sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

SUBSÍDIO DE RISCO: UMA FRAUDE

Novo texto de Eugénio Lisboa:

 Volto a isto, agora que o Partido CHEGA, numa manifestação de demagogia pacóvia, vem acenar com um aumento mirabolante do tão badalado SUBSÍDIO DE RISCO, para as forças de segurança.

Uma simples análise do problema mostrar-nos-á que o genuíno risco de vida ou de incapacitação para o serviço não pode ser acautelado com um subsídio de risco, que nunca garantirá o futuro dos familiares, em caso de acidente grave no decurso de uma operação perigosa. O subsídio de risco é apenas uma forma disfarçada de um aumento de vencimento mensal e destinado a isso mesmo: a ser consumido mensalmente, como parte das despesas correntes do lar. Mas mesmo – e não será normalmente o caso – de o utente desse seguro ser cauteloso e o reservar, em fundo separado, para o que der e vier, imaginemos um elemento das nossas forças de segurança que, dois ou três meses ou mesmo um ano ou dois anos, após ter ingressado nas ditas forças de segurança, morre numa operação de alto risco. É com o dinheiro recebido, como “subsídio de risco”, que a viúva e os filhos vão poder viver? Claro que não. O subsídio de risco não passa de um mau engodo eleitoral. O risco cobre-se com um seguro de grupo ou seguro colectivo, para todas as forças de segurança, que, por um preço relativamente baixo, permite ao Estado assegurar à família do segurado, uma razoável sobrevivência. E estou convencido de que até ficará ao Estado mais barato do que andar a pagar dispendiosos e ineficazes “subsídios de risco”… A demagogia do CHEGA serve só o CHEGA, mas de modo nenhum serve, a sério, os encarregados da nossa segurança. O SUBSÍDIO DE RISCO É UMA FRAUDE E COMO TAL DEVE SER DENUNCIADFA. E É UMA FRAUDE PARTICULARMENTE CRIMINOSA. Faça-se, sim, um bom seguro colectivo para os que corajosamente nos asseguram uma vida tranquila.

Eugénio Lisboa

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

UM CIENTISTA ENTRE ARTISTAS: Ciência às Seis (on-line)

 Informação recebida do Rómulo:



Na próxima terça-feira, dia 25 de Janeiro às 18h, realiza-se via plataforma Zoom, a palestra intitulada "Francisco Nazareth: um cientista entre artistas" com Gilberto Pereira, conservador da colecção de instrumentos científicos do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. 

Sessão inserida no ciclo de divulgação científica "Ciência às Seis", iniciativa do RÓMULO - Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, destinada ao público em geral interessado em cultura científica, de participação livre e gratuita, não sendo necessária inscrição. 


 Resumo da Palestra: 

 Nesta apresentação iremos debruçar-nos sobre a vida e a obra de Francisco Martins de Sousa Nazareth (1889 - 1971), professor catedrático de Física na Universidade de Coimbra, que, após realizar um estágio com Madame Curie, se tornou um dos pioneiros na detecção de partículas ionizadas em Portugal e que privou com Almada Negreiros e Fernando Pessoa, tendo ficado imortalizado num quadro do café “A Brasileira” do Chiado, em Lisboa. Breve biografia do Orador: 

 Biografia do Palestrante:

Gilberto Pereira é licenciado em Química Industrial, pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) e mestrado em Química Aplicada ao Património Cultural pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Encontra-se actualmente na Universidade de Coimbra (UC) a desenvolver a sua tese de doutoramento em História da Ciência com o tema “A investigação científica no Laboratório de Física da Universidade de Coimbra, entre 1911 e 1972”. Trabalha no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (desde 2002), sendo o conservador da colecção de instrumentos científicos. 

Os vídeos das sessões anteriores do ciclo (e outros) estão disponíveis no Canal YouTube RÓMULO - 

Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra 
Departamento de Física da FCTUC Rua Larga 3004-516 Coimbra Telefone: 239 410 699 E-mail Geral: ccvromulocarvalho@gmail.com 

A charlatanice da acupuntura legitimada em tribunal


Artigo de opinião do David Marçal e meu que saiu há uma semana no Público: 

Imagine alguém que vende torradeiras que não funcionam. E imagine ainda que essa pessoa vai frequentemente à televisão, onde os apresentadores se desfazem em sorrisos cúmplices. Que são postas a circular histórias de clientes satisfeitos. O vendedor dizia que a torradeira tinha um circuito eléctrico e que, portanto, havia um fundamento científico. Há muito que se sabia que essas torradeiras não funcionavam, uma vez que, dada a sua popularidade, se tinham feitos milhares de ensaios. Nestes, colocavam-se algumas fatias de pão nas tais torradeiras e um número igual de outras fatias iguais dentro de uma torradeira que funcionava. No final, comensais que não sabiam como tinham sido preparadas as fatias diziam se elas estavam torradas ou não. E  as  torradas nunca vinham das torradeiras que não funcionam.

