas duas dimensões do espírito humano, embora servindo-se de métodos diferentes, tentam estabelecer relações, juntar o que está separado numa visão o mais coerente possível. As duas procuram sentido, encontrando-o, mesmo onde e quando ele não parecia presente. Esta comum busca de sentido é, como veremos, ajudada pela estética. As ciências, orientadas para a realidade física, na qual o ser humano evidentemente se inclui, dispõem de um método próprio para observar as regularidades que a Natureza exibe e as tecnologias, idealmente ao serviço da vida humana, permitem melhorá-la com base no conhecimento científico disponível. Por seu lado, as humanidades, não estando sujeitas a esse espartilho, não deixam por isso de estar ligadas à realidade, até pelo simples facto de serem produto do cérebro humano, que é um lugar da Natureza. 

As duas usam a imaginação para conceber mundos [2], sendo a diferença que os cientistas têm de imaginar como é o mundo real – começam por colocar hipóteses a respeito do funcionamento do mundo, cuja veracidade vão depois averiguar – ao passo que os artistas podem, mais livremente, ser criadores de mundos – embora a sua liberdade não seja total, porque eles vivem e pensam “neste” mundo. O facto de as ciências e as humanidades serem amiúde guiadas por critérios estéticos é um aspecto unificador deveras relevante que costuma ficar esquecido. Com efeito, não são só os artistas que buscam o belo, os cientistas tentam também descobrir a harmonia ou beleza do mundo, que pode ser entendido como a coerência das partes entre si e destas com o todo [3]. O poeta romântico inglês John Keats escreveu os seguintes versos no final de Ode a uma Urna Grega (1819): “Verdade é beleza, beleza é verdade/ –  e isso é tudo que conhecemos na Terra, e tudo o que precisamos de saber” [4]. É curioso que essa identificação entre verdade e beleza tenha sido proclamada em pleno romantismo, quando a ciência e tecnologia (esta última pujante com o advento da Revolução Industrial) e as humanidades estavam ou pareciam estar em colisão. Mas é muito anterior o lema latino Pulchritudo splendor veritatis, “A beleza é o esplendor da verdade”. O homem de ciências e o homem das artes são, afinal, hoje, tal como na Antiguidade Clássica, quando a racionalidade nasceu, e no Renascimento, quando a ciência moderna emergiu, o mesmo homem.

Pouco antes da palestra de Snow, o matemático e poeta britânico de origem polaca Jacob Bronowski (que foi também historiador e divulgador de ciência, dramaturgo e crítico literário) enfatizou, numa palestra proferida no MIT em Boston, nos Estados Unidos, em 1953 e publicada três anos mais tarde no livro Ciência e Valores Humanos [5], a profunda unidade entre ciência e arte, por partilharem uma ânsia de unidade num mundo plural e aparentemente díspar. Bronowski ilustrou a unidade da cultura citando o poeta, crítico e ensaísta inglês Samuel Coleridge, contemporâneo de Keats:

“Quando Coleridge tenta definir a beleza, regressava sempre a um único pensamento profundo: a beleza, disse, é a «unidade na variedade». A ciência não é nada mais do que a procura da descoberta da unidade na desordenada variedade da natureza – ou, mais exactamente, na variedade da nossa experiência. A poesia, a pintura, as artes, são a mesma procura, na frase de Coleridge, da unidade na variedade. Cada um, à sua própria maneira, procura as semelhanças sob a variedade da experiência humana.”

Não se pode dizer que essa mensagem tenha na altura sido interiorizada em círculos maiores do que que a elite mais atenta às questões culturais. Mas, em obras como A Ascensão do Homem [6], uma história popular da civilização humana, Bronowski esforçou-se no sentido da sua propagação.

