1.
Aqui
a pedra é suor e um ressono tão pesado de pedra a cair no ferro mais duro que
for forjado. aqui a pedra é um muro que se ergue contra o vento e o mar. é um
morro que nunca morre, morrendo só o que de pedra não for ou quem em chão alto
quis sonhar. aqui a pedra é flor, se a flor se chamar lírio. é um inverno que
começa a partir, a estiolar num sol de início. aqui a pedra é cruz, quando a luz
do caminho cai, abrupta, e o rumo para outro é inspiração e até para a própria
culpa. aqui também é céu a pedra, quando nem há sequer sopro para o sono. céu
que de Deus é chão e do homem saudade, um sonho que eternamente se espera.
2.
Todos
estes morros são frios em dezembro e o vento não os arrasta como folhas soltas.
a flor da nespereira resiste ao inóspito tempo e num fino raio de luz agitam-se
as vespas às voltas. à noite, um fogo-nêspera, como ao vento um lençol branco,
se agita diante da face, das rugas e do sopro. e no quarto uma vespa inútil,
como um fruto pútrido num ramo, e o poeta sobre os morros chamando às folhas
breves o Corpo.
3.
Na
margem de um caminho de lama de outubro, a folhagem de uma vinha-virgem erguida
por gavinhas numa parede de pedra. agora o que é pulcro assoma do barro, da
terra. como uma uva na rama, o vermelho do sol-pôr embrenhara-se nos pinhais da
gândara ou no mar longínquo, e não voltará tão depressa. agora o poente ora é
branco como escuma ora é escuro como pedra. o teu sorriso, no entanto, encerra todo
o tempo. é poente em chama e vinha-virgem…e eu encontro-me, nevoento e brando, na
monotonia da minha terra.
4.
Traz
até mim o brilho de água dos plátanos, quando à chuva outonal se segue a luz.
era assim que o teu olhar procurava o azul que queria seguir te todos os
passos. o azul que vinha da curva, do fim e da mágoa. e que te via, à luz do
sol, a sair nua da água.
5.
Um rio que corra sobre o meu coração
E que seja a espuma rubra do teu chão.
Um frio que em mim seja lágrima e gume
E em tua fronte seja brisa e seja
perfume.
Um sol que nunca mais em minha boca
arda
E seja sempre flor em tua exaustão e
água.
6.
Soube,
na tábua do meu leito, a frincha clara do dia entre cortinas vermelhas ao
vento. soube abrir o vento, rumo ao dia de um livro que me levava o peito.
soube inventar uma árvore altíssima, à beira-rio, e o voo de uma garça
argêntea. soube a urgência de amar o remoto silêncio da montanha, quando a
lágrima espalhava pelo chão a minha poeira. soube ao borralho, tremente, traçar
na cinza a tenaz, o gesto sobre o clarão da áscua, e a mão firme e inteira.
soube traduzir o riso da escuma, que uma onda a mim erguera. soube deitar o
sonho na terra-frágua, iniciar a cristalina sementeira.
7.
Duro
é recordar as uvas douradas que me vinham à mão. a vindima no fim de um verão
pleno de luz e de alegria como um recreio de crianças a repercutir no céu azul.
os uivos lancinantes, na expiração das trevas nos currais. um estrídulo de cigarras, manhã cedo, ao redor
do cruzeiro. os vãos infindos de folhas, as mãos de mel e os punhos abertos. e
o tumulto das dornas nas crateras dos caminhos rurais.
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