Houve vozes dissonantes sobre as torradeiras que não funcionam. O vendedor, que tinha uma perna na política, teve então a brilhante ideia de convencer os seus aliados na política a aprovar legislação que regulamentava as torradeiras que não funcionam: apenas certas pessoas, a quem era passada uma certidão profissional é que as podiam vender. Estas tinham de ser licenciadas em torradeiras que não funcionam, cursos cujos conteúdos programáticos eram também definidos pelos políticos. Obviamente que assim seria mais difícil duvidar da eficácia do referido electrodoméstico.

Mas várias pessoas continuavam a insistir na falta de provas de que as torradeiras funcionavam. Uma deles em particular, na Internet, meio onde a cortesia não abunda, a dada altura presenteou o tal vendedor com epítetos como «charlatão» e «vigarista». O vendedor, escudado pela legislação aprovada, avançou para a justiça com queixa por difamação. Disse que sofreu danos, alegando mesmo ter perdido o apetite. E o tribunal, apesar de todas as provas de que aquelas torradeiras não funcionam, resolveu dar razão ao queixoso, condenando o tal individuo a pagar-lhe uma avultada indemnização.

A história, torradeiras à parte, é infelizmente verdadeira e aconteceu com o médico João Cerqueira, condenado a pagar uma indemnização de 15 mil euros ao praticante de acupunctura Pedro Choy.

A acupunctura é, de facto, uma torradeira avariada. Foram já feitos milhares de ensaios clínicos e centenas de revisões sistemáticas da literatura médica para avaliar tratamentos de acupunctura e as conclusões são uma de duas possibilidades: ou a acupunctura não mostrou eficácia terapêutica no tratamento de determinada doença; ou, nalguns casos, há indicações muito ligeiras da eficácia da acupunctura no tratamento de certa doença, mas os métodos são inadequados e as amostras demasiado pequenas. Isto inclui o tratamento da dor e o seu uso como método de anestesia (que não é possível, ao contrário do que Choy alegou no programa  Prós e Contras de 1 de Abril de 2019). Aliás, se a acupunctura conseguisse apresentar provas das suas eficácia e segurança não necessitaria do favor da legislação especial: os seus tratamentos seriam aprovados como quaisquer outros. Mas o facto é que para nenhum tratamento de nenhuma terapia alternativa é exigida qualquer prova de eficácia para estar no mercado. E tudo isto tem consequências. Sabemos, por exemplo, que os doentes com cancros curáveis que também recorrem as terapias alternativas têm uma taxa de letalidade ao fim de sete anos muito superior aqueles que apenas recorrem a tratamentos convencionais.

O que é que podemos chamar a um «charlatão» quando não lhe podemos chamar «charlatão»? «Praticante de charlatanice»? «Adepto da charlatanice»? Segundo o Dicionário da Academia «charlatão» é um «indivíduo que vende drogas e mezinhas, atribuindo-lhes qualidades curativas que elas não possuem (...) Pessoa que proclama méritos ou qualidades que realmente não possui». «Charlatanice» é, segundo o mesmo dicionário, a «arte de explorar a credulidade das pessoas através de falsas doutrinas, teorias, promessas vãs...». O que é que se pode e deve chamar a um indivíduo que defende a teoria da terra plana, a homeopatia ou a acupunctura para «curar» a homossexualidade (sim, foi também isso que Choi fez)?

Porque, apesar de tudo, queremos acreditar na justiça, esperamos que este caso seja revisto na instância seguinte. Seria muito mau para a imagem da nossa justiça se a sentença proferida transitasse em julgado.

PS) Fomos testemunhas de defesa do médico João Cerqueira na única vez que, até hoje, cada um de nós foi chamado a um tribunal.

 

NOVA «ATLANTIS» : REVISTA DIGITAL DE RECENSÕES SOBRE ESTUDOS CLÁSSICOS

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à informação.

