Poema de Eugénio Lisboa:
Pode ser que seja Abril
o mais cruel dos meses,
como disse um poeta
mal afinado com a
natureza.
Seja como for, a ideia
ficou
e vai durando, embora
falsa.
Abril é um mês
qualquer,
embora se diga que em
Abril chove muito.
Mas Abril não é mais
cruel
do que qualquer outro
mês.
Cruel, sim, atroz, é o
verão,
com o seu sol ardente e
mortífero,
que acende a luz
pavorosa
da nossa lucidez.
A luz do verão ilumina
sem piedade
as zonas obscuras e ameaçadoras
da nossa condição,
torna clara e quase
obscena
a dura realidade da
vida.
O verão não mente,
ilumina.
O verão não esconde,
mostra.
O verão acena promessas
enganadoras,
visto que a sua luz,
iluminando a realidade,
nos ofusca também para
ela.
Há gente demais, no
verão,
gente horrorosamente
feia, repugnante,
mal vestida de
propósito.
O verão é enviesado,
traiçoeiro,
mas não exactamente
mentiroso.
As ilusões que o verão
oferece são suicidas.
Foi no verão – nunca o
esqueci! – que o amor de Mítia
o levou a pôr fim à
vida: a luz cruel do verão
tornou atrozmente claro
que não havia saída
para o seu desespero,
no romance de Bunine,
que eu li, adolescente,
e nunca esqueci.
O amor intenso e não
correspondido de Mítia,
cuja não solução a luz
crua de verão tão bem esclareceu,
resumiu, em medalha
assassina,
tanto amor desperdiçado
que o sol de verão
escancaradamente
desvela, para nossa mortal tortura.
O verão é o mais cruel
dos assassinos,
porque anuncia, muito
evidentes, mundos deslumbrantes
que não existem,
ou que, existindo, não
poderemos alcançar.
O sol violento de verão
acende em nós uma lucidez,
que não é boa, porque
nos deprime e nos mata.
O verão é um logro
perigoso.
Este sol intenso solta,
em nós, demónios que não dominamos.
O verão, mesmo não
mentindo,
mente com quantos
dentes tem na boca.
O verão mata tanto,
como qualquer guerra ou
surto de peste.
No verão, morre-se à
míngua de excesso
(a propósito, o Mário
de Sá-Carneiro morreu em Abril,
porque não tinha
dinheiro para chegar até Junho,
caso contrário,
morreria no verão,
à míngua de excesso,
como tão bem profetizara).
O verão é,
apocalipticamente,
aquele vírus terminal,
para que não há vacina.
Quando se nos abrem as
portas do verão,
deparamos com um grande
aviso, em letras descomunais:
LASCIATE OGNI SPERANZA,
VOI CH’ENTRATE.
Eugénio Lisboa
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