Pouca gente saberá quem é Mariya Gabriel. Búlgara, 42 anos, formada em Ciências Políticas, é a comissária europeia para Inovação, Investigação, Cultura, Educação e Juventude que sucedeu, em 2019, ao português Carlos Moedas, ambos conservadores. Se Moedas conduziu o Horizonte 2020, o programa de ciência, desenvolvimento e inovação da Europa de 2014 a 2020, Gabriel tem a seu cargo o Horizonte Europa, para 2021-2027, que orça em 95,5 mil milhões, um aumento de 24% relativamente ao programa anterior.
O Horizonte Europa assenta
em três pilares: o primeiro, “Ciência Excelente”, no valor 25 mil milhões de
euros, visa promover a qualidade da investigação, designadamente através das
bolsas do European Research Council, das acções Marie Curie, e de algumas
infraestruturas. O segundo, “Desafios globais e Competitividade industrial
Europeia”, no valor de 54 mil milhões de euros, foca seis clusters (Saúde;
Cultura, Criatividade e Sociedades Inclusivas; Segurança Civil e Sociedade;
Digital, Indústria e Espaço; Clima, Energia e Mobilidade; e Alimentação,
Bioeconomia, Recursos Naturais, Agricultura e Ambiente) e financia o Joint Research Center. E o
terceiro, “Europa Inovadora”, no valor de 17 mil milhões de euros, quer
fomentar a inovação, ao criar o European
Innovation Council. A estes pilares soma-se
outro, horizontal, Widening,
que visa fortalecer a investigação e a inovação nos países mais atrasados, como
Portugal. Se as referidas bolsas e acções vinham de trás, beneficiando a
investigação fundamental, os clusters vêm substituir programas-bandeira anteriores,
ao passo que a ênfase na inovação pretende reforçar a economia europeia. Entre
as novidades estão também a expansão da “ciência aberta”, isto é, do livre acesso
aos resultados da investigação, e a intensificação das colaborações
internacionais. Pretende-se, enfim, fortalecer o Espaço Europeu de Investigação,
o ”mercado comum” da investigação e desenvolvimento (I&D) lançado em 2000.
De facto, a Europa foi a pátria
da ciência. Foi aí que, nos séculos XVI e XVII, se deu a Revolução Científica,
associada a nomes como o italiano Galileu Galilei, o alemão Johannes Kepler, o
francês René Descartes e o inglês Isaac Newton. A Europa foi também a pátria,
nos séculos XVIII e XIX, da Revolução Industrial, que mudou radicalmente a
economia. Mas foram os Estados Unidos, que, no pós-guerra, tomaram, com base na
ciência, a liderança económica do mundo. Apesar dos seus louváveis esforços, a
Europa está atrás dos Estados Unidos no ranking de investimento em I&D,
e viu-se ultrapassada pela China, que tem usado a ciência como meio de afirmação
na geopolítica global. A Europa ainda é uma potência científica, pois, tendo 6
por cento da população mundial, realiza 17% da investigação mundial e tem 25%
dos artigos nas revistas mais relevantes. Mas o sector privado europeu investiu,
em 2019, apenas 1,5% do PIB em I&D quando, nos Estados Unidos, esse investimento
foi de 2,1%, no Japão de 2,6% e na Coreia do Sul de 3,8%. Na China, o sector
privado, em grande boom, já vai em 1,7%. Se é certo que a ciência está a crescer na
Europa, não é menos verdade que, noutras geografias, o crescimento é maior.
O investimento em I&D na
Europa é muito desigual. O referido valor médio da despesa privada em I&D, despesa
que costuma superar a pública, é conseguido à custa de poucos países na Europa
Central e do Norte: a Suécia investe 2,4% do PIB, a Alemanha e a Áustria 2,2%, a
Bélgica 2,0%, a Dinamarca 1,9%, a Finlândia 1,8% e a Eslovénia 1,5%. Todos os
outros países ficam abaixo da média europeia, incluindo Portugal onde o
investimento privado não passa de 0,7%. Se olharmos para o investimento total,
privado e público, a Suécia lidera com 3,4%, seguida pela Alemanha e pela
Áustria (as duas com 3,2%), pela Dinamarca (3%) e pela Bélgica (2,9%). A média
europeia de investimento em I&D é de 2,2% do PIB. Em Portugal não passa de
1,4%.
A Europa pretende chegar na 2030
a um investimento em I&D de 3% do PIB. Mas esta meta já foi estabelecida,
em 2000, para 2010 e falhou. A Estratégia de Lisboa, no início do século,
pretendia tornar a economia europeia a “economia baseada no conhecimento mais
competitiva e dinâmica do mundo”. Havia
mais olhos do que barriga… Um factor do fracasso foi o défice de unidade política.
A pandemia que chegou à Europa no início de 2020 tornou patentes as manifestas insuficiências
da União. Cada um ficou por sua conta na resposta inicial ao vírus, que podia e
devia ter sido coordenada, concentrando meios nos locais dos primeiros surtos. Um
plano comum de recuperação e resiliência só foi conseguido ao fim de uma
prolongada maratona, faltando ainda saber como vai ser executado e que
resultados vai ter nos vários países. Na União Europeia ainda há muita desunião…
Em Setembro próximo vai haver
eleições para o Bundestag, que permitirão designar um novo chanceler
alemão. E, em Abril de 2022, serão as eleições presidenciais em França. O
futuro da União Europeia vai obviamente depender das lideranças nos seus dois maiores
países. Mas o Horizonte Europa deve estar a salvo: a ciência tem sido
uma prioridade consensualizada pelos países membros, independentemente da sua
cor política. Em Portugal, infelizmente, a I&D tem tido altos e baixos,
mesmo em governos da mesma cor. Precisamos de crescer mais, muito mais, para
alinhar com a Europa. Porque não seguimos o exemplo europeu e criamos um plano estruturado
a longo prazo?
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