Meu texto no último As Artes entre as Letras (na figura erupção do Vulcão dos Capelinhos em 1957):
Não se sabe ao certo quando as
ilhas do arquipélago dos Açores foram encontrados, mas há uma referência
incontestável num mapa que indica para a chegada dos primeiros portugueses o
ano de 1427, cerca de oito anos depois do arquipélago da Madeira. Desde então os
Açores têm sido um lugar de ciência.
No século XVI distinguiu-se o
padre Gaspar Frutuoso (c.1522 - 1591), um historiador e humanista micaelense.
Bacharel em Artes e Teologia pela Universidade
de Salamanca, e mais tarde doutor em Teologia, destacou-se pela obra
Saudades da
Terra (em seis volumes, escrita entre 1586 e 1590; o manuscrito apenas foi
descoberto no século XIX), uma
pormenorizada descrição histórico-geográfica dos arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde - a
chamada Macarronésia - e outras regiões atlânticas. O escrito inclui
apontamentos sobre a geologia e biologia dessas ilhas vulcânicas, havendo quem
o considere o primeiro vulcanologista.
As ilhas são laboratórios de
História Natural. Na história da ciência biológica, os Açores ficaram marcados por
terem sido ponto de paragem de Charles Darwin
no Beagle, em 1896 quase no fim da sua viagem de circumnavegação. Existem
referências aos Açores assim como à Madeira na Origem das Espécies
(1859), apesar de, no Diário da Viagem Darwin ter dito que não encontrou
nada de especial na Terceira. A teoria da evolução entrou em Portugal pela pena
do lente coimbrão de Botânica Júlio Henriques, que propôs em 1865, na sua tese
de conclusão de curso, que ela tinha aplicação na espécie humana: “Parece pois
que na espécie humana tem completa aplicação a teoria de Darwin. A muitos
desagradará a ideia de que o homem é um macaco aperfeiçoado. Mas se Deus nos
deu a razão, se hoje o progresso e o desenvolvimento intelectual nos coloca tão
longe do restante do mundo animal, que importa a origem?”
Um outro receptor pioneiro do
darwinismo e até correspondente de Darwin foi um ilustre naturalista da ilha de
S. Miguel Francisco de Arruda Furtado (1854-1887), que realizou uma obra
extraordinária apesar da sua curta vida. Em 1881 entrou numa polémica com um
padre açoriano que tinha contestado a aplicação da teoria da evolução ao homem.
Pregou o padre: “E ainda há sábios que
acreditam que o homem descende do macaco!... Nós somos todos filhos de Nosso
Senhor Jesus Cristo!...” E respondeu, num prospecto, Arruda Furtado: “Não há
sábios que acreditam que o homem descende do macaco (...) mas que ambos
deveriam ter sido produzidos pela transformação de um animal perdido e mais
caracterizado como macaco do que como homem. Eis o que se disse e o que se diz
e, se isto não se prova, o contrário também não”. Arruda tinha razão!
O mentor de Arruda Furtado foi Carlos
Machado (1828-1901), que foi um
micaelense médico, naturalista, professor
liceal, reitor do Liceu
Nacional de Ponta Delgada e governador civil do distrito de
Ponta Delgada. Foi o fundador do Museu Açoreano (1880), que
é o mais antigo dos museus açorianos e um dos mais antigos museus nacionais. A
instituição chama-se, justamente, desde 1914, Museu Carlos
Machado. Vale a pena vê-lo, nos seus três pólos, em Ponta Delgada.
Algumas peças da colecção podem ter vindo de Arruda Furtado, que trabalhou em
Lisboa no museu que hoje se chama Museu Nacional de História Natural e da
Ciência.
A recepção de Darwin deu-se
também entre os literatos. O micaelense Antero de Quental (1842-1891) tem um
soneto intitulado “Evolução”, onde deixou os versos: “Hoje sou homem, e na
sombra enorme / Vejo, a meus pés, a escada multiforme, / Que desce, em
espirais, da imensidade... “ Curioso como fala em espiral muito antes de se
saber da dupla hélice do ADN…
Os Açores sempre foram um sítio privilegiado
para estudar os sismos e os vulcões, dois fenómenos associados. Alguns sismos
nos Açores causaram numerosas vítimas, a começar pelo grande terramoto de São
Jorge de 1757, conhecido por “Mandado de Deus”, que causou mais de mil mortos.
Dois anos antes já o Grande Terramoto de Lisboa tinha sido a causa de um
tsunami que varreu as ilhas açorianas. Em 1808 deu-se a erupção
do Vulcão da
Urzelina, São Jorge,
que foi tema de uma carta de John Dabney ao presidente americano Thomas Jefferson. Em 1811, ocorreu uma erupção
vulcânica submarina ao largo da Ferraria, São Miguel,
que criou a ilha Sabrina,
objecto de uma narrativa do capitão inglês James Tillard. A ilha desapareceu
sem deixar rasto e com ela a bandeira inglesa que lá tinha sido espetada. Em 1867 houve uma outra erupção
submarina, desta vez ao largo da Serreta, Terceira, que foi visitada
pelos franceses Charles Deville e Pierre Janssen. Porém, a mais espectacular
erupção submarina foi a de 1957-58, o vulcão dos
Capelinhos, Faial. Foram testemunhas do evento, que pela primeira vez acontecia
numa ilha habitada com boas comunicações, entre outros sábios, o francês Haroun
Tazieff, vulcanólogo, e os portugueses Orlando Ribeiro (1911-1997), geógrafo, e Frederico Machado (1918-2000), engenheiro civil e vulcanologista. Vale a pena
ver o sítio, uma paisagem lunar, e o centro interpretativo subterrãneo. Nos
tempos mais recentes, houve em 1980 um
terramoto na Terceira, São Jorge e Graciosa, que causou 71
mortos.
Mas os Açores também tem grande interesse para
a oceanografia e para a meteorologia. Na oceanografia destacou-se a visita
feita por Alberto I do Mónaco (1889-1922), que descobriu o grande
banco a sul da ilha do Pico,
a que chamou Banco Princesse Alice.
Foi amigo do rei D. Carlos I, também ele oceanógrafo, que visitou os Açores em
1901. Na meteorologia distinguiu-se Francisco Afonso Chaves (1857-1926),
naturalista e geofísico, que criou em 1901 o Serviço Meteorológico dos Açores e cujo nome está associado à Sociedade
Afonso Chaves, que edita a revoista Açoreana. Em 1927, o norueguês Jacob Bjerknes, uma das
maiores sumidades da meteorologia, visitou Portugal. O dirigente dos
Serviços Meteorológicos da Marinha António de Carvalho Brandão tinha anunciado a intenção portuguesa
de criar uma nova estação nos Açores. Bjerknes afirmou então que essa
estação resolveria "um problema que diz respeito às instituições
científicas europeias encarregadas do estudo e previsão do tempo“ devido
à falta de dados sobre o Atlântico Norte, que são assaz relevantes por causa do
anticiclone dos Açores. Em 1929 ficou operacional Estação Meteorológica Internacional do Faial,
que passou a integrar uma rede que cobria o Atlântico. Pela sua especial
posição geográfica os Açores contribuíam, mais uma vez, para a ciência mundial.
1 comentário:
Como Açoriano, logicamente partilhei.
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