sexta-feira, 26 de junho de 2020

A Melhor Geração de Alunos de Sempre?

Acabo de ler no “Público” (25/06/2020) um artigo de opinião, intitulado “Professor no preço certo: a ascensão da insignificância do professor”, da autoria do professor e crítico literário António Carlos Cortez. Dele transcrevo uns tantos excertos. Assim:

(…) “O Preço Certo, espécie de coroa de louros para docentes das mais diversas disciplinas e que, neste tempo de pandemia ’salvaram’ a educação dando aulas em regime de telensino”.

(…) Há uns dias atrás, antecedendo a lição do presidente Marcelo, uma professora de Português, confessava ao Presidente-professor que para preparar as suas aulas tinha pesquisado muito no Google. A propósito, foi feita, pelo autor do referido artigo, a pergunta: Esta a concepção de estudo e de investigação que muitos têm?”

(…)”A educação é das áreas transformadas em entretenimento, o professor visto como um técnico, um profissional da educação cumpridor ordeiro de ideologia oca”.

(…) “Os alunos que agora se diz que são a melhor geração de sempre”.

Para que o leitor possa encontrar pontos coincidentes com o meu artigo publicado neste blogue, intitulado “O estado calamitoso do ensino básico nacional”, passados que são dois anos, transcrevo-o integralmente:

“Por estes dias, foi publicado o relatório sobre as provas de aferição dos alunos do ensino básico levando-me a revisitar a crítica de Platão que, confrontado com a incapacidade das crianças contarem ou distinguirem os números pares dos ímpares manifestou o seu muito e amargo desalento: ‘Quanto a mim, parecemo-nos mais com porcos do que com Homens, e sinto-me envergonhado não só de mim, mas de todos os gregos’.

Perante este “status quo”, haja a esperança de reformas de fundo no âmbito da Educação, nunca simples carmim que se espalha na face de uma moça anémica para ela parecer uma mocetona cheia de saúde, que nos esconde um ensino como simples meio de passagem de diplomas de ignorância.

De uma notícia do ”Público” extraio este outro exemplo referente à prova de Português de alunos 8.º ano de escolaridade em que 66.5 % tiveram dificuldade, ou de todo não conseguiram, responder a perguntas que visavam avaliar o seu domínio da escrita o mesmo acontecendo em relação à gramática com 70.3 % de alunos.

Tempos volvidos, do “Público”(05/08/2011) respigo a notícia da reedição francesa do livro ‘Amor de Perdição’, editado em França há uma dezena de anos e difícil de encontrar nas livrarias.

Em contrapartida, em ódio de perdição, foi expurgada a prosa camiliana, ‘personificação do génio português’ (Maria Amália Vaz de Carvalho) dos programas escolares do ensino secundário, em verdadeiro atentado à Literatura deste país, e não só!

Tenho por conveniente que se pondere que esta irresponsabilidade se podia ter transformado numa centelha do romance de Ray Bradbury, ‘Fahrenheit 451’, em que os livros eram incendiados por bombeiros de um país totalitário.

Não estou, de todo em todo, em querer ver na proscrição das obras de Camilo um sistema educativo de um país totalitário, apenas a pretender dizer que a ignorância oficializada é, também ela, uma ditadura por roubar ao aluno o prazer cultural dos livros deste notabilíssimo autor, e, em hipotético contágio, dificultando ao estudante espanhol a leitura de Cervantes, sonegar ao escolar francês o deleite da visitação ao Museu de Louvre e impedir ao cidadão alemão a audição da orquestra Sinfónica de Berlim.

Talvez por isso, a maioria dos nossos jovens, mesmo estudantes universitários, compra e lê obsessivamente jornais desportivos sem se dar ao trabalho de se debruçar sobre obras de referência literária ou científica para os seus trabalhos escolares limitando-se a consultar a wikipédia como quem consulta um dicionário de algibeira em vez de recorrer a um dicionário da Academia de Ciências de Lisboa, por exemplo”.

Findas as citações aqui por mim deixadas, acrescento, agora, qual cereja podre em cima de bolo azedo, estoutra de se ter chegado a ponto do Partido Socialista, através do ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues, ter aventado acabar com as retenções (na gíria académica, chumbos!) no ensino básico.

Só uma réstia de bom senso evitou que a Assembleia da República servisse de pia baptismal a tamanho aborto. Valeu-nos isso!

4 comentários:

João Alves disse...

O google permite o acesso a grandes obras de referência, entretanto digitalizadas, bem como a toda a informação mais recente da Academia. É uma biblioteca impressionante. Eu ouvi a orquestra Sinfónica de Berlim e não recomendo (embora a tenha ouvido na Filarmonia de Berlim), desafinações e entradas fora do tempo a mais para o meu gosto. Já a orquestra Filarmónica de Berlim é de outro nível, e essa ouvi-a em Lisboa.

Rui Baptista disse...

A sua informação sobre a Orquestra Filarmónica de Berlim é de grande interesse para os melómanos. Quanto ao google, por não haver bela sem se não, encontro-lhe o perigo de tornar o aluno preguiçoso. Com um certo exagero, com escrevi em tempos, há o perigo, que tenho, de certa forma, exagerado, de ao ser perguntado a um aluno quem foi o 1.º Rei de Portugal ele nos responder: "Um momento, vou ver ao google". Eu nos meus 89 anos de idade, pertenço a uma geração que não encontra o mesmo prazer em consultar o google que encontra no manusear das páginas dos livros. E aqui está um assunto que nos pode levar a ter uma certa divergência, mas mão antagonismo por teimosia.

João Alves disse...

Não há qualquer antagonismo. Também eu prefiro os livros. Mas o google hoje permite aceder a documentos para quem faz investigação que de outra forma seria impossível sem ter de viajar. No google eu posso ler todo os registos do levantamento que o Marquês de Pombal mandou fazer aos párocos após o terramoto. Sem sair de casa posso ler a Geographia Antiga da Lusytania publicada em Alcobaça em 1597. Posso ler no conforto de casa a História de S. Domingos, escrita em português e que a universidade de Toronto fez o favor de digitalizar. Frequentar uma biblioteca obriga-me a saber de antemão o que quero consultar. Um motor de busca dá-me uma panóplia enorme e acabo por encontrar obras que não sabia da sua existência. Era isto que queria dizer. Um motor de busca não nos torna preguiçosos. O único perigo é inundar-nos de informação. Isso obriga-nos a saber distinguir do que presta e do que não presta. Esse é o calcanhar de Aquiles. Não a preguiça. E também posso ler o meu querido Camilo, obras que não estão já publicadas e, por isso, de difícil aquisição. Para quem vive longe de uma boa biblioteca é possível, com o google, fazer um doutoramento, lendo as mesmas obras de uma biblioteca universitária, e ler outras que não estão na biblioteca da universidade perto de casa. Quanto ao prazer de folhear um livro, pois, o google não tem.

Rui Baptista disse...

"Touché", palavra utilizada na esgrima para acusar toques de florete! Claro que concordo consigo ademais por ser uma espécie de náufrago prestes a afogar-se por falta da boia de conhecimento do mundo actual e imenso internético. Obrigado pelo seu oportuno esclarecimento.

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