Rómulo de Carvalho

Bronowski teve contemporâneos em Portugal que, estando ou não conscientes da discussão cultural no mundo anglo-saxónico, partilharam da sua ideia da profunda unidade entre ciências e artes. Havendo outros, um dos nomes maiores nesta junção entre nós das “duas culturas” foi o professor de Física e Química do ensino secundário e escritor Rómulo de Carvalho (poeta, contista e dramaturgo sob o nome de António Gedeão). A sua obra poética ilustra de um modo exemplar as possíveis relações entre arte e ciência [7], as quais muito dificilmente ele poderia pôr em prática nas escolas onde foi professor, dadas as limitações que eram os programas oficiais, as metodologias impostas e os livros únicos. Prudentemente, como revela a própria criação de um pseudónimo (surgido em 1956), ele próprio separou os dois mundos que coabitavam dentro de si. No entanto, no artigo “Ciência e Arte”, publicado na revista Palestra no Liceu Pedro Nunes em Lisboa, em 1958 [8], Rómulo de Carvalho, que nessa altura ensinava nesse liceu, escreveu:

“No nosso sentimento (e o tema é para discussão) o artista e o cientista são dois destinos paralelos embora em fases dispares da sua evolução. Ambos desempenham na sociedade o mesmo papel de construtores, de descobridores, de definidores: um, do mundo de dentro; outro, do mundo de fora. Precisemos melhor a questão. Não estamos apenas a afirmar (o que certamente teria o aplauso geral) que o artista e o cientista são pessoas igualmente estimáveis, merecedoras do mesmo respeito e ambos imprescindíveis na sociedade. Estamos a querer exprimir mais do que isso, que um e outro ocupam lugares de igual necessidade, que aqueles mundos de dentro e de fora são de transcendência equivalente, que ambos esses mundos exigem a permanente busca, a orientada investigação que, em nossos dias, é considerada apenas apanágio da Ciência.” 

A unidade entre ciência e poesia voltou a ser salientada por Rómulo de Carvalho, numa entrevista que deu, em 1991, terminada a sua carreira escolar e já perto do final da sua vida [9]. Quando interrogado sobre a referida dicotomia entre ciência e poesia respondeu:

“Há alguma dicotomia? Não há nenhuma! A pessoa encara a poesia como encara a ciência como encara a arte, como encara qualquer coisa, não há incompatibilidade. [...] Quer dizer, há uma base de onde parte tudo o que é um certo entendimento do que nos rodeia, na busca da melhor maneira de expressar aquilo que se sente. Tanto pode ser num campo como noutro. [...] É que na poesia estou a falar comigo. Enquanto na minha actividade profissional, estou a falar com os outros. “

 E, mais à frente na mesma entrevista, acrescentou:

“Bem, […] repudio até essa dicotomia. Nós estamos muito viciados, nós ocidentais, [...] nós estamos todos muito viciados pela cultura greco-latina... todos... e continuamos a ver na poesia aquela coisa extraordinária, mítica e mística, aquele valor extraordinário que os gregos e os romanos atribuíram aos poetas. É claro que era uma época em que a ciência não tinha peso nenhum. Embora hoje nós saibamos que eles tecnicamente tinham coisas muito valiosas – muito interessantes, muito valiosas, muito bem imaginadas. Mas, naturalmente, não havia ninguém que pensasse pôr uma coroa de louros na cabeça dum técnico. Isso ficava reservado para os poetas.”

Como estamos hoje nas escolas portuguesas num tempo pós Gedeão? Parece claro que, apesar de todas as citações a esse e outros autores que souberam conciliar ciências e humanidades (a começar logo pelo nosso maior poeta, Luís de Camões, cujos primeiros versos impressos surgiram num livro de ciência, os Colóquios dos Simples, de Garcia de Orta [10], e cuja obra maior, Os Lusíadas, é um repositório de conhecimentos de astronomia, meteorologia, química e botânica [11]), a actual formação de professores não ajuda a que uma ligação fértil entre ciência e artes se concretize no plano pedagógico. Continuam a existir sérios entraves como a organização e práticas escolares. Por isso, que muitos jovens têm de descobrir, fora da escola, as conexões da cultura humana que a escola lhe esconde. 

Para as pessoas formadas nas ciências – e, em geral com uma preparação nas artes reduzida – será mais viável fazer um percurso auto-didacta em áreas das artes: por exemplo Jorge de Sena, autor do prefácio para a Poesia Completa de Gedeão, que ajudou na afirmação deste autor no mundo literário, formou-se em engenharia civil (curiosamente tinha aluno de Rómulo de Carvalho). Só para dar alguns exemplos avulsos, alguns poetas como Sena têm formação científica, como Ruy Cynatti, que era antropólogo, José Blanc de Portugal, que era meteorologista, e Eugénio Lisboa, que é engenheiro electrotécnico. para já não falar dos numerosos poetas médicos, como Miguel Torga, Fernando Namora, Bernardo Santareno, António Lobo Antunes, Jorge de Sousa Braga, João Luís Barreto Guimarães e António Oliveira [12]. Em contraste, será mais difícil às pessoas formadas nas humanidades, com mais reduzida preparação matemática, a entrada no mundo da ciência.     

