Meu artigo no JL:
Hoje o lítio anda nas bocas do mundo devido à sua crescente procura para
baterias de telemóveis e de automóveis. Em Portugal, que é o maior produtor de lítio
da Europa e o sétimo do mundo, tem sido notícia a anunciada mineração do lítio
em Montalegre e em Boticas, respectivamente pelas empresas Lusorecursos e
Savannah. Tais projectos, apesar de terem obtido pareceres favoráveis da Agência
Portuguesa do Ambiente, têm enfrentado forte oposição das populações locais,
encabeçadas pelos seus órgãos autárquicos.
É natural que os cidadãos se interroguem sobre o que é o lítio, onde está e
como se extrai. E que queiram saber como é que ele entra nas pilhas e baterias
de lítio, que são hoje a maior aplicação do lítio, e que outras aplicações tem.
E, também, que queiram entender a transição energética e as questões ambientais,
económicas, sociais e políticas a ela associadas.
Um livro saído recentemente em edição conjunta da Galeria Municipal do Porto e da Dafne, responde em parte a estas preocupações ao reunir depoimentos de arquitectos, biólogos, filósofos, astrónomos, advogados e activistas sobre o lítio. O título da obra, coordenada por Marina Otero Verdier (curadora), Anastasia Kubrak (designer) e Francisco Diaz (editor). E n.º 14 da colecção “Equações de Arquitectura”, é Lítio. Estados de Exaustão. Resultou de um projecto de investigação, uma exposição e um conjunto de palestras realizadas no Het Nieuwe Institut, em Roterdão, nos Países Baixos.
Esse projecto foi seguido por um outro em Portugal, apoiado pela Câmara Municipal do Porto, em 2022-2023, que também incluiu uma exposição e palestras. A exposição portuense, intitulada “Desejos Compulsivos: a Extracção do Lítio e as Montanhas Rebeldes,” centrou-se nas lutas das populações do Norte contra a exploração do lítio, que está planeada para os afloramentos rochosos onde os geólogos identificaram minerais de lítio.
O livro tem um tom crítico não só contra a extracção do lítio, apresentando os maus exemplos da América do Sul, mas também contra os movimentos ecológicos que defendem a transição energética, parecendo por vezes um manifesto anticapitalista (interessante, sem dúvida, mas sem dar alternativas viáveis). Mas tem um excelente design, da autoria de Joana Pestana, sobressaindo as fotografias coloridas das paisagens andinas.
Abordo algumas das questões que ficaram fora do livro. O lítio (da palavra
grega para pedra) é o terceiro elemento da Tabela Periódica, depois do
hidrogénio e do hélio. É o primeiro elemento sólido em condições normais de
pressão e temperatura. Trata-se do mais leve dos metais alcalinos, que engloba
outros como o sódio e o potássio, muito mais abundantes na Terra. O núcleo do
átomo de lítio é formado por três protões e, normalmente, por quatro neutrões
(há um outro isótopo estável, minoritário, só com três neutrões). À volta do
núcleo existem três electrões, sendo o último, desemparelhado, facilmente
extraído. É, por isso, que o lítio é quimicamente muito reactivo, surgindo na
Natureza em compostos químicos e não como um metal simples. Quando se arranca um electrão do átomo de
lítio fica um ião positivo, LI+, pois há três cargas positivas no núcleo e só
duas negativas fora dele.
Os primeiros minerais de lítio foram descobertos em 1800 por um luso-brasileiro,
o jurista, químico, político e poeta José Bonifácio, numa viagem de vários anos
que empreendeu pelas Europas Central e do Norte, após se licenciar em Filosofia
Natural na Universidade de Coimbra e antes de se tornar professor de Metalurgia
nessa Universidade. José Bonifácio, que é conhecido como “patriarca da independência
do Brasil” dado o seu papel próximo de D. Pedro IV, encontrou numa mina sueca silicatos
de lítio e alumínio, a petalita e a espodumena. Escusava de ter ido tão longe,
pois esses minerais existem em Portugal. Só passados 17 anos, o químico sueco Johan
Arfwedson identificou o elemento químico no mineral descoberto por Bonifácio,
embora esse elemento só tenha sido isolado mais tarde.
Ó lítio extrai-se de dois modos: ou de lamas, como acontece nos planaltos
dos Andes, designadamente no “triângulo de lítio” entre o Chile, o segundo
maior produtor mundial depois da Austrália, a Argentina e a Bolívia. Existem aí lagos salgados, onde, após
evaporação da água, ficam depósitos lodosos onde o lítio se encontra concentrado.
Mas, em Portugal, tal como na Austrália, extraem-se minerais de lítio a céu
aberto. Quer num caso quer noutro registam-se danos ambientais: no caso das
pedreiras, os ecossistemas naturais são destruídos ou prejudicados,
designadamente pela modificação da paisagem e pela poluição associada ao
processo extractivo. O mineral de lítio tem de ser refinado, o que não é um
processo limpo: a China é o país campeão desta indústria e, entre nós, fala-se
da construção de uma refinaria de lítio em Sines.
Os iões Li+ são usados nas baterias de iões de lítio. Estas começaram a ser
desenvolvidas nos anos de 1970, no quadro da crise do petróleo, quando a
necessidade de carros eléctricos foi percebida. O químico britânico Stanley
Whittingham, a trabalhar para a Exxon, foi o autor da primeira bateria desse
tipo, que usava, no cátodo, dissulfeto de titânio, abrigando iões Li+. Nos anos
de 1990, o físico norte-americano John Goodenough, passou a usar, no cátodo,
óxido de cobalto e lítio e, a seguir, o químico japonês Akira Yoshino
substituiu o lítio metálico do ânodo por grafite. Foi a Sony que comercializou
a primeira bateria desse tipo em 1991. A partir daí deu-se um big bang
do uso dessas baterias em telemóveis e viaturas (o primeiro carro da Tesla
surgiu em 2008). Os três cientistas ganharam o Nobel da Química em 2019.
O lítio tem outros usos além das baterias: em cerâmica e vidros e em lubrificantes. E tem um uso farmacológico, tratado em Lítio: Estádios de Exaustão: comprimidos de carbonato de lítio são usados há décadas para tratar a doença bipolar. Entre os famosos que sofreram ou sofrem dessa doença contam-se Mariah Carey, Kurt Cobain, Mel Gibson, Ernest Hemingway e Jimi Hendrix. Ora aqui está uma curiosa relação entre o lítio e cultura.
1 comentário:
Se mantivermos esta política de não se poder mexer na natureza, o nosso futuro não poderá ser outro do que sermos obrigados a emigrar para países, como a Alemanha, onde se pode mexer na natureza, e esperar que os alemães, franceses suecos e dinamarqueses venham ocupar as casas que deixarmos vagas neste Portugal impoluto, mas, infelizmente, atrasado!
Esses, que combatem o lítio, são os mesmos que se repimpam a atulhar, com carros de motores de combustão, as nossas aldeias, vilas e cidades.
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