terça-feira, 2 de junho de 2020

Esta profunda divisão na universidade

São várias as razões que vemos dividir a universidade: o rumo que uns lhe apontam não é o mesmo que outros lhe apontam. Nada de novo até aqui: a discordância faz parte da sua essência; novo é advogar-se o seu retraimento ou desaparecimento como lugar físico e, consequentemente, como lugar social. 

Acontece que é nesse lugar físico-social, de encontro – onde, é certo, como em todos os outros lugares de encontro, se revelam as grandezas e baixezas do humano –, que o conhecimento se transmite e se constrói, tendo por referência os princípios éticos que lhe conferem legitimidade. 

Aceitando ser essa a razão de existir da Universidade, estou, por inteiro, com aqueles que têm demonstrado grande preocupação face à mudança no ensino e em alguma investigação, de um modelo presencial para um modelo online, ou misto. Mudança que, note-se, é veiculada, formalmente e com entusiasmo, pelos mais altos representantes de universidades.

Esses representantes não têm apresentado a mudança como temporária e (talvez) como o único recurso possível num momento crítico de doença pandémica, como aquele que vivemos, em que a reunião de pessoas é vedada ou desaconselhável; apresentam-na como desejável e, é claro, sem alternativa. Reafirmam que sem essa mudança não existe futuro para a universidade, mas com ela o futuro será muitíssimo prometedor.

Tal é o discurso que surge na comunicação social, apurado em diversas fontes, entre as quais estão as que fundamentam as abundantes notícias surgidas nos últimos dias sobre a decisão, primeiro, da Universidade de Cambridge e, depois, da Universidade de Manchester de não retomarem o ensino presencial no próximo ano lectivo, ainda que admitindo reuniões em pequenos grupos (ver, por exemplo, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

Entendo que esta divisão é mais profunda do que outras e não é pontual. Encontra-se generalizada e estando bem presente em Espanha e em Portugal (seguem-se textos neste blogue sobre o assunto). A menos que os próprios professores e estudantes tomem consciência dela e adoptem uma posição em defesa da "tradição universitária" (ver o final do texto que se encontra aqui), dará lugar a algo que poderá ser tudo menos o que conhecemos como universidade.

5 comentários:

Anónimo disse...

O rumo da decadência universitária, que se vai agravando a cada dia que passa perante os nossos olhos, só poderá ser invertido com a aplicação de mais uma reforma no ensino que, adote como primeiro objetivo a extensão da escolaridade obrigatória até à Universidade.
O ensino secundário de excelência que já temos, com alunos do profissional, que mal sabem ler, a aprenderem os números quânticos, é o indicador mais fiável de que nunca estivemos todos tão bem preparados para sermos todos doutores! Já só falta o decreto do Tiago para que entre em vigor a Universidade obrigatória.
Noutros tempos, Eça de Queirós frequentou a Universidade e foi um grande escritor; nos nossos dias, José Saramago cultivou-se na universidade da vida e ganhou o Prémio Nobel da Literatura.
Com mais ou menos formalismos, já somos todos universitários. Com os canudos obrigatórios, estaremos todos dentro da lei!

Pensar superior disse...

O que se pode dizer da universidade?

Com as devidas adequações:
https://www.youtube.com/watch?v=y7nZA7_jC9M

Pancinha disse...

Há tanta gente com pedras no sapato, que me admira que consigam andar, ou mesmo dar um passinho que seja.
Deve ser, por isso, dada a sua imobilidade, que querem obrigar os outros a ficarem parados como eles.
Concordo que, há uns quarenta anos atrás, era relativamente simples Saber o que era preciso, quais as Matérias, o que facilitava mui as Avaliações.
Só que os Tempos, as Necessidades, os Empregos mudaram, obrigando a novos Saberes.
Não é que Eça e Saramago não sejam grandes Escritores, mas cada um o é à sua maneira e com o seu conhecimento de Vida, como também o é António Aleixo.
Já agora, se a Comissão do Prémio Nobel, por muita politiquice internacional que tenha, dá prémios a quem não sabe escrever, por que é que as doutas cabeças nacionais não criam o Prémio Pastel de Nata, para só premiarem a nata da nata da nata, relegando os Nobeis para caixote do lixo da História?!

Rui Ferreira disse...

Caro Pancinha, permita-me, para aprendizagem minha, que lhe faça as seguintes questões:
1. Relativamente há uns 40 anos atrás, o argumento de os tempos e as necessidades serem outras é um não argumento porque o tempo não pára, sempre foi assim e sempre assim será, ou não?
2. Sim os empregos mudaram, alguns, outros mantêm-se há séculos e, por isso mesmo, também mudaram currículos e cursos, para além de que a universidade deve integrar não apenas o ensino de competências funcionais e úteis, devendo também contemplar a humanidade e o próprio inútil, a exemplo, a cultura;
3. A que novos saberes se refere?
Obrigado.

Pancinha disse...

Falta de qualidade de argumentação a minha.
Quis só fazer notar que "antigamente" (valha isso o que valer) seria (aparentemente, concordo) mais definir o que seria essencial Saber.
Só que, como diz, os Tempos evoluem e mudam.
Uma dessas mudanças, foi a massificação do Ensino apressada, para recuperamos dum marasmo de 50 anos, em simultâneo Mundo cujo modelo (político, económico, etc) se desconjuntou e fragmentou.
Por um lado, o orgulho de muitos em recitar apeadeiros (que já não existem...) de linhas férreas (que talvez ainda existem ..), do exame da 4ª classe, por outro, o aumento avassalador das capacidades dos Computadores e do conhecimento, o facto da Escola do 1º ano ao 12º ser cada vez mais o sitio onde se deixa as crianças resguardadas dos "perigos da rua" enquanto se ganha dinheiro, etc.
A isso, a Universidade limitou-se a "receber o que lhe chegava para Alunos", como se esses Alunos fossem os materiais arrojados às costas ao sabor das marés, carpindo e lamentando "O rumo da decadência universitária...", clamando que "Noutros tempos, Eça de Queirós frequentou a Universidade e foi um grande escritor ; nos nossos dias, José Saramago cultivou-se na universidade da vida e ganhou o Prémio Nobel da Literatura", (já agora, Camões também não), e dizendo "o próprio inútil, a exemplo, a cultura" ignorando que Churchill, em pleno esforço de guerra, manteve as verbas para a Cultura porque era isso "que os distinguia da barbáride".
E, com isso, escarnece do esforço que muitos alunos, que a Universidade formou, que dão aulas do 1º ao 12º, contra ventos e marés, famílias disfuncionais, fracas condições sócio-económicas, muito pouca apetência para a Cultura (para lá do Futubulês, Tele-novelo e afins) num mercado de trabalho que se está nas tintas, para não dizer desconfiando, dos títulos académicos.
Por isso, acho a Universidade devia ganhar um novo Saber, que é saber como chegou a este ponto, e donde se ausentou para estarmos como estamos.