O exemplo de Werner Heisenberg

Outras escolas que não a nossa têm sabido comunicar uma formação humanista integral, a qual, partindo das nossas raízes greco-latinas, e passando pelo Renascimento, transmite aos estudantes o que tem sido a “ascensão do homem.” Um bom exemplo dessa formação é aquela que os liceus do espaço germânico proporcionavam no século XX, como tão bem revelam as biografias e obras dos autores da teoria maior do século XX que foi a teoria quântica, a teoria que, numa grande visão unificadora, explica tanto os átomos como as estrelas. Após os passos iniciais dados por uma plêiade de físicos como Max Planck, Albert Einstein, Niels Bohr e Louis de Broglie, essa teoria ficou completa, na forma que hoje conhecemos e aplicamos, em 1926, com os notáveis trabalhos, independentes mas complementares, do físico alemão Werner Heisenberg, Prémio Nobel da Física de 1932, e do físico austríaco Erwin Schrödinger, Prémio Nobel da Física de 1933, o primeiro autor de uma “mecânica de matrizes” e o segundo de uma “mecânica de ondas”, que são apenas duas maneiras diferentes de formular a mesma doutrina.

Uma vez que o humanismo de Schrödinger já foi valorizado noutro lado [13], valerá a pena deixar aqui algumas notas sobre Heisenberg. Bom apreciador de música clássica (também pianista) e profundo conhecedor da filosofia, a começar desde logo nos clássicos greco-latinos, Heisenberg conhecia o dito Pulchritudo splendor veritatis, para a qual chamou a atenção no seu livro Across the Frontiers [14]:

“O significado da beleza para a descoberta da verdade tem sido reconhecido e enfatizado em todos os tempos. O lema em latim Simplex sigillum veri – ‘O simples é o selo da verdade’ – está inscrito em letras garrafais no auditório de Física da Universidade de Göttingen, como uma exortação àqueles que descobririam novidades; mas outro lema em latim, Pulchritudo splendor veritatis, ‘A beleza é o esplendor da verdade’ – pode também ser interpretado como querendo dizer que o investigador reconhece a verdade, primeiro, por seu esplendor, pelo modo como ela brilha.”

O seu ponto de partida são as ideias pitagóricas, que desembocaram no platonismo, respeitantes à ligação entre a matemática e a música. Essa relação seria mais tarde cultivada por cientistas. O pai de Galileu, Vincenzo Galileo, foi alaudista em Florença, cocriador da ópera e teorizador da harmonia musical [15]. Muito mais tarde, Einstein, um violinista amador, confessou que, se não fosse físico, seria músico, justificando desta maneira: “Penso muitas vezes musicalmente. Vivo musicalmente os meus sonhos diurnos. (…) Tiro o maior prazer da minha vida do violino” [16]. Heisenberg acrescentou sobre a definição e o papel da beleza [14]: 

“A beleza, conforme a primeira das nossas definições antigas, é a conformidade adequada das partes entre si e com o todo. As partes aqui são as notas individuais, enquanto o todo é o som harmónico. A relação matemática pode, desse modo, reunir duas partes inicialmente independentes num todo e produzir beleza. Essa descoberta produziu um avanço na doutrina pitagórica para formas totalmente novas de pensamento, suscitando, assim, a ideia de que a base primordial de todo o ser não era mais considerada matéria sensorial, tal como a água em Tales, mas sim um princípio ideal de forma. Isso afirmou uma ideia básica que, mais tarde, forneceu o fundamento para todas as ciências exactas.”

Numa carta a Einstein transmitiu essa mesma posição [17]. Aprofundando a ligação entre ciência e arte, esclareceu [14]: 

“Compreender a multiplicidade colorida dos fenómenos foi, desse modo, aprofundada através do reconhecimento neles de princípios unitários a respeito da forma, que podem ser expressos na linguagem da matemática. Deste modo, foi estabelecida também uma conexão íntima entre o inteligível e o belo. Porque se o belo é concebido como a conformidade das partes entre si e com o todo, e se, por outro lado, toda compreensão é tornada possível em primeiro lugar por meio dessa conexão formal, então a experiência do belo torna-se virtualmente idêntica à experiência das conexões, sejam estas compreendidas ou pelo menos adivinhadas.”

