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CARTA A UM JOVEM DECENTE
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Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
1 comentário:
Sofre Portugal de uma definhada ruralidade que constrange qualquer um que por cá passe (exceto o turista que busca este tipo de produto mental) ou que por cá viva. Pequenino, de magro rosto lavado em lágrimas oceânicas de triste faduncho, ei-lo ainda nas caravelas perdidas no nevoeiro à bolina da decadente Europa, pobre e necessitado, de oca cruz ao falso peito da contagiosa misericórdia e da palavra vã. A vista é curta, o horizonte estreito, a educação insuficiente, a justiça quasimuda e o “deixa andar” propício à má gestão de recursos humanos e materiais e à corrupção política que os bois, a matar, é só no fim do texto.
Os Professores académicos (que me perdoem), tão linguística e filosoficamente modernizadores (não fora o braço direito secretamente esticado), não dão a mão a ninguém, a não ser que esta traga alguma joia para a troca (que a ética não é de borla) e são os anéis que assumem protagonismo de cartaz na via pública. Assisti a muitos alunos com grandes capacidades intelectuais e artísticas que nunca foram convidados para nada por uma inteligência supostamente perigosa e combativa da máquina ineficaz de um sistema feudal inoperante, camponês, de preconceito ideológico, onde muito poucos têm direito à bênção da salvação. Democracias liberais intelectualizadas, dizem...
Como são pintas, os portugueses valorizam o favor “familiar”, não o mérito nem o currículo e fazem filas no trânsito de ultrapassagens marginais e gritam como varinas gordas einsteinianas quando alguém lá na frente os impede de passar. Arranques de cidadania ativa que ninguém sabe como ativar nas escolas desertas de educação. Teorias da relatividade do perfil... do amiguismo assinado.
Nos empregos, fazem grupelhos de simétrica autodefesa, lixando o parceiro “inimigo” sem qualquer remorso, de olhar oblíquo e anão na língua bifurcada, invejosa e sarcástica, esforçadamente anónima, que o português não sofre de franqueza e coragem desde os Descobrimentos. Sempre atrasadinho, de desculpa remendada, lá se senta no fundamentalismo do parecer a teclar alguma tarefa da classe trabalhadora que aprendeu nos primórdios da existência, levantando-se para ladrar ao vizinho, ir à casa de banho ou beber a bica de duas horas.
Populistas, demagógicos, boçais, pululam pelas ruas porosas, inundadas de parasitas a vender banha da cobra e o que nem sequer está à venda, atrás da utopia absoluta do dinheiro fácil e da ambição sem trabalho. Nas caixas de supermercado, se falha a vigia, lá está um preço a mais, um produto mais caro do que o marcado e aconselho a não deixar gorjeta na mesa do restaurante sem a presença do respetivo empregado. A vida está má... e a reforma cronicamente longe.
As amizades são virtuais, tecnológicas, artríticas na forma e conteúdo, se possível, no exterior das casas em que habitam, dentro dos centros comerciais ou nos precários cafés cheios de gente com mochilas, telemóveis e carrinhas brancas no tráfico de qualquer coisinha, com a polícia do Ventura a fechar os olhos ao óbvio só porque está mal legislado, sendo que ver pode até estragar o uniforme e o descanso. Há que dar tempo às queixas...
Os amores são fogos-fátuos ou violentos e egoístas, de faca na liga, tal como dita a viela mais escusa fora de qualquer mapeamento racional, passível do mais tresloucado homicídio. Os divórcios são recontados em episódios na via pública por quem se excrementa de verdades e confabulações perante conhecidos e desconhecidos sem o mínimo de respeito por filhos e por si próprios em profunda devassa da vida comum que, um dia, até pareceu feliz.
Depois há os viperinos que vivem no futebol, na televisão e na assembleia da república ou em outros locais de Midas que auferem vencimentos principescos mais um conjunto nefasto de privilégios que ninguém sabe bem porquê. E ficamos todos a olhar para eles... de abstrato marxismo no incumprido sonho de uma lotaria que nunca sai. Por causa deles, a insurgência na placa da universal manifestação do possível. Porque, afinal, é possível a qualquer um...
Mas a paisagem é bonita e o alarme não dispara.
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