Imprensa da Universidade de Coimbra

Atlantís - review

v. 43 (2022)

Sumário

https://impactum-journals.uc.pt/atlantis/index

[Recensão a] TARRANT, Harold, LAYNE, Danielle A., BALTZLY, Dirk & RENAUD, François: Brill’s Companion to the Reception of Plato in Antiquity. Brill’s Companion to Classical Reception 13. Brill, Leiden-Boston, 2018. ISSN 2213-1426; ISBN 978-90-04-27069-5

Francisco L. Lisi

[Recensão a] SCOLNICOV, Samuel: Plato’s Method of Hypothesis in the Middle Dialogues, edited by Harold Tarrant, Baden-Baden, Academia, 2018. 256 p. ISBN: 978-3-89665-733-6

Luc Brisson

[Recensão a] TANGA, Fabio: Plutarco. La virtù delle donne (Mulierum virtutes). Introduzione, testo critico, traduzione italiana e note di commento a cura di Fabio Tanga, Leiden-Boston, Brill, 2019. LXXIX + 269 pp. ISBN: 978-900-440-80-36

Pia de Simone

[Recensão a] ROSPOCHER, Massimo, SALMAN, Jeroen & SALMI, Hannu (eds.): Crossing Borders, Crossing Cultures. Popular Print in Europe (1450–1900), Berlin-Boston, De Gruyter, 2019, ISBN: 978-311-063-95-13

Isabel Ferreira da Mota

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Atlantís
http://impactum-journals.uc.pt/atlantis

TEXTO - 15 minutos à conversa com ... Alquimistas e Isaac Newton: mitos ...

Divagações sobre o Tempo II

Continuando a divagar sobre o Tempo e as formas como ele é vivido e sentido, fazendo uso da palavra dos poetas e dos seus sentimentos acerca do tempo...

Todos sabemos como o tempo pode ser difícil, o tempo feito espaço, um espaço que se apresenta como um tempo de angústia, de difícil aceitação, um tempo, uma data, uma era que ficará gravada na memória e na dor.

Assim Sophia caracterizava o seu tempo, esse tempo, no poema “Data”

Tempo de solidão e de incerteza

Tempo de medo e tempo de traição

Tempo de injustiça e de vileza

Tempo de negação

 

Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo que mata quem o denuncia

Tempo de escravidão

 

Tempo dos coniventes sem cadastro

Tempo de silêncio e de mordaça

Tempo onde o sangue não tem rastro

Tempo de ameaça

 

Sophia de Mello Breyner Andresen,  Livro Sexto

 

O tempora! O mores! Clamava Cícero no Senado Romano! Tempos difíceis aqueles, em que o orador via os valores da República a desmoronarem-se, via a República Romana ameaçada, via no Senado aqueles mesmos que o queriam destruir. E perguntava, como em muitos outros tempos também nós perguntamos:


Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?

Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?

 

E hoje diríamos também, quosque, pandemia, abutere patientia nostra?

Os tempos, os tempos que correm, os nossos tempos, tempos de mudança, tempos de incertezas, tempos de revoluções de todo o tipo.

E, saudosos de tempos passados, de anos mais promissores, exclamamos também “in illo tempore!” ... , recordando esses tempos, como fazia Trindade Coelho, recordando os seus tempos de estudante de Coimbra.

“Não tenho tempo para nada!... “ Que vida!” é outro lamento constante.

O filósofo romano, Séneca, contraria esta ideia de falta de tempo, afirmando que a correria para agarrar o tempo não pode fazer-nos felizes, a felicidade é outra coisa:

Eu tenho todo o vagar que quero, e, aliás, só não tem vagar quem não quer. Os afazeres não andam atrás de alguém: os homens é que se agarram aos afazeres, entendendo as suas ocupações como sinónimo de felicidade.” Cartas a Lucílio,  106, 1.


Então, saibamos aproveitar o tempo, não tendo saudades do tempo que passou, não deixando que nos roubem o nosso tempo, que é o tempo presente.

É ainda Sophia de Mello Breyner (2001) que escreve:

Quem me roubou o tempo que era um
                          quem me roubou o tempo que era meu

                          o tempo todo inteiro que sorria

                          onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro

                          e onde por si mesmo o poema se escrevia

Sophia de Mello Breyner Andresen, Setembro de 2001

O tempo... sentido de múltiplas formas, passado de variadas maneiras, mais simples, mais complicadas... como nesta quadra ao gosto popular, de Fernando Pessoa:

Quando é o tempo do trigo

É o tempo de trigar,

A verdade é um postigo

A que ninguém vem falar.

 

O tempo atmosférico...  O tempo cronológico ...  O tempo em que alguma coisa se passa ou se passou...  “Não tenho tempo”... diz o apressado . “Já tenho pouco tempo...”, diz o desiludido  ... “No meu tempo...”, diz o saudosista, que não se adapta ao presente...

Aproveita o tempo!  Carpe diem!