Por aqui se percebe que, para um grande criador da ciência, a experiência científica é semelhante a uma experiência estética. Na mesma linha, disse o matemático alemão Hermann Weyl: “Sempre procurei no meu trabalho juntar o verdadeiro e o belo, mas, quando tive de escolher, escolhi normalmente o belo”. A física moderna veio, ao longo do século XX, a revelar a existência de simetrias abstractas no âmago da realidade física. E as simetrias são, como sempre foram e como a arte tão bem evidencia [18], manifestações superiores de beleza. 

Em conclusão

Há muito espaço – e há uma multidão de caminhos para percorrer – para a aproximação entre ciências e humanidades na escola. Uma vez que a escola se destina a preparar para a vida, a questão é a de saber que vida desejamos para as gerações seguintes: uma vida fragmentada e quiçá dolorosa ou uma vida plena e tranquila, na qual saibamos ocupar o nosso lugar no mundo, procurando responder às nossas interrogações, em particular as que dizem respeito ao desafio que estava inscrito no templo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo!” 

Konrad Lorenz, um dos pais da etologia e prémio Nobel da medicina de 1973, enfatizou a necessidade de comunicar a proximidade entre beleza e verdade aos jovens [19]:

“Os jovens de hoje deem ter acesso à mensagem de magnificência e beleza deste mundo para que compreendam o lugar do homem no universo e se não abandonem ao desespero. É preciso fazê-los compreender que a verdade também é bela e está cheia de mistérios inimagináveis e que não é necessário entregarmo-nos às drogas ou tornarmo-nos místicos para termos a experiência do maravilhoso.”

Referências:

[1] Snow, Charles P., The Two Cultures and a Second Look, Cambridge Mass., Cambridge University Press, 1963. Traduções portuguesas são As Duas Culturas, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1965, e Lisboa,: Presença, 1996; ver sobre o tema: Fiolhais, Carlos, “‘Estranhas, mas irmãs’: revisitando a questão das duas culturas”, Revista Lusófona de Estudos Culturais 2, vol. 3 (2016), p. 103-111. http://estudosculturais.com/revistalusofona/index.php/rlec/article/view/259/162>.

[2] Fiolhais, Carlos, “Imaginação, ciência e arte”. Biblos. Série 2. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade. Vol. 6 (2008), p. 3-16. http://hdl.handle.net/10316/12372 .

[3] Fiolhais, Carlos, “Os jardins secretos de Mandelbrot“, in Universo, computadores e tudo o resto. Lisboa: Gradiva, 1994. http://dererummundi.blogspot.com/2008/08/os-jardins-secretos-de-mandelbrot.html

[4] Keats, John, “Ode on a Grecian Urn, in Annals for the Fine Arts for 1819, vol. 4. Ver Complete Poems, Cambridge Mass.: Harvard University Press, 1982. Algumas odes estão traduzidas em português, ver e.g. Odes, Porto: Livraria Sousa Almeida, 1960.

[5] Bronowski, Jacob, Science and Human Values. New York: Julian Messner, 1956. Tradução portuguesa: Ciência e Valores Humanos, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1972. Texto reeditado em Bronowski, Jacob, A Responsabilidade do Cientista e Outros Escritos, (Introd., org. e notas de A.M. Nunes dos Santos, C. Auretta e J.L. Câmara Leme), Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992.

[6] Bronowski, Jacob, A Ascensão do Homem. Boston: Little Brown and Company, 1974. Reedição, London: BBC, 2013. Há tradução em português do Brasil: A Escalada do Homem São Paulo, 3.ª ed., 1992.

[7] Gedeão, António, Poesias Completas (1956-1967), Lisboa: Portugália, 2.ª ed., 1968. Reedição: Obra Completa, Lisboa: Relógio d’Água, 2004. O prefácio, intitulado “A Poesia de António Gedeão (esboço de análise objectiva),”  é de Jorge de Sena. Sobre a poesia de Gedeão ver: Fiolhais, Carlos, “Poesia e Ciência em António Gedeão”, Nova Síntese, Cultura Científica e Neo-Realismo, Fitas, Augusto J.S., (ed.)Lisboa: Colibri 2019. http://dererummundi.blogspot.com/2019/10/poesia-e-ciencia-em-antonio-gedeao.html

[8] Carvalho, Rómulo de, “Ciência e Poesia”, Palestra 1 (Lisboa, 1958), p. 20-27.

