sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

AÇORES, LUGAR DE CIÊNCIA


Meu texto no último As Artes entre as Letras (na figura erupção do Vulcão dos Capelinhos em 1957):

Não se sabe ao certo quando as ilhas do arquipélago dos Açores foram encontrados, mas há uma referência incontestável num mapa que indica para a chegada dos primeiros portugueses o ano de 1427, cerca de oito anos depois do arquipélago da Madeira. Desde então os Açores têm sido um lugar de ciência.

No século XVI distinguiu-se o padre Gaspar Frutuoso (c.1522 - 1591), um historiador e humanista micaelense. Bacharel em Artes e Teologia pela Universidade de Salamanca, e mais tarde doutor em Teologia, destacou-se pela obra Saudades da Terra (em seis volumes, escrita entre  1586 e 1590; o manuscrito apenas foi descoberto no século XIX),  uma pormenorizada descrição histórico-geográfica dos arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde - a chamada Macarronésia - e outras regiões atlânticas. O escrito inclui apontamentos sobre a geologia e biologia dessas ilhas vulcânicas, havendo quem o considere o primeiro vulcanologista.

As ilhas são laboratórios de História Natural. Na história da ciência biológica, os Açores ficaram marcados por terem sido ponto de paragem  de Charles Darwin no Beagle, em 1896 quase no fim da sua viagem de circumnavegação. Existem referências aos Açores assim como à Madeira na Origem das Espécies (1859), apesar de, no Diário da Viagem Darwin ter dito que não encontrou nada de especial na Terceira. A teoria da evolução entrou em Portugal pela pena do lente coimbrão de Botânica Júlio Henriques, que propôs em 1865, na sua tese de conclusão de curso, que ela tinha aplicação na espécie humana: “Parece pois que na espécie humana tem completa aplicação a teoria de Darwin. A muitos desagradará a ideia de que o homem é um macaco aperfeiçoado. Mas se Deus nos deu a razão, se hoje o progresso e o desenvolvimento intelectual nos coloca tão longe do restante do mundo animal, que importa a origem?”

Um outro receptor pioneiro do darwinismo e até correspondente de Darwin foi um ilustre naturalista da ilha de S. Miguel Francisco de Arruda Furtado (1854-1887), que realizou uma obra extraordinária apesar da sua curta vida. Em 1881 entrou numa polémica com um padre açoriano que tinha contestado a aplicação da teoria da evolução ao homem. Pregou o padre:  “E ainda há sábios que acreditam que o homem descende do macaco!... Nós somos todos filhos de Nosso Senhor Jesus Cristo!...” E respondeu, num prospecto, Arruda Furtado: “Não há sábios que acreditam que o homem descende do macaco (...) mas que ambos deveriam ter sido produzidos pela transformação de um animal perdido e mais caracterizado como macaco do que como homem. Eis o que se disse e o que se diz e, se isto não se prova, o contrário também não”. Arruda tinha razão!

O mentor de Arruda Furtado foi Carlos Machado (1828-1901), que foi  um micaelense médiconaturalista, professor liceal, reitor do Liceu Nacional de Ponta Delgada e governador civil do distrito de Ponta Delgada. Foi o fundador do Museu Açoreano (1880), que é o mais antigo dos museus açorianos e um dos mais antigos museus nacionais. A instituição chama-se, justamente, desde 1914, Museu Carlos Machado. Vale a pena vê-lo, nos seus três pólos, em Ponta Delgada. Algumas peças da colecção podem ter vindo de Arruda Furtado, que trabalhou em Lisboa no museu que hoje se chama Museu Nacional de História Natural e da Ciência.

A recepção de Darwin deu-se também entre os literatos. O micaelense Antero de Quental (1842-1891) tem um soneto intitulado “Evolução”, onde deixou os versos: “Hoje sou homem, e na sombra enorme / Vejo, a meus pés, a escada multiforme, / Que desce, em espirais, da imensidade... “ Curioso como fala em espiral muito antes de se saber da dupla hélice do ADN…

Os Açores sempre foram um sítio privilegiado para estudar os sismos e os vulcões, dois fenómenos associados. Alguns sismos nos Açores causaram numerosas vítimas, a começar pelo grande terramoto de São Jorge de 1757, conhecido por “Mandado de Deus”, que causou mais de mil mortos. Dois anos antes já o Grande Terramoto de Lisboa tinha sido a causa de um tsunami que varreu as ilhas açorianas. Em 1808 deu-se a erupção do Vulcão da UrzelinaSão Jorge, que foi tema de uma carta de John Dabney ao presidente americano Thomas Jefferson. Em 1811, ocorreu uma erupção vulcânica submarina ao largo da Ferraria, São Miguel, que criou a ilha Sabrina, objecto de uma narrativa do capitão inglês James Tillard. A ilha desapareceu sem deixar rasto e com ela a bandeira inglesa que lá tinha sido espetada. Em 1867 houve uma outra erupção submarina, desta vez ao largo da SerretaTerceira, que foi visitada pelos franceses Charles Deville e Pierre Janssen. Porém, a mais espectacular erupção submarina foi a de 1957-58, o vulcão dos Capelinhos, Faial. Foram testemunhas do evento, que pela primeira vez acontecia numa ilha habitada com boas comunicações, entre outros sábios, o francês Haroun Tazieff, vulcanólogo, e os portugueses Orlando Ribeiro (1911-1997), geógrafo,  e Frederico Machado (1918-2000),  engenheiro civil e vulcanologista. Vale a pena ver o sítio, uma paisagem lunar, e o centro interpretativo subterrãneo. Nos tempos mais recentes, houve em 1980  um terramoto na TerceiraSão Jorge e Graciosa, que causou 71 mortos.

Mas os Açores também tem grande interesse para a oceanografia e para a meteorologia. Na oceanografia destacou-se a visita feita por Alberto I do Mónaco (1889-1922), que descobriu o grande banco a sul da ilha do Pico, a que chamou Banco Princesse Alice. Foi amigo do rei D. Carlos I, também ele oceanógrafo, que visitou os Açores em 1901. Na meteorologia distinguiu-se Francisco Afonso Chaves (1857-1926), naturalista e geofísico, que criou em 1901 o Serviço Meteorológico dos  Açores e cujo nome está associado à Sociedade Afonso Chaves, que edita a revoista Açoreana. Em 1927, o norueguês Jacob Bjerknes, uma das maiores sumidades da meteorologia, visitou Portugal. O dirigente dos Serviços Meteorológicos da Marinha António de Carvalho Brandão tinha anunciado a intenção portuguesa de criar uma nova estação nos Açores. Bjerknes afirmou então que essa estação resolveria "um problema que diz respeito às instituições científicas europeias encarregadas do estudo e previsão do tempo“ devido à falta de dados sobre o Atlântico Norte, que são assaz relevantes por causa do anticiclone dos Açores. Em 1929 ficou operacional  Estação Meteorológica Internacional do Faial, que passou a integrar uma rede que cobria o Atlântico. Pela sua especial posição geográfica os Açores contribuíam, mais uma vez, para a ciência mundial.

1 comentário:

Carlos Faria disse...

Como Açoriano, logicamente partilhei.

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