Já dizia Antifonte, poeta grego do século V a.C., que:

De tudo quanto gastamos, o mais caro é o tempo.


O que corresponde bem àquele
 provérbio português "A mais forte despesa que se pode fazer é a do tempo".

O tempo é caro porque não volta, caro porque não há dinheiro que o compre, caro porque quando passa não pode ser recuperado.

Por isso há que não desperdiçá-lo com coisas inúteis...

E, entretanto, o tempo vai passando... e dirão “ estou aqui a perder o meu tempo...” ou então vim
"perder o tempo e o latim".

Pois é Tempus fugit, lá dizia Virgílio, nas Geórgicas..., III, 284

                                                                  Sed fugit interea, fugit inreparabile tempus,

 

Séneca, numa das Cartas a Lucílio, comenta estes versos de Vergílio, dizendo que o poeta “sempre que alude à velocidade do tempo, emprega o verbo fugir!... “

 

E cita, das Geórgicas, III, 66-68:

O tempo melhor da vida dos míseros mortais

É o primeiro a fugir; surge logo a doença, a amarga

Velhice, o cansaço, e enfim arrebata-os da dura morte a crueldade.”

 

E o filósofo continua:

Porquê então hesitarmos em apressar o passo, e ver se conseguimos acompanhar a rapidíssima velocidade do tempo? O melhor passa voando, cedendo lugar ao pior.”

 

E prossegue com esta comparação:

Numa ânfora o líquido mais puro é o primeiro a extravasar, deixando para o fim as impurezas, mais densas; também na nossa vida os primeiros anos são os melhores. Iremos nós deixar que eles se dissipem em interesse alheio, guardando para nós próprios apenas as borras?

Cartas a Lucílio, 108, 24-26

E tempo é história, é vida vivida, é presente e memória do passado.

Tempus fugit é, também, o título de um livro do brasileiro Rubem Alves onde podemos ler:

"Sentia que o relógio chamava para o seu tempo, que era o tempo de todos aqueles fantasmas, o tempo da vida que passou… Tenho saudades dele. Por sua tranqüila honestidade, repetindo sempre, incansável, "tempus fugit". Ainda comprarei um outro que diga a mesma coisa. Relógio que não se pareça com este meu, no meu pulso, que marca a hora sem dizer nada, que não tem histórias para contar. Meu relógio só me diz uma coisa: o quanto eu devo correr para não me atrasar…

Mas o relógio não desiste. Continuará a nos chamar à sabedoria: "tempus fugit…"

Quem sabe que o tempo está fugindo descobre, subitamente, a beleza única do momento que nunca mais será…"

R. Alves, Tempus Fugit (na contracapa)

 

Falando com o tempo, um tempo sentido, um tempo vivido. O tempo é o relógio da vida e este relógio que lembra, a cada segundo, que a vida passa pode causar angústia.

Um escritor brasileiro, Mário Lago, refere-se, com graça a essa sua relação com o tempo:

“Eu fiz um acordo com o tempo...
Nem ele me persegue, nem eu fujo dele...
Qualquer dia a gente se encontra e,
dessa forma, vou vivendo 
intensamente cada momento...”


Bom, é melhor terminar este texto, porque "o tempo não é elástico", e não quero ocupar demasiado o tempo dos leitores.

No entanto...  não se esqueçam: aproveitem bem o tempo!

Isaltina Martins

 

Traduções citadas:

Séneca, Cartas a Lucílio (trad. de Segurado e Campos),  F.C.G., 

Horácio, Odes (trad. de Pedro Braga Falcão), Livros Cotovia.

domingo, 23 de janeiro de 2022

Divagações sobre o Tempo I

Vamos falar do tempo. 

Mas de que tempo?

Não da definição filosófica, procurada desde sempre, não da origem cosmológica do tempo, que, de acordo com Platão, nasceu quando os deuses estruturaram o Caos primitivo e deram uma ordem a todas as coisas.

Vamos falar do tempo comum, do tempo de todos os dias, da duração do tempo, do nosso tempo...

Pois não é do tempo que as pessoas falam, quando se encontram? “Está frio”, “Está calor”, “Já estamos no fim do mês”, “O tempo foge”...

O tempo... Essa “entidade” que nos consome, que passa a correr, que nós, por vezes, não sabemos aproveitar, que nos parece sempre curto...

O tempo da infância, o tempo da adolescência, o tempo da juventude, o tempo da vida activa, o tempo da reforma, o tempo do trabalho, o tempo do descanso!

E de infantes passamos a seniores, termo que agora entrou em moda, ainda que, quase sempre, mal pronunciado.