[9] Christopher Auretta e António Nunes dos Santos, António Gedeão: 51+3 Poems and Other Writings, Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, 1992. Tradução em português: “Uma Conversa com Rómulo de Carvalho”, Gazeta de Física vol. 16, fasc. 1 (1993), p. 2-8. 

[10] Fiolhais, Carlos e Paiva, Jorge (coords.), Primeiro Livro de Botânica: Colóquio dos Simples, de Garcia da Orta, vol. 15 de Fiolhais, Carlos, e Franco, José Eduardo (coords.), Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 30 vols., 2017-2019. 

[11] Tomás, Túlio Lopes, Os Lusíadas e a Ciência do Renascimento. Macau: Imprensa nacional. Ver também Silva, Armando Tavares, Camões e a Química. A Química em Camões, ed. autor, Lisboa, 2010, e Paiva, Jorge, “As plantas na obra poética de Camões (épica e lírica)”,  in Andrade, António Manuel Lopes de et al. (coords.), Humanismo e Ciência,  Antiguidade e Renascimento,  Coimbra: Universidade de Aveiro editora e Imprensa da Universidade de Coimbra e Annablume,   http://hdl.handle.net/10316.2/35691

[12] Fiolhais, Carlos, “Ciência e Literatura: Encontros e Desencontros”,  Atlântida, LXIII (2018), p. 277-286. ( http://dererummundi.blogspot.com/2018/12/ciencia-e-literatura-encontros-e.html ). Ver também duas antologias sobre ciência e poesia: e Bochicchio, Maria,  e Moura, Vasco Graça, O binómio de Newton e a Vénus de Milo. Lisboa: Fundação Champalimaud e Alêtheia, 2011 e Malhó, Rui, O Bosão do João, 88 poemas com ciência, Lisboa: By The Book, 2014.

[13] Fiolhais, Carlos, “Ciência e humanismo: a visão da ciência de Erwin Schrödinger. Biblos. Nova série. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade. N.º 1 (2015), p. 127-151. 

( http://hdl.handle.net/10316/40714 ). 

[14] Heisenberg, Werner (1982), “The Meaning of Beauty in the Exact Sciences.” In: Across the Frontier. New York: Harper & Row, 1974, p. 167-180. Ver também do mesmo autor: (1984) Physics and Philosophy, New York: Harper & Brothers, 1958, e Physics and Beyond: Encounters and conversations, Harper and Row, 1971, Tradução portuguesa: Diálogos sobre Física Atómica. Lisboa: Verbo, 1975. Sobre a estética em Heisenberg ver Videira, António Passos, e Puig, Carlos Fils, “Realidade, linguagem e beleza segundo Werner Heisenberg,” Prometeica, n.º 21 (2020), 73-84. (https://doi.org/10.34024/prometeica.2020.21.10410 )

[15] André, João Paulo, Poções e Paixões, Química e Ópera, Lisboa: Gradiva, 2019.

[16] Calaprice, Aline, The Ultimate Quotable Einstein, Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2011. Há tradução portuguesa: Citações de Albert Einstein. Lisboa: Relógio d’Água, 2018, p. 237.

[17] Stewart, Ian, Why Beauty is Truth. A history of symmetry, New York: Basic Books, 2007, p. 278. Ver também: Chandrasekhar, S., Truth and Beauty. Aesthetics and Motivations in Science,  Chicago and London: The University of Chicago Press, 1987.

[18] Weyl, Hermann, Simetria, Lisboa: Gradiva, 2 017, rev. científica e posfácio de Carlos Fiolhais. 

[19] Lorenz, Konrad, The Waning of Humaneness, Boston: Little, Brown and Company, 1987, p. 209-210.


FAJÃ, UM ACIDENTE GEOMORFOLÓGICO COMUM EM TODA A MACARONÉSIA

Por A. Galopim de Carvalho Termo de origem obscura, fajã designa uma porção de terra plana, em geral cultivável, de pequena extensão, avança...