Meu artigo no último número do JL:
Luís Miguel Bernardo é Professor de Física da
Universidade do Porto, que se aposentou ao fim de uma longa carreira com foco
na Óptica. Nos últimos tempos, tem-se dedicado ao estudo da história da ciência em Portugal.
Foi director do Museu da Ciência da Universidade do Porto de 2004 a 2015, tendo
preparado dois catálogos de exposições: Dois séculos – Instrumentos científicos da Universidade
do Porto, em 2011, e 250 anos da
criação da Aula Náutica do Porto, em 2012 e 2021. Além disso, é autor de
cinco ensaios de história da ciência. Começou com a monumental História das Luz e das Cores, saída na
editora da Universidade do Porto (2005-2010), que é uma extraordinária história
cultural da luz em três volumes; continuou com Cultura Cientifica em Portugal. Uma perspectiva histórica, na mesma
editora (2013), Visão, Olhos e Crenças
(na colecção “Ciência Aberta” da Gradiva, 2018), e Luz, Vida e Saúde, na Imprensa da Universidade de Coimbra (2020); e
publicou agora Sobre as Causas do Atraso
Científico em Portugal. Uma digressão histórica, na editora UMinho, da
Universidade do Minho. Esta última obra, de 662 páginas, está disponível on-line em PDF no sítio da editora: https://ebooks.uminho.pt/index.php/uminho/catalog/book/28
. Lembro que a Universidade do Minho foi pioneira entre nós nessa área ao ter
iniciado no início deste século, sob o impulso de Eloy Rodrigues, um
repositório institucional.
O autor, sempre preocupado com o rigor histórico
e científico, como atestam as numerosas notas de pé de página recheadas de bibliografia, tem uma escrita
límpida. É enorme o conhecimento que tem das fontes primárias e secundárias,
que lhe permitem abundantes, oportunas e fiéis citações. Depreende-se que
frequenta alfarrabistas, livrarias e bibliotecas.
O tema do atraso nacional é antigo: já no século
XIX, mais precisamente em 1871, Antero
de Quental falava, numa Conferência do Casino que ficou famosa, das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares
(veja-se a edição da Artes e Letras, de 2017, com prefácio de Onésimo Teotónio
Almeida). O autor olha para o tema do ponto de vista da história da ciência. No
primeiro capitulo, “A Ciência Portuguesa”, apresenta em 124 páginas um resumo da
história da ciência em Portugal (são escassos esses resumos: escrevi História da Ciência em Portugal,
Arranha-Céus, 2.ª edição revista, 2014, porque não encontrei nada do género).
Nos dois capítulos seguintes discorre sobre as causas do atraso, endógenas e
exógenas. Recusa as causas endógenas, por exemplo “factores raciais, genéticos,
futurarias e temperamentais” ou a “tendência para o amor romântico ou para a poesia”.
Nas causas exógenas, mais plausíveis, reflecte sobre “política, poder, liberdade,
religião e seus agentes”, alongando-se sobre o papel da Inquisição. Nos três capítulos seguintes, disseca as
causas económicas (77 páginas), onde analisa a situação do país após a Segunda
Guerra Mundial, quando se tornou óbvio o papel da ciência no mundo; as causas
ligadas ao sistema educativo (149 páginas), referindo as questões da
alfabetização; e as causas relativas à organização do sistema científico (83
páginas), onde trata das instituições científicas como a Academia das Ciências
de Lisboa. No capítulo final, deixa a seguinte conclusão: “É necessário termos
nos governos de Portugal compatriotas competentes, com o saber e a prudência
dos nossos mais ilustres avoengos, para que a nossa nação siga na senda do
progresso científico que nunca nos foi negado por qualquer estranho
condicionalismo endógeno ou exógeno, mas sim pela ausência de vontade e de
orientação politica.” Não podia estar mais de acordo. As circunstâncias
históricas e culturais podem ser contrariadas pela determinação política, como
pudemos ver recentemente no período em que o físico José Mariano Gago foi
ministro, aos quais se seguiu um tempo de
apagamento da ciência.
Apesar de o “atraso português” já ter sido
tratado por vários outros autores, sob vários prismas (lembro-me, por exemplo,
de um livrinho de Miguel Soares de Albergaria, Condições do Atraso do Povo Português nos Últimos Dois Séculos,
Palimpsesto, 2012), Luís Miguel Bernardo tem o mérito de observar o problema
usando o prisma da ciência, numa perspectiva histórica. Facto é que, após o
período da expansão marítima, nos séculos XV e XVI, a nossa ciência sempre foi
sempre mais receptora do que emissora.
Isto é, em Portugal sempre se ensinou ciência, mas raramente ela foi
criada com saliência internacional.
Depreende-se, até pela extensão do número de
páginas do respectivo capítulo, que o nosso principal défice foi, ao longo dos
tempos, o educativo. De facto, a alfabetização, que noutros sítios da Europa
chegou com a Reforma protestante, em Portugal tardou demasiado. No século XIX, a
Revolução Industrial crescia exponencialmente na Europa e na América, mas entre
nós era incipiente, o que se reflectia na fraca escolarização da população. Os
sucessivos poderes políticos não foram capazes de romper com essa situação de
uma forma decidida: nem a monarquia constitucional, nem a Primeira República
(com boas intenções, mas que só demorou 16 anos), nem o Estado Novo. O regime democrático
em que vivemos hoje conseguiu notáveis progressos nessa área, mas as nossas
estatísticas de escolarização da população ainda continuam muito más quando
comparadas com as europeias. Sem escola para todos – e uma escola qualificada
nos seus vários níveis – não podemos ter ciência na medida suficiente para que
possamos competir internacionalmente num patamar elevado. E também não podemos
ter ciência avançada sem suficiente investimento. O actual governo fala muito
de ciência, mas o facto é que só gasta 1,4 por cento do Produto Interno Bruto
em Investigação e Desenvolvimento, muito abaixo dos 2,1 por cento da média
europeia. A baixíssima percentagem de aprovação em concurso de projectos da
Fundação para a Ciência e Tecnologia reflecte o estado de debilidade em que a
ciência portuguesa hoje.
O tema do “atraso português” está longe de ficar
esgotado com esta última contribuição. Oxalá a esta obra se sigam outras sobre
o mesmo tema, porque os livros, para usar uma metáfora de Newton, sobem “aos
ombros uns dos outros”.
1 comentário:
A Economia é que manda.
Sem as margens férteis do Nilo, não haveria pirâmides do Egito. Sem a pimenta da India, não teríamos o Mosteiro dos Jerónimos. Muitas vezes as pessoas esquecem que os portugueses, e os seus navios, fizeram parte da Armada Invencível que foi derrotada pelos ingleses e holandeses em 1588. Desde então, os ladrões protestantes aproveitaram para nos roubarem tudo que puderam, fazendo de Portugal pouco mais do que um protetorado economicamente inviável, até hoje.
Sem economia, a ciência não medra. Atualmente, os "cientistas da educação" defendem que nas escolas portuguesas não se deve ensinar ciência porque é uma matéria difícil de aprender, o que poderia dificultar a vida de todos os pobrezinhos, que têm tanto direito, como os ricos, de um dia chegarem a doutores!
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