Dividindo o tempo da vida humana, inventou-se uma ordem, as três idades da vida, ainda que só ouçamos nomear assim a 3.ª.

Os romanos, os nossos mestres em quase tudo, tinham uma diferente divisão. Para eles o SENIOR era o mais velho, designação dada ao homem entre os 46 e os 60 anos. Porque, dos 60 aos 80 era o SENEX, o idoso, o ancião e, a partir dos 80 era já um homem de “provecta idade” aetate provectus (quer dizer avançado na idade).

Para a mulher a designação era diferente, estava relacionada com a sua missão na família.

O tempo!

Mas "Tempo perdido não se recupera" — diz o provérbio.

Que tempo este! Que tempos! Ouvimos dizer muitas vezes, lamentando as mudanças constantes, clamando que se perderam valores, que tudo está diferente, que tudo muda para pior.

"Novos tempos, novos costumes" — afirma o ditado, e já Camões se lamentava, também:


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança:

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

 

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança:

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem (se algum houve) as saudades.

 

O tempo cobre o chão de verde manto,

Que já coberto foi de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto.

 

E afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mor espanto,

Que não se muda já como soía.

É a natureza que se renova, o Inverno dá lugar à Primavera, onde antes havia neve, surgem as flores e a verdura. Mas, para este poeta desanimado, a vida muda em sentido inverso, a mudança do tempo não traz aquilo que se espera, a alegria converte-se em tristeza, as mudanças já não se fazem do mesmo modo. É a passagem do tempo, é a passagem da vida.

Fernando Pessoa  — Ricardo Reis, imitando o poeta latino Horácio, fala, numa atitude epicurista, de um tempo presente que deve ser vivido sem pensar em mais nada. Aquele que põe os olhos no futuro nada vê, pois o futuro não existe ainda.  E se, neste fluir do tempo, caminhamos inexoravelmente para o fim, então aproveitemos o presente, o momento, a hora fugitiva:

Uns, com os olhos postos no passado,

Vêem o que não vêem; outros, fitos

Os mesmos olhos no futuro, vêem

O que não pode ver-se.

 

Porque tão longe ir pôr o que está perto —

A segurança nossa? Este é o dia,

Esta é a hora, este o momento, isto

É quem somos, e é tudo.

 

Perene flui a interminável hora

Que nos confessa nulos.  No mesmo hausto

Em que vivemos, morreremos. Colhe

O dia, porque és ele.

                                                                        Ricardo Reis

Colhe o dia — carpe diem...

É numa Ode de Horácio que esse conceito aparece:

                                                  Dum loquimur, fugerit invida

aetas:  carpe diem, quam minimum credula postero.

 

                        Enquanto falamos, já invejoso terá fugido o tempo;

colhe o dia, confiando o menos possível no amanhã.

Horácio, Odes, I, 11

Carpe diem!

Mas, será que sabemos fruir o tempo, o tempo que temos, o tempo que passamos uns com os outros, o tempo em que descansamos, o tempo em que passeamos?...

O mesmo Fernando Pessoa dizia, através de Alberto Caeiro, o poeta da natureza:

O tempo passa,

Não nos diz nada.

Envelhecemos. 

Saibamos, quase maliciosos,

Sentir-nos ir,

Tendo as crianças

Por nossas mestras

E os olhos cheios

De natureza...

 

Aproveitar o presente, o momento que passa, com a inocência da criança, fruindo  as coisas simples, sabendo que envelhecemos, mas tendo a sabedoria de nos sentirmos sempre crianças, apreciando a natureza, deixando o tempo passar...

É o mesmo Caeiro que rejeita a ideia de tempo pois quer viver VENDO, ele para quem o sentido da Visão era o mais importante; ver apenas as coisas e vivê-las, assim, sem tempo...

Vive, dizes, no presente;

Vive só no presente.

 

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;

Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?

É uma coisa relativa ao passado e ao futuro.

É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem.

Eu quero só a realidade, as coisas sem presente.

 

Não quero incluir o tempo no meu esquema.

Não quero pensar nas coisas como presentes; quero pensar nelas como coisas.

Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

 

Eu nem por reais as devia tratar.

Eu não as devia tratar por nada.

 

Eu devia vê-las, apenas vê-las;

Vê-las até não poder pensar nelas,

Vê-las sem tempo, nem espaço,

Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.

É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.

 

Como é difícil, por vezes, viver a poesia do tempo!

Saibamos, nestes tempos difíceis que atravessamos, viver o tempo presente, usufruir de cada dia sem azedume, procurando sempre o lado mais positivo da vida.

Isaltina Martins

35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"

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