“Este tipo de ensino revela e acentua claramente as
desigualdades económicas e sociais dos
alunos.”
“Estou preocupada com a privacidade dos meus dados pessoais
e com a minha privacidade
enquanto professora.”
“O ME deu abertura para que o negócio das editoras
se apropriasse dos emails dos alunos.”
Extractos de respostas de professores portugueses ao questionário da FENPROF
Foram divulgados os resultados de um estudo promovido pela Federação Nacional dos Professores (FENPROF) cujo objectivo era conhecer a opinião dos docentes sobre o trabalho que têm realizado online, simpaticamente represetado por E@D (ver aqui e aqui). Li os documentos disponibilizados e, centrando-me nas respostas abertas transcritas, destaco as preocupações reveladas, que se me afiguram mais salientes (sem a preocupação de uma análise de conteúdo devidamente validada).
Preocupações para com a profissão:1. Falta de identificação com a modalidade de trabalho (que não se pode chamar ensino) a que estão a ser obrigados;2. O sentimento de experimentação subjacente a essa modalidade e também de isolamento, fazendo o que podem, mas com a consciência de estarem muito afastados do que é desejável;3. A sobrecarga de tarefas (muitas delas burocráticas, técnicas e tecnológicas) e as infindáveis horas de trabalho que redundam num enorme cansaço;4. Ao escrutínio imediato e directo feito pelas famílias do trabalho docente, interferindo nele, desvalorizando-o...
Preocupações para consigo:1. Uso dos seus equipamentos, da sua casa, dando a tutela a entender que têm obrigação de converter o seu espaço privado em espaço público, que pode ser invadido a qualquer momento;2. Segurança quanto à sua saúde física, o risco de contrair a doença é elevado;3. Os seus dados pessoais ficarem na internet, a sua privacidade ficar comprometida...
Preocupações para com os alunos:1. Manter-se o ano lectivo a funcionar para que funcione, mas, na verdade, não se adiantar significativamente a aprendizagem;2. As tecnologias usadas de rompante geram novas desigualdade, entre os que têm um ambiente caseiro adequado para estudar e tecnologias disponíveis e os que não têm;3. Não ser possível atender-se às especificidades de cada turma, de cada aluno;4. Disponibilizarem-se dados pessoais (que serão bem aproveitados pelo "negócio da educação"), à sua privacidade...
Estes (e outros) resultados geram, naturalmente, grande apreensão (bastaria um deles para que siso acontecesse), mas vejo que é, sobretudo, uma apreensão decorrente dos acontecimentos, por referência (e reacção) ao contexto, ao país e ao Ministério. Infiro que poucos foram os professores (até porque o questionário não se prestava a isso) que tiveram por referência um horizonte mais abrangente. Na verdade, vêem-se ligeiramente afloradas questões como:
- O que é que tudo isto significa na transformação da educação escolar? Para onde caminhamos? Ou onde estamos já e ainda não percebemos exactamente?- Que papel têm os Governos no futuro da educação escolar? Em que mãos está ela, de facto?- A quem beneficiam as mudanças que a doença precipitou? Aqueles a quem deve beneficiar ou aqueles que tiram benefícios dela?- Feito um balanço, tem valido a pena o enorme esforço dos professores (e de alguns alunos e pais), os atropelos a valores fundamentais... em nome da escolarização?
A FENPROF defende as condições laborais dos professores portugueses sindicalizados, logo, é compreensível que ponha aí a tónica, mas acontece que a mudança radical do trabalho docente não se restringe a um país: há uma agenda global que tem vindo a consolidar-se, conseguindo agora, com a doença, o pretexto de que precisava para se afirmar irreversível.
É nisso que os professores, pelo menos aqueles que têm consciência do seu dever de ensinar, precisam de se concentrar, unindo-se no sentido de manter, tal como se diz na lei, a sua "nobre tarefa" num contexto relacional adequado à aprendizagem. Todos o ventos são contrários (e alguns são soprados por professores) mas, num momento tão crítico como o que passamos, é preciso encontrar o discernimento inerente à profissionalidade e agir de acordo com ela.
1 comentário:
Os professores ergueram a escola (essa relação que se estabelece entre professor e aluno), após o confinamento, com os seus próprios computadores pessoais (não foi o Ministério da Educação que os forneceu), com o seu software, cujas licenças têm de pagar – onde se incluem antivírus, Office, browsers, etc., - com o seu acesso à rede, através de operadoras de telecomunicações, às quais têm de pagar, com a sua electricidade, a qual têm de pagar, com o desgaste do seu computador, o qual têm de pagar, com horas extraordinárias que não lhes são pagas, porque as fazem em casa, para além desse problemas todos que o vosso post refere que se prendem com a falta de privacidade e a desigualdade no acesso aos meios de telecomunicação.
Muitos professores tiveram apressadamente de adquirir os meios para ensinar à distância, computador, software, acesso à rede, etc.. Não foi o Ministério da Educação que os pagou.
Se a telescola tivesse de ser realizada com os meios que o Ministério de Educação colocou à disposição dos professores, ainda hoje estaríamos à espera do seu arranque generalizado.
Os Sindicatos não parecem ver isso e o Ministério da Educação assobia para o lado. E até já tem ideias espantosas de projectos para o ano lectivo vindouro que se prendem com a Escola Digital.
Certos profissionais doutras áreas da função pública recusam-se trabalhar com os seus próprios computadores pessoais – os juízes, por certas ocasiões, já os ouvi dizer que não trabalhariam nessas condições.
Usar o computador pessoal e a parafernália associada não equivale a ir de carro para a escola. Poderiam dizer também que o ME não paga o automóvel com que o professor se faz transportar para o trabalho. Mas neste caso, há outras opções, inclusivamente ir a pé, se morar perto da escola, ou utilizar os transportes públicos.
Enfim, como em muitas outras áreas os professores vão à frente e o Ministério da Educação vai a reboque.
AMCD
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